Na cultura preta, a oralidade sempre teve um papel significativo, com tradições de contação de histórias, músicas e poesia oral transmitindo a história, a cultura e as lutas da comunidade. O slam, como uma forma moderna de expressão oral, se alinha naturalmente com essa tradição. Hoje, essa arte alcança o cenário piauiense e abraça as periferias da capital. Impulsionado por uma juventude cada vez mais dedicada a expressar sua arte, o primeiro Campeonato Piauiense de Slam será realizado neste sábado, dia 23 de setembro, a partir das 18 horas, no Clube dos Diários.
Mas o que é exatamente o slam? É uma batalha de poesia falada. Apesar da definição de slam ser simples assim, essa arte traz um manifesto poético que usa a voz como identidade e resistência, especialmente para a cultura jovem, popular e negra. Não se trata de uma simples apresentação: quando um poeta slammer manda seus versos, o que está acontecendo ali é uma batalha. Talvez essa batalha se dê em primeiro plano como uma luta para ser ouvido, para dizer “eu existo, eu sinto, eu estou aqui. Me ouçam!”.
“O slam, por estar dentro do movimento hip-hop, é muito importante para a comunidade preta, para a gente conseguir colocar nossas expressões na poesia, gritar, conseguir se expressar, mostrar para as outras pessoas que a gente vive coisas parecidas, coisas iguais”
A cena das batalhas de slam ganhou destaque em várias cidades brasileiras, incluindo Belo Horizonte, Curitiba e Rio de Janeiro e se estabeleceu em Teresina. Entre as pessoas que fazem o corre acontecer nas terras piauienses, o grupo de Slam Nós Por Nós é um dos que aquece a arte dos versos no Piauí. A produtora cultural Psico Afrodite, ao lado de Kelson Fontinele e Mylenna Crateús, é uma das fundadoras do Nós por Nós, grupo de slam que nasceu em fevereiro de 2021. Ela fala que o nome do grupo é autoexplicativo. “É um movimento que é de nós para nós e por nós, que todo mundo faz, que todo mundo tem um dedinho”, conta.
A mistura de criatividade, competição e apoio mútuo contribui para a vitalidade do slam como um movimento cultural em constante crescimento. Mesmo quem só assiste as batalhas é parte fundamental desse movimento. “O Slam Nós Por Nós é a plateia, são os jurados, são as movimentações que a gente faz, são as atrações, são os poetas, por isso que é Nós Por Nós, porque é todo mundo fazendo”, explica Psico Afrodite.
Nesses eventos, os poetas recitam suas obras diante de uma plateia e um painel de jurados. Em contraste com a poesia tradicional, não há obrigatoriedade de seguir estruturas formais, e os artistas buscam inspiração no improviso, no rap e, especialmente, no hip-hop. A performance é frequentemente acompanhada por gestos, entonação vocal e movimentos que contribuem para a apresentação geral. Após cada performance, os jurados atribuem notas e o poeta com a pontuação mais alta vence a batalha.
Psico Afrodite ressalta essa ligação do slam com a poesia, o rap e o hip-hop, já que as batalhas trazem elementos artísticos e culturais relacionados à expressão por meio de palavras, rimas e ritmo. Em especial, há uma conexão entre o slam, o hip-hop e a cultura preta devido às suas origens culturais comuns, elementos artísticos compartilhados e compromisso com a expressão, a consciência social e o empoderamento na comunidade negra. “O slam, por estar dentro do movimento hip-hop, é muito importante para a comunidade preta, para a gente conseguir colocar nossas expressões na poesia, gritar, conseguir se expressar, mostrar para as outras pessoas que a gente vive coisas parecidas, coisas iguais”, afirma.
E quem pode participar das batalhas do Nós por Nós? Psico Afrodite conta que todo mundo pode participar, sem distinção de cor, raça, gênero. “Basta ter uma poesia autoral e conseguir se jogar lá”, diz. Por conta dessa abertura, não existe uma definição específica para os temas das batalhas, mas os tópicos frequentemente abordados nas poesias são o combate ao racismo, à LGBTfobia e ao machismo. Ou seja, o Slam, antes de tudo, requer coragem para se jogar e jogar com as palavras, trazendo o arremate pela fala, que muitas vezes se volta para o combate às violências.
