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Há 20 anos, Salão do Livro do Piauí promove arte e cultura gerando conexões através da literatura

11 de junho de 2022
por Redação

Geovane Pereira*, especial para oestadodopiaui.com

Era uma tarde quente de sábado e uma cabine lotada de estudantes esperava o escritor. Ao clamor da plateia, Tito Almeida, um jovem professor da cidade de Lagoa Alegre, sobe ao palco para o grande momento: lançar o seu primeiro livro no Salipi, o maior evento literário do Piauí. 

O escritor viajou 86 km até Teresina para participar do Salão do Livro – junto com ele, quatro ônibus lotados de estudantes também vieram para prestigiar o momento. Ao fim do bate-papo literário, mediado pelo anfitrião Alex Romero, os jovens estenderam uma faixa em homenagem ao professor:  “Obrigada por ensinar com amor”.

Há 20 anos o Salão do Livro do Piauí vem sendo palco democrático para novos e também consagrados escritores. O evento, que começou como uma simples feira de livros em 2003, lá no centro da cidade, virou um pretexto para profusão de arte e cultura, reunindo público de todo o estado.

A feira é aberta ao público em geral, gratuita, mas o evento conta também com uma semana de programação, que inclui lançamentos de livros, bate-papos literários, palestras, oficinas e apresentações artísticas. 

Ao lançar primeiro livro, professor ganhou faixa-homenagem dos alunos (Foto: reprodução Youtube)

Em suas primeiras edições, o Salipi acontecia no coração de Teresina, na Praça Pedro II, mas, desde 2014, o evento vem sendo realizado no campus Ministro Petrônio Portela, na Universidade Federal do Piauí (UFPI), com o intuito de trazer maior segurança e conforto aos feirantes e aos participantes, além de facilitar a integração da população ao espaço universitário.

A história do Salipi começa com a semente plantada por um grupo de professores que iniciou o evento literário almejando projetar a cultura e a identidade piauienses para todo o país. A curadoria é realizada, atualmente, pela Fundação Quixote, que foi criada pelos membros idealizadores deste espaço literário do Piauí.

 “O maior evento lítero-cultural do Piauí, a nossa Bienal do Livro! Os entraves: nenhum dinheiro no bolso, apenas alguns poucos amigos importantes, e todos vindos do interior. Mas a proposta era boa, organizada e bem fundamentada, e ela foi ‘comprada’ por quem realmente poderia transformá-la em realidade. Nascia ali o Salão do Livro do Piauí. E com ele, dúvidas sobre sua viabilidade e continuidade”, escreve Jasmine Ribeiro Malta, uma das responsáveis pelo cultivo deste marco para a cultura do Piauí, em texto no site oficial do evento.

Na rota dos festivais literários

Uma cultura de grandes festividades literárias vem ganhando forças nas últimas décadas. Nesse movimento, o Piauí vem se destacando com o Salipi, tanto pela sua estrutura quanto pelo formato e pela constância em sua execução, que se equipara a outros eventos literários de grande porte no Brasil. 

No eixo Nordeste, as capitais vizinhas São Luís e Recife realizaram, respectivamente, em 2021, a Feira do Livro de São Luís (FeliS), que chegou a sua 14ª edição, e o Festival Recifense de Literatura A Letra e a Voz, que alcançou a sua 18ª edição. No eixo Sudeste, neste ano, aconteceu a 1ª edição da Feira do Livro na capital paulista e, na capital carioca, o Ler Festival do Leitor, que concretizou a sua 4ª edição.

Feira de livros é pretexto para encontro de amantes da literatura (Foto: ascom Salipi)

Tais festivais literários possuem estruturas semelhantes à do Salipi, são gratuitos, com participação de pensadores e de escritores de diversas áreas, além de stands de livros de variadas temáticas, apoio de instituições públicas, espaços físicos e culturais diversos, acessibilidade e homenagem a intelectuais da região. Mas o diferencial do evento piauiense está em sua continuidade, com 20 edições em fluxos ininterruptos.

Ao longo dos anos, o evento promoveu encontro de gerações e a demarcação de intelectuais piauienses, que são homenageados a cada edição. Nomes como dos escritores Cineas Santos, Manoel Paulo Nunes, Francisco Pereira da Silva, Assis Brasil, Arimathéa Tito Filho, do dramaturgo Gomes Campos, do poeta Álvaro Pacheco, do filólogo Antonio Houaiss, do escultor Mestre Dezinho e do historiador Odilon Nunes estão presentes neste hall.

Outra forma de homenagem no Salipi é feita através da nomeação dos espaços do evento, como os palcos Marcos Peixoto e Helly Batista, onde acontecem diversas atrações como voz e violão, repente, forró, pop, rock, entre outros estilos músicas com artistas piauienses e nacionais.

Atrações musicais também fazem a festa no Salão do Livro do Piauí (Foto: ascom Salipi)

Duas décadas de história

Neste ano, a programação do Salipi trouxe a historiadora Lilia Schwarcz, que abordou o autoritarismo brasileiro; Rita Von Hunty, drag queen e youtuber brasileira, encarnada pelo professor Guilherme Terreri Lima Pereira, discutiu questões históricas e sociais relacionadas às microagressões. 

Rita von Hunty em palestra nesta edição do Salipi (Foto: ascom Salipi)

Durante as 20 edições do evento, nomes de relevância nacional fizeram parte de sua história: a filósofa Djamila Ribeiro; a escritora Joice Berth; o filósofo Luiz Felipe Pondé, a influencer e jornalista Julia Tolezano, conhecida como Jout Jout; a escritora Thalita Rebouças, entre outras personalidades que fazem parte do circuito de eventos literários nacional.

