As cores da natureza sempre encantaram a humanidade, desde o azul do céu e dos oceanos até o verde das florestas exuberantes. Os tons dessas paisagens naturais inspiraram pinturas, como A noite estrelada de Van Gogh, e músicas, como Lilás, do Djavan. No entanto, com as mudanças climáticas aceleradas e intensificadas em todo o mundo pela ação humana, essas cores tão familiares estão passando por transformações sutis e, em alguns casos, perigosas.
As alterações nos padrões climáticos têm impactos significativos na composição dos ecossistemas e nos ciclos naturais, influenciando diretamente a pigmentação e tonalidade de várias coisas na natureza. As mudanças na concentração de gases de efeito estufa na atmosfera são resultado do aumento insustentável das emissões causadas pelo ser humano. O biólogo e doutor em botânica, Francisco Soares, esclarece que o efeito estufa, quando regulado, não é o grande vilão, pois é um fenômeno natural e essencial para a sobrevivência de diversas espécies. Sem ele, a temperatura média do planeta seria muito baixa.
No entanto, a emissão de gases na atmosfera pela ação humana contribui para o aumento da temperatura média do planeta. “É preciso dizer que o efeito estufa é um fator atrelado ao aquecimento global, sendo essencial para a existência de vida na Terra. Sem o efeito estufa, não teríamos vida na Terra, pois ele regula a concentração de temperatura na superfície terrestre, permitindo a manutenção da vida. O que está acontecendo é que o aquecimento da Terra está aumentando a temperatura média do planeta”, explica.
Esse aumento acelerado da temperatura média do planeta intensificado pelas atividades humanas, tem um impacto significativo na biodiversidade e nas cores da vida presentes na natureza. A flora e a fauna dependem de um equilíbrio delicado de condições para se desenvolverem em suas cores vibrantes e diversificadas. Alterações na temperatura e no ambiente podem levar a mudanças na coloração das plantas e animais, criando desequilíbrios para os ecossistemas naturais.
Verdejante mar
O “azul da cor do mar” pode estar se tornando coisa do passado. De acordo com um recente estudo publicado na revista Nature, mais de 56% dos oceanos do planeta ficaram mais verdes nos últimos 20 anos; as mudanças climáticas são apontadas como a possível causa desse fenômeno. A pesquisa, realizada por cientistas do Centro Nacional de Oceanografia do Reino Unido e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), revelou alterações na coloração dos oceanos que não podem ser atribuídas a causas naturais, sugerindo, portanto, a influência da mudança climática.
O estudo utilizou dados do satélite Modis-Aqua da NASA para analisar as variações de cor nos oceanos em diferentes comprimentos de onda, incluindo verde, azul e vermelho. Os resultados obtidos indicaram que o oceano está gradativamente se tornando mais verde ao longo do tempo, especialmente em áreas próximas à linha do Equador. Essas mudanças têm implicações ecológicas significativas e podem afetar as comunidades de fitoplâncton e a pesca.
A bióloga e pesquisadora Alderyce Passos explica que o aumento excessivo da temperatura dos mares ocorre de forma gradual, mas que é necessário agir o quanto antes para evitar o agravamento desse problema. “Esse calor provocado pelo aquecimento na superfície dos oceanos é transportado para as camadas mais profundas através da circulação no movimento das águas, é um processo lento, pois os oceanos possuem uma capacidade térmica de manter uma temperatura constante, e por isso nos dá a possibilidade de agir e de observar o ponto de alerta sobre o quão alto está a temperatura oceânica”, conta.
Um estudo publicado na revista “Advances in Atmospheric Sciences” revelou que o ano de 2022 foi o mais quente da história dos oceanos desde a década de 1950. Os pesquisadores, integrantes do CLIVAR, projeto que observa o efeito das mudanças climáticas nos oceanos, apontam que quatro das sete regiões do planeta também quebraram recordes de calor no último ano, com 2022 classificado entre os dez anos mais quentes em todo o mundo. O estudo destaca as emissões de gases de efeito estufa decorrentes das atividades humanas como causa das mudanças generalizadas no sistema climático do planeta, que também afeta a salinidade da água.
