sábado, 23 de novembro de 2024

Criatividade e inovação de berço

A inovação e capacidade de empreender da periferia piauiense mostrará voz ativa em feira que traz os maiores empreendimentos do país

21 de setembro de 2023

A favela venceu! Todo mundo sabe que ainda está um pouco longe de uma vitória efetiva, mas apesar de todos os problemas e ausências de políticas públicas, a periferia conseguiu mostrar voz ativa, seja em rima, em criatividade ou ideias inovativas, durante dois dias em Teresina com a etapa estadual da Expo Favela Innovation Piauí 2023. O evento reuniu um público de mais de 6 mil pessoas que puderam conferir a produção de 60 empreendedores e artistas da periferia, além de participar de palestras e bate-papos. Na ocasião, foram selecionadas 10 empresas que vão representar o Piauí na Expo Favela Brasil, que vai acontecer nos dias 1, 2 e 3 de dezembro em São Paulo, onde os piauienses irão mostrar que o talento vem de berço e que se fortalece pela resistência da periferia que ocupa cada vez mais o centro.

Mais do que uma feira de empreendedores, a Expo Favela Innovation Piauí 2023 é um evento que tenta gerar conexões e derrubar estigmas, proporcionando uma oportunidade de empreendedores transformarem em vitrines os muros que dividem as periferias dos centros comerciais. O evento é organizado pela Central Única das Favelas (CUFA) em parceira social com Favela Holding. A CUFA tem uma forte ligação com o estímulo à educação e ao espírito empreendedor em grupos socialmente marginalizados. 

A organização teve início em 1998, quando um grupo de jovens, majoritariamente negros e originários de diversas favelas do Rio de Janeiro, associados ao movimento Hip Hop, se uniram para falar de música. Inicialmente, o propósito deles era promover debates sobre o movimento Hip Hop no Brasil e destacar como ele era sistematicamente marginalizado tanto pela sociedade em geral quanto pela própria população residente nas favelas. O que antes era um grupo, cresceu e se tornou uma organização presente em 15 nações ao redor do mundo, bem como em todos os estados do Brasil. Hoje, a CUFA se dedica a implementar iniciativas de caráter social, cultural e programas de capacitação profissional, realizando o maior campeonato de futebol entre favelas do mundo, a Taça das Favelas.

Essas ações são viabilizadas por meio de acordos e colaborações estabelecidas com entidades governamentais, fundações e empresas privadas. A Expo Favela é um dos projetos que nasceu dessa organização, cujo princípio reside em levar oportunidades à população carente que reside em favelas. Através da Favela Holding e da parceria com a Central Única das Favelas (CUFA), a Expo Favela busca impulsionar o trabalho de jovens negros das favelas e periferias. Essas organizações possuem uma ampla influência e conexões nas comunidades, bem como estabelecem diálogo com autoridades e empresários fora dessas áreas. Isso facilita a promoção desses jovens empreendedores e cria oportunidades de colaboração e apoio, contribuindo para a inclusão social e econômica desses talentos em ascensão. Além do ambiente de oportunidade de negócios, eventos como o Expo Favela também oferecem qualificação profissional com palestras e rodas de conversa.

Uma semente que deu frutos

Um empreendimento que começou como uma ideia, ou melhor, uma semente. É com essa proposta que o Alchemist pretende melhorar o mundo. A startup, criada pelo jovem empresário Winston Marley, tem a missão de incentivar a agricultura e a criação de jardins sustentáveis nos centros urbanos e estará com os maiores expositores do evento em São Paulo representando o Piauí. 

Através de um plano de assinatura, os apoiadores da Alchemist recebem uma “horta na caixa”, que consiste em um conjunto de itens como adubo orgânico, mudas e um guia passo a passo para o cultivo de seus próprios legumes. A ideia é que a caixa seja entregue desmontada para que os assinantes possam montar seus próprios espaços de cultivo, entrando em contato direto com a experiência de pôr a mão na terra. Marley teve a ideia do Alchemist a partir do desejo de melhorar a própria alimentação. “O nosso objetivo é fazer com que os clientes consigam produzir em pequena escala alimentos que podem tornar umas das suas refeições saudáveis”, explica.