Dentre as personalidades que estiveram presentes no Salipi, Ariano Suassuna, dramaturgo e escritor brasileiro, conhecido pela consagrada obra “O alto da Compadecida”, participou do evento, ministrando palestra ainda em um dos primeiros anos do Salipi, que ocorria ainda no centro de Teresina.

No ano de 2008, em sua 6ª edição, o Salipi promoveu o lançamento de 30 livros de autores piauienses. Nesse mesmo ano, o Salipi trouxe as suas primeiras participações internacionais, com a presença dos escritores angolano José Eduardo Agualusa, do cubano Senel Paz e da portuguesa Ana Luíza Amaral.

Em 2018, o Salipi, em sua 16ª edição, atingiu um público total de 180 mil pessoas, nas palestras, espaços interativos, stands, bate-papos literários, com maior presença durante a participação dos cantores Gabriel O Pensador, na abertura, e Chico César junto com a banda piauiense Validuaté, no encerramento do evento.

Com a pandemia da Covid-19, em 2020, o Salipi foi totalmente realizado na modalidade remota, com transmissão ao vivo pela internet. Já em 2021, com avanço do retorno presencial das atividades e a vacinação acelerada, o evento ocorreu em modo hibrido: remoto e presencial, como forma de evitar a aglomeração e o contágio pelo coronavírus.

Expandindo e diversificando

A semente do Salipi gerou frutos e se expandiu por todo o estado. O incentivo à literatura, à cultura e à identidade piauienses são forças motoras e educacionais que estão encontrando solos férteis em diversas cidades do Piauí, como os municípios de Oeiras, Parnaíba, Picos e Bom Jesus. Nessas cidades, os festivais literários seguem estrutura semelhante à do Salipi, com palestras, atrações literárias e artísticas, lançamentos e venda de livros, contando com participações nacionais e regionais.

Em Parnaíba, a principal cidade da macrorregião Litoral e segundo município mais populoso do estado, teve início, em 2009, o Salão do Livro de Parnaíba (Salipa), com a presença, em sua abertura, do escritor Assis Brasil. Já a primeira capital do Piauí, Oeiras, lançou, em 2013, a 1ª edição da sua Feira Literária (FLOR). O evento é realizado na Praça das Vitórias e é direcionado ao público infantil, sobretudo às crianças da rede municipal de educação. A cada ano, cerca de 20 mil pessoas circulam pela feira.

Também em 2013, a cidade de Picos realizou a sua 1ª edição do Salão do Livro de Picos (SaLiPicos), que contou com a presença de pessoas de toda a região Vale do Guaribas e teve como homenageado o escritor picoense Fontes Ibiapina. Na região Sul, o município de Bom Jesus, em 2016, lançou o seu 1º Salão do Livro (SaLiBom). Na ocasião, ocorreu a exposição em comemoração ao Centenário do precursor da arte santeira no estado do Piauí, Mestre Dezinho, entre outras atividades. 

Há 20 anos, Salão vem sendo contato de pessoas com a leitura (Foto: ascom Salipi)

Mesmo com a presença de consagrados artistas piauienses dando nome às edições do Salipi, recentemente a falta de diversidade no quadro de homenageados e participantes do evento começou a ser alvo de críticas. As pautas identitárias merecem, ainda, um olhar especial na construção da programação do evento. 

A exemplo, em maio deste ano, quando começou a circular a programação do Bate Papo Literário, a palestra de um ex-juiz e escritor foi alvo de crítica: Same Agir iria falar sobre a presença da mulher na literatura e, diante dos comentários negativos, sua palestra teve o tema alterado. A organização do evento comunicou que o tema foi sugerido pelo próprio escritor.

Ao passo que o Salipi segue procurando formas e maneiras de se reinventar, outros eventos surgem em Teresina com foco na representatividade feminina, negra, de pessoas com deficiência e pessoas LGBTQIA+. 

Em maio deste ano, escritoras piauienses realizaram, no Complexo Cultural Clube dos Diários – Teatro 4 de Setembro, o 1º Salão de Letras da Mulher (Salém), que homenageou mulheres que impactam o cenário das Letras e Artes no estado Piauí – a professora e escritora Maria Sueli Rodrigues, a coreógrafa e bailarina Luzia Amélia e a escritora brasiliense Cristiane Sobral. 

Ainda, no contexto de inclusão à diversidade, a I Feira do Livro da Diversidade (FLID) foi organizada pela Avant Garde Edições e Produções, em parceria com o Núcleo de Estudos Literários Piauienses da Universidade Estadual do Piauí (NELIPI), como espaço pensado para a ação de política positiva com foco na temática LGBTQI+, possibilitando estratégias de visibilização dessas identidades consideradas “não normativas”, através de participação de escritores, pesquisadores, ativistas e artistas da comunidade LGBTQIAP+.  

Durante o FLIP, a professora Letícia Carolina Nascimento, primeira mulher travesti, negra e piauiense a ser efetivada como professora na UFPI, foi a homenageada e realizou uma palestra sobre Transfeminismo, tema do seu último livro lançado, que compõe a Coleção Nacional Feminismo Plurais, organizado pela filósofa Djamila Ribeiro. 

A feira homenageou, também, a escritora e ativista do movimento trans, Amara Moira, e a professora e ativista pioneira nos debates dos Direitos políticos e sociais de pessoas LGBTQIAP+ no Piauí, Marinalva Santana, uma das idealizadoras do grupo Matizes, entidade responsável por lutas das causas da comunidade LGBTQIAP+. Esses espaços literários mostram a importância social e visibilizam a presença de grupos minoritários na produção intelectual, artística e cultural no Piauí. 

 

*jornalista, mestrando em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí.
gpsgeovane@outlook.com

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