“O slam abraça a cultura da periferia, porque é a periferia que está lá fazendo as coisas acontecerem. Então, a linguagem é a da periferia. O slam é a linguagem que abraça, porque são as pessoas que o fazem que têm essa linguagem, sabe?”
Ao mesmo tempo em que essa forma de arte requer coragem, ela também se revela um espaço de acolhimento. Slam, excluídos, cultura e abraça. Psico Afrodite revela que são essas as palavras que surgem quando se fala das batalhas de poesia. “O slam abraça a cultura da periferia, porque é a periferia que está lá fazendo as coisas acontecerem. Então, a linguagem é a da periferia. O slam é a linguagem que abraça, porque são as pessoas que o fazem que têm essa linguagem, sabe?”.
A arena é o espaço público
As batalhas de slam são compostas por três fases eliminatórias. O número de vagas diminui a cada fase, nas quais os poetas slammers lançam os poemas e são avaliados. Os jurados são escolhidos entre o público da plateia. “ Acreditamos que qualquer pessoa pode ser jurada porque valorizamos a experiência emocional que a poesia proporciona, como ela toca a plateia”, conta Psico Afrodite.
As notas variam de 6 a 10, refletindo a importância de reconhecer a coragem dos slammers em compartilhar suas emoções e se expressar no palco. O foco está em como a poesia chega aos espectadores. “Nós compreendemos que só pelo fato da pessoa já estar no palco, demonstrando coragem ao compartilhar sua poesia, revelando seus sentimentos ali, abrindo seu coração e se expressando, isso, por si só, é uma realização significativa. Portanto, o jurado avalia com base na conexão emocional que ele sentiu”, diz.
O slam transcende as barreiras dos espaços convencionais, utilizando os espaços públicos como plataformas para expressão artística, inclusão social e desenvolvimento cultural. A prática é uma forma de fortalecer as comunidades onde acontece. Psico Afrodite conta que o primeiro slam de Teresina, realizado em novembro de 2018 pelo Coletivo Político de Juventude Afronte!, aconteceu no canteiro da Frei Serafim, próximo ao Parque da Cidadania.
“O espaço é nosso mesmo, e a juventude tem que ocupar esses espaços”
Hoje, o Slam Nós por Nós segue a ideia de ocupar esses espaços públicos, tanto os abandonados quanto os movimentados, tanto os das zonas centrais quanto aqueles nas zonas periféricas. “O espaço é nosso mesmo, e a juventude tem que ocupar esses espaços”, ressalta Psico Afrodite.
A democratização do acesso à arte é essencial para garantir que a cultura seja acessível a todos, independentemente de sua origem ou recursos financeiros. Os eventos de slam, ao ocorrerem em espaços públicos e gratuitos, diminuem as barreiras financeiras e geográficas que podem impedir o acesso à arte. “Para a juventude da periferia se divertir é muito difícil. Porque a gente precisa de um dinheiro pra se locomover, a gente precisa de um dinheiro pra curtir. Então, indo para os lugares públicos, a gente já não vai pagar uma entrada. Porque o lugar é nosso, sabe?”
A chance de se jogar em nível nacional
Motivado pelo desejo de dar aos artistas slammers do estado a oportunidade de se destacarem em batalhas cada vez mais desafiadoras, o primeiro Campeonato Piauiense de Slam será realizado no dia 23 de setembro, sábado, a partir das 18 horas, no Clube dos Diários. A batalha, organizada pelo Nós por Nós, tem como prêmio a oportunidade de representar o Piauí no Campeonato Brasileiro de Slam, que vai acontecer em Belo Horizonte durante o mês de dezembro. O evento estadual contará com a participação de 10 competidores, sendo 4 de Parnaíba, 4 de Teresina, 1 de Jaicós e 1 de Floriano.
Por se tratar do Campeonato Piauiense de Slam, os jurados são figuras de destaque na cena cultural do hip-hop e slam de Teresina. O painel será composto por 4 jurados, representando tanto a velha guarda quanto a nova geração do movimento. Além disso, ocorrerão apresentações musicais. “Teremos Velho Bad, que é um cara do trap da Santa Maria. Teremos a DJ Bossa SaSa, que é uma gata DJ, diretamente da sudeste, cria do Dirceu”, diz Psico Afrodite.
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