Um corpo nu, uma mulher amarrada, servida de bandeja em frente à igreja em uma das principais avenidas de Teresina, capital do Piauí. A performance intitulada “Cardápio 29″, que aconteceu durante o último protesto contra o governo Bolsonaro, em 29 de maio, gerou grande repercussão após ganhar visibilidade nas redes sociais. O ato teve como consequência diversos ataques a Tamires Coeli, sua idealizadora, que levantou o debate sobre o uso da nudez como forma de protesto e reivindicação e trouxe o questionamento: que lugares a nudez da mulher pode ocupar?
“O nu enquanto mulher reverbera ainda mais porque a mulher não tem direito sobre seu corpo desde há muito tempo”, comenta a idealizadora do ato. “A mulher pode se mostrar nua nos cartazes por aí quando o capitalismo diz que pode, mas, como ato político, não. Porque os nossos corpos foram domesticados. E essa é uma pauta que vai demorar muito até que a gente consiga galgar um espaço diferente do que temos hoje”, acrescenta Tamires.
As reações nas redes foram permeadas de críticas e, de imediato, se converteram em ataques misóginos e machistas. “As pessoas que chegaram criticando não se deixaram ser convidadas para essa conversa que eu quis fazer, chamando a todos para a mesa, para esse banquete, para conversarmos sobre essas mortes que estão acontecendo”, lamenta. “Mas isso não foi o cerne das discussões”.
Tamires, que é integrante do Coletivo Ondas, explica que a performance foi uma forma de protestar contra o governo atual, a pandemia e o agravamento das mortes e da fome. “Eu queria me colocar como uma carne morta na cidade”, explica. “A ideia de estar em uma bandeja é muito significativa porque vem das ideias dos grandes banquetes, dentro de um país em que ainda existem pessoas que passam muita fome”, acrescenta. “Era para simbolizar essa nuance do banquete para a pobreza”.
Para Tamires, o uso do corpo para o protesto parte do entendimento de que, ao se colocar na bandeja em um espaço público, estaria representando outras pessoas. “O meu corpo não é só meu e, como corpo poroso, toda a minha movimentação nunca é só minha”, explica. “Vivendo em sociedade, não tem como você se esquivar das suas responsabilidades sociais enquanto sujeito ali naquele lugar”, acrescenta, defendendo a performance como um ato político.
Com a onda de críticas e repercussões negativas, vieram também aqueles que se identificaram. “Mulheres de várias formas e cores e não só artistas, quando viram as pessoas atacando meu ato, falaram que se sentiram representadas por eu estar levantando essa bandeira pelo direito de nosso corpo existir nessa cidade”, comenta.
Para ela, a repercussão da performance, com críticas negativas ou elogios, é positiva. “Muitas coisas foram colocadas em debate, e isso foi uma saculejada em temas que precisam ser discutidos”, finaliza.
*A ilustração acima é de Jaque Zumbido, que integra o projeto Deusas.
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