Há mais de três anos, Fabio de Souza, 34 anos, não sabe o que é estar em um trabalho formal ou ter a carteira assinada. Trabalhando quase 12 horas por dia como entregador de delivery por aplicativo, ele escolhe apenas um dia na semana para ter “folga da plataforma”. Nesse dia, ele se dedica a realizar outros trabalhos de entregas para poder quitar as contas de casa. O aluguel, conta de luz, água e internet somam quase 90% do que o motorista consegue arrecadar por mês.
Sem expectativa de conseguir trabalho em Teresina, Fábio faz parte dos mais de 56 mil piauienses que deixaram de procurar emprego acreditando que não conseguem mais encontrar – segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) referente ao segundo trimestre de 2021 no Piauí.
O quantitativo revela um aumento de 31,1% comparado ao ano anterior, quando o estado já tinha alcançado o maior índice de desocupação da história. Pela primeira vez, a taxa atingiu a marca de 14,9%. É a maior proporção já registrada desde 2012, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deu início à coleta da PNAD. São consideradas desocupadas as pessoas com 14 anos ou mais de idade que estavam sem trabalho e procurando por uma ocupação.
O preocupante é que, ainda no 1º trimestre deste ano, o estado já havia atingido um recorde, quando alcançou 14,5%. Deste então, a situação piorou: o aumento de 0,4 ponto percentual no índice significa que mais de 12 mil pessoas entraram para a estatística de desocupação. Ao todo, o estado encerrou o segundo semestre com cerca de 212 mil desocupados ao final do 2º trimestre deste ano.
Paralelo a isso, o Piauí tem enfrentado o aumento da informalidade. No primeiro semestre, o índice alcançou cerca de 56,9%. A taxa é a quarta mais alta do país, conforme o IBGE. No Brasil, a taxa foi de 40,6%. O índice mostra a proporção de trabalhadores do setor privado sem carteira de trabalho assinada, trabalhadores domésticos sem registro em carteira, empregadores sem registro de CNPJ, trabalhadores por conta própria e trabalhadores familiares auxiliares em relação ao total de pessoas ocupadas.
Nesse panorama de informalidade, o Piauí ainda aparece na primeira posição quanto ao índice de subutilização composta da força de trabalho. A taxa reúne pessoas que trabalham menos de 40h semanais e gostariam de completar a carga horária. Ao todo, as pessoas desocupadas e inativas com potencial para trabalhar, alcançaram 46,6% da população com 14 anos ou mais de idade no 2º trimestre de 2021, segundo o IBGE.
Diploma na parede
Maria Helena Ribas tem 31 anos e é pedagoga de formação. Ela conta que apesar de ter tido os quatro anos de faculdade financiados pelo Programa Universidade para Todos (Prouni) em uma faculdade privada de Teresina, temia o mercado de trabalho que enfrentaria após a conclusão do curso. Formada em 2019, Maria já sentia o impacto da falta de emprego na sua área, mas depois da pandemia da Covid-19, com as aulas remotas e a suspensão do ensino formal, ela sente que houve uma queda ainda mais brusca. Como estratégia para poder sair da crise, ela se cadastrou como motoristas na Uber e 99 e, aproveita as corridas para vender barrinhas de chocolate caseiras aos passageiros – complementando o dinheiro e fechando as contas no fim do mês.
Assim como a pedagoga, pelo menos 29,5% das pessoas que concluíram a graduação há até três anos ainda não conseguiram o primeiro emprego – e os que terminaram o curso há mais tempo e ainda não entraram no mercado de trabalho são 8,8%. Os dados são da Pesquisa de Empregabilidade do Brasil, do Instituto Semesp.
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Segundo a pesquisa, no total de cursos com maior número de participantes, lideram dentro das formações de instituições privadas os cursos de administração, direito, ciências biológicas, engenharia civil, publicidade e propaganda. Nas instituições públicas, são os cursos de ciências biológicas, engenharia mecânica, ciências da computação, geografia e medicina veterinária.
A história se repete com os irmãos Carvalho. Andreia foi a primeira pessoa da família a entrar na universidade pública e formou-se em biologia. Seguindo os passos da irmã, Vinícius concluiu a graduação no mesmo curso e instituição: licenciatura em ciências biológicas pela Universidade Federal do Piauí. Os diplomas dos dois, porém, permaneceram emoldurados na sala da casa dos pais.
A realidade não segue apenas no Piauí, mas também em torno de 40% dos jovens que possuem o ensino superior, mas que não conseguiram um emprego na área. De acordo com dados da consultoria IDados, são cerca de 525,2 mil jovens graduados que estão em empregos que não correspondem à sua formação.
De acordo com especialistas, esses dados têm sido crescentes e instáveis para a população jovem desde 2014 – principalmente pelo aumento da inflação e os desequilíbrios econômicos que afetam o país, além do baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo a especialista, Eline Val, a pandemia da Covid-19 potencializou esse cenário e, mesmo após um ano do maior período de isolamento social, tem custado a se restabelecer.
“As pessoas estão consumindo menos por não terem condições, mas os preços sobem por menor oferta”, explica. “As empresas recebendo menos, há menor receita, elas investem menos, estagnam, fecham, causando menor contratação e recontratação, se tratando da estagnação causada pela Covid-19”, analisa a economista.
Salário mínimo, vida mínima
A crise do desemprego colide com a crise do abismo salarial no Brasil . “Um salário mínimo não dá para chegar na primeira quinzena do mês”, declara Leon Jericó à reportagem. O publicitário e social media, de 26 anos, conseguiu um intervalo entre um emprego e outro para poder falar com a nossa reportagem. Morando de aluguel, os gastos com transporte, alimentação e outros custos não conseguem ser abarcados com apenas um salário. Para completar a renda, durante a semana, em algumas madrugadas, o jovem trabalha em um supermercado de Teresina auxiliando no armazenamento do estoque.
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Assim como Leon, cerca de 34% da população brasileira também sobrevive com menos de um salário mínimo por mês – correspondente a R $1.100 reais (inflacionado 5% de reajuste). O número chega a quase 30 milhões de brasileiros se mantendo com um – ou menos – salário mínimo.
As diferenças no país se destacam consideravelmente. Enquanto em Santa Catarina (SC), 77% das pessoas vivem com mais de um salário mínimo, no Piauí, 69% ganham menos do que isso pra sobreviver.
Segundo o economista Fernando Galvão, há um achatamento da renda dos trabalhadores, causado pelo teto baixo de salário e a inflação que impede o poder de compra. Ele encara a situação de pessoas, principalmente jovens, pela busca de mais de um emprego para poder complementar renda de forma drástica. “O brasileiro está sendo colocado em uma disputa, onde muitas vezes, é uma relação desigual”, destaca Galvão.
Como estratégias a longo prazo, o especialista cita a adoção gradual de uma economia colaborativa. Ou seja, desde a legislação aos hábitos, devem ser adotadas novas formas de interagir no mercado de trabalho para que ele não se torne fechado e possa se adequar às demandas de cada geração.
“É necessário que a gente possa pensar em formas compartilhadas e criativas de fazer os trabalhadores se integrarem ao mercado de trabalho”, pontua. “É a longo prazo, depende de muitos setores, públicos, privados, a mídia e a própria educação financeira do país”, finaliza.
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