sexta-feira, 22 de novembro de 2024

A natureza é o nosso agora

Diferente das gerações anteriores, questões ambientais tornam-se preocupações de crianças, jovens e adolescentes no século XXI

08 de novembro de 2021

Em 2018, uma adolescente sueca trocou os horários das aulas para encabeçar a greve climática global. Em uma queixa formal à ONU – Organização das Nações Unidas -, Greta Thunberg e outros jovens ativistas (de oito a 17 anos) pediram para que os países pertencentes à sigla internacional criassem medidas para proteger as crianças dos efeitos da crise climática. O Brasil, junto com a França, Alemanha, Argentina e Turquia, entrou na mira da garota por não estar fazendo o suficiente para combater o aquecimento global. 

Não que Greta tenha sido a precursora dos jovens ativistas pelo meio ambiente, mas sua história de vida fez surgir o termo “Geração Greta”: crianças, adolescentes e jovens que disseram basta à destruição do planeta. É o caso de Gabriel Alves de Souza (21), nascido e criado em Corrente do Piauí, sul do estado. O jovem mora há quase 6.500 quilômetros de distância de Nova York, onde Greta discursou pela primeira vez sobre as questões climáticas. A distância, no entanto, não separa os discursos de ambos os jovens. 

“Devemos pensar global e agir local”, dispara Gabriel. Dividindo-se em duas graduações, Pedagogia e Agropecuária, ele arranja tempo para organizar ações de limpezas nas margens do Rio Corrente. Por conta da poluição e do descarte de lixo irregular na zona urbana, a vegetação às margens do rio é constantemente afetada. Mas não é de hoje que o jovem se considera um ativista pelas causas ambientais. Desde adolescente, Gabriel já entendia que a sua geração carrega a responsabilidade de cuidar da terra em que vive. 

Dentro da sala de aula, com seus alunos, na rua, no mercado, com os amigos, em qualquer lugar, o jovem entende que é necessário falar do clima e do meio ambiente. Foi esse pensamento que lhe deu coragem para usar suas redes sociais, em especial seu instagram para debater sobre a cidade que a geração de hoje quer deixar para o futuro – e o que é feito dela no presente. Ele batiza esse processo de “plantar uma sementinha” na conscientização hoje, para despertar as futuras gerações amanhã. 

“Passo a passo, através da consciência coletiva ambiental, vamos saindo da zona de conforto e buscaremos novas formas de dar vida a nossa rotina e impactar a humanidade”, destaca o jovem. “A mãe Terra é nossa casa e causa… repense, reduza, reuse, recicle, relate”, complementa. 

Leia mais: Especialistas comentam a falta de políticas ambientais no estado e os impactos futuros

As vivências de Gabriel e Greta mostram como a interligação entre juventude e natureza é indiscutível. Não apenas do ponto de vista de quem sofrerá com os impactos da destruição ambiental, mas de quem vai exercer o papel de mudança. No Brasil, apesar das políticas ambientais seguirem na contramão dessa perspectiva, há o contraste de cada vez mais jovens engajados com essa pauta – como revela o estudo realizado pelo Atlas da Juventude (2021). 

De acordo com a pesquisa, 24% dos jovens brasileiros indicam que o meio ambiente e desenvolvimento sustentável são temas relevantes para serem discutidos pela sociedade – para os jovens, a temática foi colocada no mesmo patamar de temas referentes à educação e futuro profissional (25%), como também racismo (25%). Além disso, atualmente, 51% dos jovens que participam de um coletivo ou grupo organizado afirmam que se fossem escolher um segundo grupo, seria um com a temática de defesa do meio ambiente ou ecologia. 

Entretanto, ainda na mesma pesquisa, os entrevistados quando precisam escolher entre 12 temas (economia, saúde, educação, diversidade, gênero, esporte e saúde, dentre outros) os mais importantes para serem debatidos, o meio ambiente ficou na 8ª posição. Essa classificação revela que, apesar do avanço na pauta entre jovens, ainda há um trabalho de conscientização e inclusão do debate na juventude brasileira. 

Os impactos ambientais também são apontados por dificuldades de gênero, cor e lugar. Locais que não possuem acesso à energia, água, habitação em terrenos regulares e saneamento básico tem consequências diretas ligadas ao racismo estrutural. Isso porque, espaços que possuem ilhas de calor, enchentes e deslizamentos de terra tendem a acontecer com mais frequência nos locais com carências básicas. 

Enquanto as políticas federais e municipais não se mobilizam para buscar soluções para esses problemas, fenômenos como estes possuem maior risco de aumentar – causando mais desigualdade geográfica entre os jovens de norte a sul do país. Soluções básicas e estruturais, como ampliação de espaços verdes, redução da poluição e melhoria de moradias populares ajudam tanto a melhorar o espaço ambiental como a diminuir desigualdades entre os jovens. 

De acordo com o Atlas da Juventude, é preciso pensar o Brasil do futuro como uma potência ambiental, tendo em vista as possibilidades de energia limpa – eólica e hidráulica – e a biodiversidade das florestas. E os jovens fazem parte desse panorama, uma vez que, se o Brasil for pensado cada vez mais para aderir às políticas ambientais, será a juventude a ser beneficiada, como também o contrário, em caso de desinteresse com as políticas ambientais.

