quinta-feira, 21 de novembro de 2024

A enfermagem na gangorra

Além de possíveis demissões, APPM diz que o piso salarial pode ter reflexos no aumento de custos para os pacientes

06 de junho de 2023

Um emaranhado de desafios e incertezas. Esse seria o cenário do cuidado com a saúde sem enfermeiros, técnicos, auxiliares de enfermagem e parteiras. Esses profissionais são essenciais no cuidado com a saúde, realizando diversas atividades, desde a administração de medicamentos até o suporte emocional aos pacientes e suas famílias. Durante a pandemia e a vacinação da Covid-19, esses profissionais foram fundamentais na linha de frente do combate à doença. No entanto, entidades privadas da área da saúde e gestores municipais expressam preocupação com a possibilidade de demissões em massa no setor ou até que os reajustes sejam repassados para o consumidor, deixando os planos mais caros.

Esse receio surge do impacto que a implementação do piso salarial para os profissionais de enfermagem traria ao orçamentos das prefeituras e instituições privadas de saúde. A Lei nº 14.434, aprovada em agosto de 2022, instituiu o piso salarial para os profissionais de enfermagem, fixando os valores de R$ 4.750 para enfermeiros, R$ 3.325 para técnicos de enfermagem, e R$ 2.375 para auxiliares de enfermagem e parteiras. No entanto, a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) entrou com uma medida cautelar  no mesmo mês devido à falta de indicação da fonte adequada de custeio considerando o iminente risco de graves prejuízos para os Estados e Municípios, demissões em massa e redução do número de leitos e da qualidade dos serviços de saúde.

No dia 30 de maio deste ano, prefeitos de todo o país se reuniram na sede da Confederação Nacional de Municípios (CNM) em Brasília para debater o piso salarial da enfermagem. O encontro teve como foco principal a análise da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 25/2022, que propõe um aumento de 1,5% no Fundo de Participação dos Municípios (FPM) como fonte de financiamento para o piso salarial dos profissionais da enfermagem. 

Sobre a reunião e a pauta apresentada, o presidente da Associação Piauiense de Municípios (APPM), Toninho de Caridade, expressou seu apoio à queda da liminar dos royalties como uma abordagem mais justa para lidar com essa questão. “A Confederação Nacional dos Municípios e as Associações de Municípios Regionais defendem uma receita permanente como 1,5% de aumento para o Fundo de Participação dos Municípios, como também a queda da liminar dos royalties para divisão a todos municípios, que seria uma saída já que existe uma lei federal e está há 10 anos no Supremo Tribunal Federal”, explicou.

Toninho de Caridade, à direita, durante reunião de prefeitos em Brasília para tratar do custeio do piso da enfermagem (Fonte: APPM)

Em relação às possíveis demissões, Toninho de Caridade destaca que o setor privado seria o mais afetado. “Elas irão abranger mais o setor privado. No público terá cortes, mas as empresas privadas terão dificuldades de atender e, se atenderem, vão aumentar os custos para os clientes. No final das contas, da forma que está o contribuinte será penalizado”, disse.

O presidente da APPM ressalta as questões cruciais enfrentadas pelos municípios em relação ao piso salarial da enfermagem. “Os municípios têm duas questões. Primeiro, não dispõem de receita para pagar o piso. Segundo, a maioria dos municípios iriam desrespeitar a lei de responsabilidade fiscal , ou seja, irão ultrapassar o valor pago com folha de pessoal”, destacou.

CONFETAM discorda da possibilidade de demissões

Por outro lado, a secretária de Políticas Públicas e Sociais da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (CONFETAM), Irene Rodrigues, afirma que existe viabilidade para o pagamento do piso salarial da enfermagem e que não há riscos iminentes de demissões em massa. “Dizer que vai quebrar e que pode ocorrer demissão em massa não condiz com a realidade. O piso é fruto de muito debate, estudos técnicos e com o aporte do Governo Federal, então é sim possível. Os prefeitos apresentam este percentual mas não mostram qual o estudo feito?”, questiona. 

Irene ressalta que a aprovação do piso salarial para a enfermagem representa um investimento na saúde do país. “O piso da enfermagem é a melhoria da saúde como um todo, porque traz aos profissionais segurança econômica. Isso melhora e muito a qualidade de vida, porque mesmo com aplausos, menções honrosas e outras formas de reconhecimento, a dignidade profissional se faz com salário justo. Quem sai ganhando é o usuário, seja ele público ou privado, que terá seu atendimento realizado por um profissional mais satisfeito com a profissão e o emprego”, diz.

“mesmo com aplausos, menções honrosas e outras formas de reconhecimento, a dignidade profissional se faz com salário justo”.

