Malaia é pescador desde que se entende por gente. Ele saiu do Ceará para viver das águas de Cajueiro da Praia, no litoral do Piauí. O homem trabalhava entre os dois estados, fazendo bicos durante o dia e pescando durante a noite. Até que um dia, ficou de vez na praia piauiense. A peleja entre a rede e o mar foi, por muito tempo, o sustento das filhas. Os camarões eram levados para a família comer, enquanto os peixes iam para venda. Mesmo que hoje não precise ficar horas a fio naquele trecho do oceano, é ainda entre as ondas que ele arrisca passar a maior parte do dia.
A chegada de Malaia em Cajueiro se confunde com a história da formação da cidade. Foram dois cearenses, também pescadores, que começaram a habitar a região há quase 200 anos. Eles pescavam por ali, mas se instalavam longe. Os moradores atuais contam que o motivo era medo dos povos indígenas, os primeiros moradores do lugar, quando tudo ainda era floresta e praia. Até hoje, não se sabe ao certo porque os nativos se deslocaram, mas conforme desapareciam, os pescadores e suas famílias surgiam.
Moram em Cajueiro, atualmente, pouco menos de oito mil pessoas. O último dado demográfico foi feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020. O mesmo levantamento mostrou que 59,3% da população vive com até um salário mínimo. Banhada pelo mar, a água é a fonte da comunidade. A maré traz o alimento, mas também traz o trabalho de pescadoras, marisqueiras e agricultores. Nos últimos anos, foi também o mar que acelerou o turismo na região.
No período chuvoso, Cajueiro da Praia chega a se tornar uma ilha. É quando o Rio Ubatuba, um braço do Lago da Santana, se liga com as águas do mar que banham o pequeno município. A cidade fica completamente abraçada pelo mar. “Dentro dessas águas cabe histórias de toda a nossa gente”, conta Malaia no documentário Povos das Águas, dirigido por Maria de Jesus Rufino.
Quando esse encontro acontece, o lençol freático se mistura ao sal do mar. Nas duas vezes por dia em que a maré sobe, o lençol acompanha o movimento. Mesmo onde há um terreno com pedregulhos, a água salobra escapa e consegue encontrar a água doce. Exceto onde há areia, que funciona como um filtro. Quando há escassez de chuva, em somente um poço é possível encontrar 35 gramas de sal por mil gramas de água – absolutamente imprópria para consumo. É o paradoxo de Cajueiro da Praia: na beira do mar, as pessoas não têm água potável nas torneiras.
Quem tem mais condições, fura a terra para conseguir água boa. Mas chegou um tempo em que muitas famílias, sem ter como fazer sua própria instalação, dependiam de um único poço. Foi somente depois da década de 80 que começou a chegar o conhecimento das questões de saúde e saneamento básico. A população começou a buscar água mineral para beber e cozinhar. Cresceu, a partir daí, um lucrativo negócio na cidade: o comércio de água em Cajueiro da Praia. Quando o caminhão-pipa não vem, a água vira ouro dentro de galões.
No mês de agosto deste ano, o primeiro reservatório com água chegou na cidade com capacidade para 500m³. Ele ainda está em fase de testes mas, lentamente, começou a bombear águas diretamente para a torneira das casas. A previsão, segundo o Instituto de Desenvolvimento do Piauí (IDEPI), é de que mais reservatórios cheguem ainda neste ano na cidade. Com água potável chegando, é possível que um ciclo de dois séculos olhando para torneira sem água, de frente para o mar, chegue ao fim.
No mês de agosto, Regina Sousa foi verificar a terceira etapa da adutora no litoral de Cajueiro da Praia. Nesta etapa, o Governo Estadual espera beneficiar os municípios de Cajueiro da Praia, tanto na sede (área urbana), como nas comunidades Barrinha e Barra Grande, e Luís Correia (comunidade Camurupim). Em Cajueiro da Praia, foram entregues três reservatórios com capacidade total de 900m³ d´água. Em Luís Correia, uma estação elevatória e dois reservatórios com capacidade total de armazenamento de 450m³ de água. Todas as localidades já possuem a estrutura necessária para rede de distribuição e ligações domiciliares.
O cenário de Cajueiro da Praia é como o dos moradores da Praia Pedra do Sal, em Parnaíba. Por lá, o desabastecimento irregular de água é severo. Os moradores, ora dependem do caminhão-pipa, ora dependem de famílias com poços nos quintais. Mas o caminhão-pipa abastece a comunidade apenas duas vezes na semana, insuficiente para toda a população.
A praia fica há poucos minutos da comunidade. Somente na orla, existem cerca de 40 restaurantes e bares. Alguns possuem poços, mas outros precisam do carro-pipa para manter o negócio. Toda a estrutura da orla foi cedida pela Prefeitura de Parnaíba, em 2002. Sem água nem estrutura, o lugar é alvo de promessas de reformas.
O Ministério do Turismo garantiu algo em torno de R$1 milhão para a prefeitura do município em março deste ano. Até agora as obras sequer começaram.
Quem não tem como comprar água, acaba tendo prejuízo no negócio. O poço disponível na praia não tem água de boa qualidade. Nem para beber, nem para preparar comida. Ruim para quem tem restaurante, que precisa comprar galões de água mineral. “A água é muito salgada, não presta nem para fazer arroz”, revela o comerciante local Chagas Neto.
Nas casas, muitos moradores estão inadimplentes com a Agespisa. Parte da população acredita que a água vem suja e contaminada. Vitor Lima, morador da Pedra do Sal, conta que às vezes a água brota da torneira em um tom enferrujado, quase avermelhado. Por isso, muitos decidiram parar de pagar. Isso nos lugares onde ainda chega água. Há pontos da cidade onde embora não haja abastecimento de água, a conta chega. “A solução é cancelar, porque não tem jeito”, lamenta o comerciante.
O problema na Pedra do Sal já dura quase uma década. A Agespisa prometeu que resolveria a questão. Nessa região, estão sendo construídas adutoras, que até agosto seguiam para a última etapa. À reportagem, a concessionária informou que a empresa ainda continua fazendo os ajustes necessários nas obras. Enquanto isso, o litoral piauiense continua sem água.
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