O cantor Toni Garrido durante visita ao estande do Alchemist na Expo Favela Piauí (Foto: Arquivo Pessoal W. Marley)

A tradição da agricultura e da produção de alimentos percorre gerações da família de Marley; o avô dele trabalhava nos campos de sementes da cidade de Redenção, no Ceará. Após concluir uma graduação em logística e conseguir experiência na área, Marley decidiu reconectar-se com suas raízes e a herança de seu avô: a agricultura. Dessa forma, ele fundou a Alchemist com o propósito de fomentar a sustentabilidade da agricultura e resistir aos perigos de uma indústria alimentícia que adoece. “A Alchemist surgiu na necessidade de mudar a minha realidade de vida, tendo a oportunidade de empreender, de trabalhar com as próprias mãos e ver as mudanças acontecerem, poder me alimentar melhor e resistir a uma indústria que nos força a uma alimentação desregrada e prejudicial”, ressalta.

O Alchemist, como o nome sugere, luta para transformar o cinza das cidades em verde, em sustentabilidade. Para Marley, a chance de representar o Piauí na Expo Favela Brasil simboliza o reconhecimento de que o empreendimento foi capaz de transmutar esforço e trabalho árduo em sucesso e oportunidades, proporcionando qualificação para o negócio. A expectativa do empresário na Expo Favela Brasil é aproveitar a oportunidade para fechar negócios, expandir a rede de contatos, atrair investidores e, assim, melhorar a qualidade de vida da população nas grandes cidades. “Espero poder ter a oportunidade de colaborar no âmbito nacional com a valorização da agricultura familiar, na alimentação saudável e das práticas sustentáveis e com a participação em projetos que desenvolvam esses temas acima na nossa sociedade”, conta.

Ancestralidade na cabeça 

Sobre a cabeça, um padrão multicolorido de formas geométricas. Diversas formas de amarração e tamanhos. Essa é uma maneira de exibir as origens, como uma coroa. Os turbantes são usados por mulheres negras como forma de se reconectarem com suas raízes culturais, auxiliando na transição capilar, e também como uma fonte de renda para as empreendedoras. Foi assim que nasceu a Tecidos Orí Ayaba, uma loja de tecidos de estampas africanas e turbantes criada por Joana Victória. Além do desejo de complementar a renda a partir de produtos que não eram facilmente encontrados em Teresina, a empresária desejava lançar mais holofotes sobre a cultura e a beleza preta. “O nosso objetivo é trazer uma autoestima para pessoas pretas, trazer essa reconexão com

a África, com os símbolos, com as cores e com a indumentária, com a vestimenta africana, obviamente, no continente”, explica Joana. O tecido em questão, com suas diferentes tonalidades, padrões e formas de serem amarrados, traz em si a poderosa herança das raízes ancestrais. “Só o fato das pessoas conhecerem um pouco, de se sentirem poderosas, bonitas,  com autoestima usando esses adereços, já traz muita potência para esses corpos”, ressalta.

As estampas africanas são conhecidas por sua rica variedade de temáticas e simbolismo, que refletem aspectos da vida, história e tradições ancestrais da África (Foto: Arquivo pessoal/ Joana Victoria)

O nome “Tecidos Orí Ayabá” surgiu da conexão da fundadora com a espiritualidade e a cultura yorubá, representando a ideia de adornar cabeças de reis e rainhas com turbantes. O nome reflete a importância do “ori” (cabeça) na Umbanda e o significado de “ayabá” (rainha) em yorubá, simbolizando o cuidado espiritual e a nobreza. Assim os turbantes coroam as cabeças das pessoas pretas com seus padrões coloridos e geométricos, muitas vezes inspirados na natureza e na cultura do continente africano. “Um turbante, uma roupa africana, uma bata, uma calça, nessas estampas, traz essa reconexão, porque você se sente pertencente àquilo que a gente sempre, das nossas raízes”. Além disso, o turbante desempenha papéis de proteção em cerimônias do candomblé e na modelagem de cabelos crespos. “ O turbante para as mulheres que estão passando por transição capilar e tudo, tem um símbolo muito rico, muito forte para as pessoas negras, tanto do Brasil como do continente”, explica.