Em relação à luta da classe pela melhoria de condições econômicas, Irene defende que o estabelecimento do piso salarial da enfermagem é uma conquista histórica. “É o reconhecimento do trabalho de uma equipe que tem um histórico de comprometimento com a Saúde, mesmo antes da pandemia. A enfermagem é a profissão responsável não só pelo acompanhamento do paciente enquanto enfermo, mas também por garantir a saúde antes da doença. É o profissional que aplica a vacina, faz o curativo antes que infeccione, acompanha a gestação e o crescimento do bebê desde o nascimento. O piso é uma conquista histórica, e garantir o reajuste é a justiça a essa luta”, afirma.

Ao ser questionada sobre como a CONFETAM luta para assegurar o pagamento do piso salarial da enfermagem, Irene explica que os sindicatos estão em diálogo com as prefeituras para assegurar o cumprimento da legislação vigente. “Estamos orientando nossos sindicatos de base que procurem as prefeituras, dialoguem, porque entendemos que é necessário as prefeituras adequarem suas legislações. No âmbito do Governo Federal, estamos compondo o comitê de acompanhamento da implantação do piso, as reuniões já estão acontecendo tanto no Ministério da Saúde como em diversas prefeituras. O piso é lei, não cabe negociar, mas cabe o diálogo. Juntos encontramos soluções para cumprimento da legislação”, explica.

Lideranças do COFENTAN em reunião com o Ministro Márcio Macedo no Palácio do Planalto (Foto: arquivo pessoal)

Piauí

Em relação a um possível cenário de demissões em massa no estado, o presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Piauí (Coren-PI), Antonio Luz Neto, descarta essa possibilidade. “Nós entendemos que não vai haver demissão em massa, pois a população não pode ficar desassistida. Não existe Saúde sem Enfermagem. Os gestores terão que se adequar à nova realidade”, comenta.

“Nós entendemos que não vai haver demissão em massa, pois a população não pode ficar desassistida. Não existe Saúde sem Enfermagem. Os gestores terão que se adequar à nova realidade”

Sobre a etapa atual da implementação e pagamento do piso salarial da Enfermagem no Piauí, Antonio Luz, ele explica que, embora a lei esteja em vigor e tenha percorrido a maior parte do caminho, alguns obstáculos impedem que os novos valores sejam refletidos nos contracheques dos profissionais.

“Como tudo o que é novo, o processo de implementação do Piso da Enfermagem será gradual. […] A lei está em vigor, já percorremos 99% desse caminho. O que está impedindo que os novos valores cheguem aos contracheques dos profissionais é que o Ministério da Saúde utilizou como critério de distribuição dos recursos os dados contidos na RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) e CNES (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde), mas alguns municípios não atualizaram essas informações. Nós orientamos que os gestores façam essa atualização e busquem recursos junto ao Governo Federal”, ressalta.

O presidente do Coren-PI também destaca que o cumprimento da lei do piso salarial da enfermagem representa um avanço significativo na busca por salários dignos para a categoria. “É o caminho legal para erradicarmos os salários miseráveis que afetam nossa categoria, principalmente quando falamos de Piauí, onde a realidade do Técnico de Enfermagem é de um salário-mínimo. São profissionais que terão mais dignidade, maior qualidade de vida e prestarão uma assistência de Enfermagem com mais qualidade ainda”, explica.

Entenda o caso

Em setembro de 2022, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), tomou a decisão de suspender temporariamente o piso salarial nacional da enfermagem. A suspensão ocorreu por meio de uma liminar concedida no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.222. A decisão cautelar de Barroso exigiu que os entes públicos e privados da área de saúde apresentassem, em um prazo de 60 dias, informações sobre o impacto financeiro do piso salarial, os riscos para a empregabilidade na área e a possibilidade de eventual redução na qualidade dos serviços prestados na rede de saúde. 

No dia 15 de maio de 2023, o ministro Barroso emitiu uma liminar liberando o pagamento do piso salarial nacional da enfermagem. Essa decisão foi tomada após a aprovação da  legislação que prevê a abertura de um crédito especial no valor de R$7,3 bilhões no orçamento para o pagamento do piso, incluindo a assistência financeira da União aos estados e municípios. Além disso, Barroso determinou que, no caso dos profissionais da iniciativa privada, os pagamentos podem ser negociados coletivamente com os sindicatos.

Após a liberação do pagamento do piso salarial da enfermagem, o caso entrou em análise no plenário virtual: Barroso e o ministro Edson Fachin já votaram a favor do piso. Porém, no dia 25 de maio, o ministro Gilmar Mendes pediu vista no julgamento, ou seja, solicitou mais tempo para analisar o caso, e paralisou a votação por 90 dias de acordo com o regimento interno do STF, a fim de apresentar seu voto. Caso ele não faça isso dentro desse prazo, o processo seguirá automaticamente para continuação do julgamento.

 

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