segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Racismo como discurso político

31 de agosto de 2022

“Decorre do direito dos brancos de nunca serem questionados, suponho.” É uma das muito importantes colocações de Reni Eddo-Lodge no livro Por que eu não converso mais com pessoas brancas sobre racismo (Letramento, 2019). Veja bem, para a grande maioria de pessoas brancas e, consequentemente, privilegiadas, as pessoas negras são consideradas como “outros”, já que, na lógica racista, os brancos representam o que seria um padrão de normalidade no mundo. Para estas pessoas então, todo e qualquer indivíduo que não se encaixe nos padrões, se encontra a margem da sociedade, nunca associados à intelectualidade, ao profissionalismo ou a qualquer espaço de poder e reconhecimento, ainda que os ocupem.

Os discursos políticos não poderiam ser excluídos desta lógica, apesar de que as eleições 2022 tenham atingido o marco histórico de registrar, através do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais candidaturas de pessoas negras (49,57%) que registros de candidaturas de pessoas brancas (48,86%). Nesta quarta-feira, ao ser questionado sobre políticas de gênero e étnico-raciais, o candidato ao governo do Piauí, Silvio Mendes, proferiu ofensas racistas à jornalista que o entrevistava, Katya D’Angelles.

Ofensas racistas nem sempre vêm acompanhadas da associação do valor de pessoas negras a “arrobas”, como costuma fazer o atual presidente da república, candidato à reeleição – e apoiador de Silvio Mendes. Que, por sinal, também odeia mulheres. Alguns gostam de dizer que o racismo no Brasil costuma ser “velado”, e esta relação só pode ser feita por pessoas brancas, gostaria de pontuar.

Não há nada de velado em tentar negar a negritude de uma pessoa negra e, logo depois, associar esta mesma negritude a falta de inteligência ou profissionalismo. E foi isto que ocorreu na seguinte resposta do candidato à jornalista que o entrevistava: “Katya, eu imagino, eu que te conheço desde o Diário do Povo, eu imagino quantas discriminações você já sofreu. Você que é quase negra, na pele, mas você é uma pessoa inteligente, teve a oportunidade que a maioria não teve e aproveitou. Então, em nome dessas mulheres que é a maioria da população, seja do mundo, do Brasil ou do Piauí, precisa ser vista, ser olhada, mas efetivamente”.

E este é, portanto, o resultado da omissão histórica de reparação e incentivo a ocupação de espaços de poder por pessoas negras e aliadas das pautas raciais, do desprezo do branco pelas pautas que nos atingem diretamente, o despreparo dos gestores públicos em gerir políticas ligadas à educação, à saúde, à cultura e empregabilidade da população que representa 56% do país. População, esta, que carrega a força de trabalho, literalmente, nas costas, desde 1590, quando o primeiro navio negreiro atracou em terras indígenas para construir o que chamamos hoje de Brasil – sem, até a data presente, receber nem sequer um “obrigado” ou “desculpas” por isso.

Nego aqui, portanto, o direito do branco de não ser questionado. Nego aos candidatos destas e das próximas eleições, todo e qualquer direito que os permitam sentir-se à vontade diante da ignorância quanto as pautas, não só raciais, mas de todo e qualquer grupo dito como minorias. Se você, assim como Silvio Mendes, não tem capacidade técnica, intelectual, moral ou interesse para inteirar-se das pautas sociais, este lugar não é para você.

Por último, abro aqui o espaço para lembrarmos, assim como fui lembrada recentemente, que a historia, não só do Piauí, mas do Brasil, não tem tratado os negros com a devida importância. Cabe a nós nos aliarmos a aqueles que entendam a dimensão de nossas pautas, além de enxergar, em si e nos seus iguais, a intencionalidade com a qual insistem em nos manter à margem, mesmo quando já ocupamos os lugares que, seguindo o padrão racista, não são destinados a nós. Recordemos Conceição Evaristo: “eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”.

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Sacha Aguiar

Mulher negra e nordestina que escreve sobre ser e estar exausta.