A presença na Expofavela Piauí já trouxe resultados positivos para o empreendimento de Joana, incluindo um aumento nas vendas e no engajamento nas redes sociais de sua loja.  “A Expo Favela já está dando essa visibilidade, aqui mesmo, em Teresina, no Piauí, os nossos trabalhos já estão sendo expostos na mídia, na TV, em jornais eletrônicos, então a gente já está tendo essa visibilidade”, ressalta.

A Tecidos Orí Ayaba é um dos 10 empreendimentos selecionados para representar o Piauí em São Paulo durante a Expo Favela Brasil (Foto: Arquivo pessoal/ Joana Victoria)

Além da Expo Favela Piauí, a Tecidos Orí Ayaba vai marcar presença na versão nacional do evento. Joana Victória conta que expor a estamparia africana em São Paulo será uma chance enriquecedora para ampliar o público, explorar diferentes projetos, empresas e ideias a partir do contato com os outros expositores. “Representar o Piauí na ExpoFavela é um prazer, a realização de um sonho. Eu nunca fui pra fora daqui, nunca viajei de avião, nunca fui pro sul. Então é um passo muito importante pra gente que vem de baixo, que nunca teve essa oportunidade, e sabe-se lá quando nós teríamos essa oportunidade, ou quando nós conseguiríamos fazer isso com o nosso próprio dinheiro”, relata.

Para o futuro, Joana deseja expandir a estamparia africana para outras cidades além da capital piauiense. “Quem sabe ter um ateliê, fazer nossas próprias roupas, vender essas roupas sob encomendas e um dia ter uma filial em outro local”. Além disso, a visão da empreendedora  incentiva um número maior de pessoas a se reconectar com as próprias raízes. “Além da venda de tecidos, queremos aumentar tanto o nosso papel de informação sobre a cultura negra, cultura africana, e também aumentar as nossas expectativas de trabalho, de produção dos nossos produtos, dos nossos tecidos, roupas, turbantes”, explica.

O fator favela

A chance de empreendimentos de pessoas das favelas ganharem reconhecimento por meio de feiras como a Expo Favela além de beneficiar individualmente os empreendedores, também contribui para o fortalecimento das comunidades, a promoção da diversidade e o incentivo ao empreendedorismo em contextos desafiadores. Isso cria um impacto positivo tanto a nível local quanto global. 

As favelas estão se tornando centros de empreendedorismo devido ao seu grande potencial como mercado produtor e consumidor. De acordo com uma pesquisa da Data Favela, os moradores dessas comunidades movimentam mais de R$ 119 bilhões anualmente em consumo no Brasil. Mas a favela não quer apenas consumir; ela também têm o desejo de produzir. De acordo com o mesmo estudo, 76% dos moradores de favelas têm interesse em possuir ou já possuem um negócio próprio. Através de experiências como a Expo Favela, esses empreendedores ganham força e visibilidade, mostrando que a favela, antes de tudo, é um berço de potências.

Conheça os 10 empreendimentos piauienses selecionados para a Expo Favela Brasil

1 – Rômulo Natan – Arte em Pneu (artes e decorações com reciclagem de pneus)
2 – Catiene – I9Nursing (serviços acessíveis de podologia e enfermagem para o público de favela)
3 – Ana Cristina – Artesana’s (artesanato diversificado)
4 – Jaqueline – Aje Omi (biocosméticos e saboaria natural)
5 – Marley – Alchemist (jardins sustentáveis)
6 – Daniela Hannah – Mude os Hábitos, Mude o Mundo (educação ambiental)
7 – Iramaira – Bonita Fios (looks especializados em crochê)
8 – Joana Victoria – Tecidos Orí Ayaba (especializada em estampas afro)
9 – Neura – NC Pizzas e Sorvetes (culinária inclusiva, produção de queijo vegetal zero lactose)
10 –  Nonato e Joselé – Caza Maker (cursos e oficinas itinerantes)

 

 

 

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