A cor verde na água dos oceanos é frequentemente indicativa da presença de ecossistemas sustentados por fitoplânctons, que são micro-organismos aquáticos que realizam fotossíntese, assim como as plantas. Esses minúsculos seres desempenham um papel fundamental no equilíbrio dos ecossistemas marinhos, atuando como a base da cadeia alimentar em ambientes aquáticos. E o aumento da temperatura dos mares afeta diretamente a reprodução desses seres.
O aumento das temperaturas dos mares é ideal para a proliferação excessiva de fitoplânctons, fazendo com que os oceanos fiquem mais verdes. Essa mudança indica um possível desequilíbrio nos ecossistemas marinhos e, além de afetar a cadeia alimentar, as mudanças de cor também têm implicações no ciclo do carbono, uma vez que o fitoplâncton é essencial para capturar carbono atmosférico por meio da clorofila.
Coral descolorido
“Nesse dia branco, se branco ele for”, canta Geraldo Azevedo. Mas não é só o dia que tem a chance de ficar branco. Se os oceanos estão mais verdes, parte da vida marinha está ficando sem cor. O aumento não sazonal na temperatura da água do oceano tem resultado no branqueamento dos corais devido a acidificação dos oceanos, que afeta diretamente a estrutura dos corais, tornando-os mais frágeis. Isso faz com que os corais fiquem translúcidos, expondo seus esqueletos de carbonato de cálcio. A bióloga e pesquisadora Alderyce Passos conta que esse processo pode gerar um desequilíbrio ambiental, visto que os corais desempenham um papel fundamental na formação dos recifes. “O branqueamento dos corais é um efeito indicador de como a temperatura vem aumentando nos oceanos e como a acidez dos mares está provocando o desequilíbrio ambiental”, relata.
Como consequência, os corais sofrem com o branqueamento e experimentam diminuição em suas taxas de crescimento. Esse fenômeno também está associado a um aumento de doenças nos corais, podendo levar à sua morte. Alderyce conta que, para evitar maiores prejuízos para a fauna e flora marinha, também é necessário combater outro grande problema que entulha os oceanos: o lixo. “Para a redução da temperatura nos oceanos além da diminuição dos gases do efeito estufa, é necessário reduzir a poluição dos mares, a pesca predatória, que auxilia no desequilíbrio das espécies, e promover a preservação das áreas com recifes de corais, além de pesquisas que tentem reverter efeitos diretos como o branqueamento dos corais e recuperação dos corais degradados”, diz.
Rubra cor celeste
“Vermelho, vermelhaço, vermelhusco, vermelhante, vermelhão“. O trecho da canção interpretada por Fafá de Belém é um retrato atual do céu das grandes cidades. A poluição do ar presente especialmente nos centros urbanos tem um efeito paradoxal que avermelha o céu: apesar de prejudicar a saúde humana e causar danos ambientais, também empresta beleza e singularidade ao entardecer.
Alderyce explica que esse fenômeno se deve à interação da luz solar com as partículas presentes na atmosfera, fazendo com que a faixa de luz azul se disperse, enquanto os tons alaranjados e vermelhos se tornam mais visíveis. Segundo a pesquisadora, o evento é mais comum nos períodos secos do ano e em centros urbanos com bastante automóveis, áreas próximas a fábricas, pontos recorrentes de queimadas. Quando há queimadas em larga escala, especialmente em áreas com grande quantidade de vegetação, ocorre a liberação de diversas substâncias no ar. “A queima da madeira emite grandes quantidades de carbono na atmosfera, que através de reações químicas temos a emissão do dióxido de carbono um dos gases do efeito estufa”, diz Alderyce.
Essas partículas e gases têm o poder de espalhar e filtrar a luz solar, especialmente as ondas mais curtas do espectro de cores, como o azul e o verde. Isso resulta em uma maior predominância das cores mais quentes, como o vermelho e o laranja, no céu.