Esse panorama está de acordo com os projetos de Ramon Campelo (26), engenheiro civil. Durante a graduação, o jovem chegou a realizar um intercâmbio nos Estados Unidos e teve a sustentabilidade como tema para sua pesquisa. No entanto, o interesse pela natureza vem desde a infância. 

Em parceria com a arquiteta Mariana Fiuza, os dois se juntaram à iniciativa “É de Sol”, em Teresina. O projeto tem como objetivo reduzir a emissão de carbono no mundo – o desafio também acontece em outros países, conhecido como “Gigatonne Challenge”. 

Na capital, os jovens promovem e incentivam a realizar a compostagem dos resíduos orgânicos – técnica que desempenha papel importante no combate às mudanças climáticas. Inicialmente, as ações começaram na hamburgueria Bruthus, parceira do projeto. Porém, com a ampliação da meta, os integrantes e pessoas ligadas a eles passaram a compostar os resíduos das casas dos integrantes do projeto. 

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“Todos nós, não só como cidadãos, mas como seres humanos, desempenham papéis fundamentais em nossa sociedade”, observa Ramos.  “A responsabilidade socioambiental é essencial para prosseguirmos com a vida humana na terra com saúde e dignidade”, frisa o jovem.  

 

Realização da Compostagem (Foto: arquivo pessoal)

A terra que queremos 

Quando olhamos as histórias de Greta, Gabriel e Ramon – além de tantos outros jovens que estão se engajando no ativismo ambiental – é evidenciado um caminho para se pensar as mudanças climáticas e a saúde do planeta. Um enfoque necessário e que revela um contraste geracional. Ou seja, as gerações anteriores estão entregando aos jovens um planeta mais instável. 

Maria Auxiliadora Gomes, 40 anos, por exemplo, lembra de ter tido uma infância, adolescência e juventude despreocupada com qualquer ativismo. Ela, que morou boa parte da sua vida em Pindaré e Santa Inês, no Maranhão, conta que mesmo quando se mudou para a capital piauiense, o meio ambiente não era uma urgência da sua geração. Dos 12 aos 25 anos, a preocupação da época era entrar no mercado de trabalho.

Entretanto, a aflição por um futuro sustentável foi transmitida para Mário Lucas Assunção, seu filho. Desde os seis anos de idade, a relação do menino com a natureza sempre foi de muita preocupação. “Na idade dele, não passava nem pela minha cabeça preocupações como essas. Hoje, aos 10 anos, ele se preocupa com o clima, com a Amazônia”, destaca a mãe. “Às vezes, quando estamos conversando, ele traz uma informação que eu nem sabia que existia”, comenta.  

No dia a dia do menino, entre ir à escola ou realizar as atividades de uma rotina normal para sua idade, Mário Lucas busca assistir aos noticiários e se manter atualizado sobre as conferências climáticas. Dentro de casa, chama a atenção dos pais se eles deixam a torneira ligada por mais tempo, ajuda a separar o lixo e tem cuidado com as plantas que fazem parte da casa dos pais e dos avós. 

Quando questionado sobre o que espera do mundo nos próximos 10 anos, Mário Lucas teme que haja aumento da temperatura, pouca umidade e devastação da flora brasileira. No entanto, acredita que se cada pessoa fizer um pouco para mudar a sua realidade, há uma esperança de que o futuro não seja tão duro para a próxima geração. “A natureza é o nosso agora, por que não preservar?”, instiga o garoto. 

Choque do século

A juventude, hoje, tem um importante papel de repensar o direito de habitar o planeta. Questionamentos sobre as mudanças climáticas e a saúde dos ecossistemas provocam aquilo chamado de “justiça climática” – quem mais sofre com as consequências são países pobres e em desenvolvimento. 

Nesse ponto, a juventude encontra-se atravessada pela pandemia da Covid-19. Em um manifesto criado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a circulação do novo coronavírus é o maior choque do nosso século, devido às milhares de vidas perdidas e uma grave recessão econômica. Os danos causados pela pandemia, sem dúvidas, afetarão os mais jovens no futuro. Essa premissa foi o que levou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanon, a se pronunciar: 

“A pandemia é um lembrete do relacionamento íntimo e delicado entre as pessoas e o planeta. Quaisquer esforços para tornar nosso mundo mais seguro estão fadados ao fracasso” preconiza Tedros. “A menos que abordem a interface crítica entre pessoas e patógenos e a ameaça existencial das mudanças climáticas, que está tornando nossa Terra menos habitável”, declarou no manifesto. 

Por isso, segundo a especialista Mayara Floss, quando os governos começarem a pensar em políticas ambientais no Brasil, deve ser colocado em pauta o papel do jovem, como  também das comunidades indígenas. Isso porque, os indígenas representam 0,4% da população brasileira, porém, correspondem a quase 1% das taxas de suicídio –  principalmente entre jovens. 

Para ela, é impossível pensar em voltar no tempo antes da pandemia, quando havia recordes de queimadas na Amazônia, pantanal e cerrado. No entanto, é necessário olhar para frente, na esperança de que o avanço das tecnologias e a comunicação entre as pessoas, possam sobressair a escassez de uma educação renovadora. “Espero que não tenhamos um novo normal, na verdade um novo anormal, com a repetição do velho modelo. Mas que possa-se pensar em linhas de fuga com a natureza, com a Terra e com a juventude”, destaca Floss. “Voltar ao normal, não é o suficiente”, finaliza. 

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Categorias: Especial

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