quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Marco temporal limita direito de demarcação de terras indígenas

Tese que deve ser julgada no STF pode beneficiar grileiros, latifundiários e ruralistas

26 de agosto de 2021

Na última quarta-feira (25), a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, foi ocupada por mais de 6 mil representantes indígenas contrários ao “marco temporal”, que trata sobre a demarcação de terras dos povos originários.

O marco temporal é um entendimento jurídico. Na discussão, indígenas só poderiam reivindicar demarcação de território caso já estivessem ocupando-os antes da promulgação da Constituição de 1988. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), juntamente com os ruralistas, são favoráveis à decisão que pode beneficiar os que invadem e roubam terras.

Até a promulgação da nova Constituição de 1988, povos originários eram tutelados pelo Estado, caracterizados como “relativamente incapazes” e impedidos. Hoje, de acordo com o marco, para serem mantidos em suas terras, eles deveriam ter lutado judicialmente, em um contexto que o próprio Estado os proibia, constitucionalmente, de tomar esse tipo de decisão. 

Entendido como principal julgamento em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a temática, indigenistas alegam que o marco é contraditório, por não estar previsto na constituição. A pauta, contudo, acabou não entrando em discussão.

Uma carta com posição contrária ao marco foi protocolada por lideranças indígenas e assinada por mais de 160 mil pessoas, entre acadêmicos, artistas e juristas. Inicialmente com 301 nomes. O manifesto foi aberto virtualmente para a coleta de assinaturas e ganhou a adesão de milhares de apoiadores aos povos originários.

 Para a cacica Francisca Kariri do Território Indígena Kariri de Serra Grande, (580 km de Teresina), primeira terra indígena que recebeu titulação no Piauí, o momento é de preocupação. “É um marco de morte para os povos indígenas. Muitas comunidades estão levantando agora. Se for aprovado, nenhuma terra indígena no Piauí vai ser regularizada”, afirma. Ela torce para que o processo não seja aprovado e o considera uma espécie de instrumento de retirada de liberdade. “O nosso direito à terra deve ser fundamental”, reforça.

A professora que realiza pesquisa entre populações indígenas, Carmen Lúcia Silva Lima, reforça que a tese do marco temporal inviabilizaria a reivindicação de terra e colocaria em risco processos de que já foram judicializados e estão em curso. “Se a tese sair vitoriosa nesse julgamento do STF, virá um desmantelamento grande, abrindo espaço para todo um movimento anti-indigena que está em curso no Brasil, protagonizado por grupos econômicos e ruralistas”, destaca.

Com um enfoque no estado, a professora diz que a situação do Piauí no contexto é a mais grave de todas. Com apenas um território, em um processo de regularização fundiária feita pelo governo do estado, a FUNAI, até o momento não fez nada em termos de demarcação de território. 

É a demarcação que garante a permanência e a posse das terras. Sem ela, o acesso à educação e a saúde são prejudicados. A reportagem “Pelo direito à terra”, publicada no oestadodopiaui.com, descreve o vínculo de respeito, cuidado, ancestralidade e preservação de terras para os povos indígenas, onde “o território assegurado, é possível reivindicar políticas públicas e acessos a outros direitos”.

Com a chegada do marco temporal, tanto a área indígena, que é constantemente negada, poderá sofrer mais ainda, quanto aos povos indígenas que não possuem terra e vivem no contexto urbano. “Fico imaginando a repercussão para os indígenas Gamelas, que estão na região do cerrado piauiense”, comenta. “Esses indígenas estão confinados em pequenas porções de terra nos baixões e no topo, que é área indígena foi ocupada pelo agronegócio”, encerra.

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Joseph Oliveira

Graduando em jornalismo na Universidade Federal do Piauí.

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