Quando a atmosfera contém mais partículas em suspensão, resultado dessa poluição, da propagação da poeira aliada a falta de chuva, esses elementos permanecem na superfície da atmosfera e fazem com que algumas cores do entardecer se intensificam ainda mais, criando um cenário de tons vermelhos e laranjas no horizonte. Uma beleza que faz mal ao meio ambiente. Alderyce descreve o processo: “Essas partículas mais densas ficam nessa camada e as mais leves sobem para a camada de ozônio, onde acontece o efeito estufa. Tudo é uma questão de dispersão de luz. No entardecer essas partículas absorvem a luz solar no espectro entre as cores vermelha e laranja”.
Cores ameaçadas
“Somos tipo passarinhos, soltos a voar dispostos a achar um ninho”, cantam Emicida e Vanessa da Mata. A música fala sobre achar um ninho e, para os pássaros, essa é uma tarefa cada vez mais difícil. Todos os anos, uma grande quantidade de aves inicia suas migrações, atravessando os céus em longas jornadas. Algumas dessas espécies voam por dias a fio, percorrendo milhares de quilômetros em busca de alimentos, climas mais favoráveis e locais seguros para reprodução.
Devido às atividades humanas, como as elevadas emissões de CO2 e outros gases do efeito estufa, as temperaturas médias do planeta estão aumentando de forma acelerada. Esse fenômeno está levando a diversas mudanças perceptíveis no planeta. No entanto, ainda não é certo se todas as aves migratórias conseguirão se adaptar aos impactos climáticos causados pelas ações humanas, e os efeitos de longo prazo dessas mudanças ainda são desconhecidos.
As mudanças climáticas têm provocado transformações notáveis nos processos ecológicos associados à sazonalidade. As temperaturas mais elevadas estão influenciando o comportamento e a distribuição de várias espécies de pássaros. Mesmo nas circunstâncias mais favoráveis, as aves na região sudeste da Amazônia serão impactadas pelas mudanças climáticas: a perda de espécies pode ser superior a 70%. É o que aponta um estudo de pesquisadores do Instituto Tecnológico Vale, que observou 501 espécies de aves do sudeste da Amazônia para estimar os potenciais impactos do aquecimento global. Os resultados apontaram que o grupo mais vulnerável a essas mudanças é o das aves frugívoros, aquelas que comem frutas. O risco para essas aves também pode acarretar consequências negativas na dispersão de sementes e no crescimento de novas plantas.
Mas as aves amazônicas não são as únicas afetadas. O Piauí possui uma rota importante para os pássaros migratórios, o delta do Parnaíba, que também sofre as consequências da ação humana. O ornitólogo e doutor em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Anderson Guzzi, explica que algumas espécies de pássaros dependem desse ambiente para se alimentar durante a migração de inverno, conhecida como “envernagem”. Segundo o pesquisador, eles vêm para o Brasil fugindo do inverno do hemisfério norte, se alimentam, trocam de pena e descansam antes de retornarem para o hemisfério norte para reprodução durante o verão. Ele conta que a salinidade dos oceanos é um fator essencial para a sobrevivência de diversas espécies.
Com o aumento acelerado das temperaturas, a evaporação dos oceanos também aumenta, o que pode levar a um aumento da salinidade nas regiões onde a evaporação é mais intensa. Por outro lado, o derretimento acelerado das geleiras e calotas polares adiciona água doce ao oceano, o que pode reduzir a salinidade em certas áreas. Anderson explica como esse equilíbrio de sal na água pode afetar todo o ecossistema. “O impacto principal vai ser em ambiente de mangue, mudando a dinâmica da água, da salinidade e da vegetação. O mangue branco e o mangue vermelho suportam salinidades diferentes. Então, se for muito salino, morre um mangue, consequentemente você tem uma alteração de toda a vida que depende desse ambiente. Das aves, dos mamíferos, e dos próprios peixes que se reproduzem no mangue”.
Entre as espécies de aves mais suscetíveis a sofrer com a morte dos mangues, Anderson ressalta que são aves como narcejas e batuíras, cujo ciclo de vida está intimamente relacionado à existência dos manguezais.
As aves não são os únicos seres afetados pelo impacto do aquecimento solar sobre os mares. Anderson ressalta como o próprio ser humano sofre com as alterações do nível da água do mar. “Cada vez que tem elevação do nível das águas ali no nível do mar, você repara que as comunidades que vivem próximas a ambientes de praia ou de mangue têm as casas invadidas pela água. E ela vai derrubando, vai amolecendo o alicerce que quase sempre é muito frágil. São construções simples e populares que vem abaixo”, ressalta o ornitólogo.
Tonalidades adaptadas
“Como um girassol amarelo”. É provável que Toni Garrido, o vocalista do Cidade Negra, ao cantar a famosa música “Girassol” não imaginasse que o amarelo de algumas flores estivesse se intensificando cada vez mais. No entanto, em alguns outros tipos de plantas, está ocorrendo o oposto: cada vez menos menor cor. Pesquisas sugerem que, ao longo dos últimos 75 anos, as flores também se adaptaram às temperaturas crescentes e à redução do ozônio, alterando os pigmentos ultravioleta (UV) em suas pétalas. Embora essas mudanças de pigmento possam ser imperceptíveis aos olhos humanos, elas se destacam como um farol para polinizadores como beija-flores e abelhas.
O cientista da Universidade de Clemson, Matthew Koski, conduziu uma pesquisa colaborativa que mostrou que a cor das flores tem respondido à rápida degradação da camada de ozônio nos últimos 75 anos. O estudo, publicado na revista Current Biology, discute como as mudanças na cor das flores podem influenciar o comportamento dos polinizadores. Koski e seus colegas examinaram examinaram 1238 flores de 42 espécies diferentes. Fotografaram pétalas de flores da mesma espécie coletadas em diferentes momentos usando uma câmera sensível aos raios ultravioleta (UV), que capturou as mudanças no pigmento UV. Em seguida, relacionaram essas mudanças aos dados sobre o nível local de ozônio e temperatura.
De acordo com o estudo, as flores que possuem o pólen exposto diretamente à luz ultravioleta apresentaram um aumento na pigmentação, resultando em cores mais vibrantes. Esse fenômeno ocorreu como uma forma de proteção contra os raios solares, criando mais pigmento como uma forma de lidar contra a radiação luminosa. Em contrapartida, flores com o pólen protegido por pétalas apresentaram uma redução na pigmentação.
O estudo indicou que as rápidas respostas de pigmentação floral às mudanças globais podem ter um impacto negativo na polinização. O aumento dessa pigmentação pode tornar as flores mais atraentes para os polinizadores, mas a redução da reflexão dos raios ultravioletas em outras espécies pode reduzir a atração geral das flores e dificultar a reprodução dessas plantas. Além disso, os próprios agentes polinizadores correm riscos. O biólogo e doutor em botânica, Francisco Soares, explica que a aceleração do aumento das temperaturas, causada pela ação humana, pode levar à morte de espécies da fauna essenciais para a proliferação da flora. “ Os insetos, os pássaros e morcegos, por exemplo, dão sua contribuição como agentes polinizadores. Então, com o aquecimento global e o aumento da temperatura, algumas dessas espécies padecerão, e aí algumas plantas totalmente dependentes dos insetos para serem polinizadas serão afetadas”, alerta.
Bem na nossa vez
À medida que o planeta enfrenta mudanças climáticas e um acelerado aumento na temperatura média global, todos os seres, sejam eles do céu, do mar ou da terra, sentem e sofrem os impactos desse cenário. Para evitar o sentimento de lamentação de que foi “bem na nossa vez” que recaiu todo o peso das ações de descaso que a humanidade teve com o meio ambiente, é necessário agir com urgência para promover a sustentabilidade e preservação do nosso planeta.
O primeiro passo é reconhecer a responsabilidade pessoal e o papel que cada um deve exercer na preservação do meio ambiente. Nessa luta, cada indivíduo, empresa e governo tem uma função importante na adoção de práticas mais sustentáveis e na redução do impacto ambiental. Isso inclui a busca por fontes de energia renováveis, a implementação de políticas de conservação e a promoção do consumo consciente. Outro passo essencial para promover a proteção do meio ambiente é a pressão contínua e ativa sobre os governos para a implementação de políticas públicas ecologicamente corretas.
Preservar o meio ambiente é uma responsabilidade que determinará, além do legado deixado para as futuras gerações, a viabilidade delas existirem. Eis a pergunta final: Quais serão as cores presentes na natureza do futuro que você constrói?
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