Metade dos filhos de cidadãos entre os 20% mais pobres do Brasil jamais chegarão a uma classe social mais elevada que a dos seus pais. É o que indica um estudo inédito realizado por pesquisadores do Grupo de Avaliação de Políticas Públicas e Econômicas (Gappe), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A outra metade, de acordo com o estudo, conseguirá subir alguns degraus na escada rumo ao topo das condições econômicas e sociais, mas o esforço é multiplicado em relação aos descendentes de famílias ricas. Mesmo alcançando melhores condições de vida, a ascensão pode ser temporária, aponta a pesquisa.
O teresinense Romário Farias, 35 anos, ilustra bem alguns desses indicadores: homem preto e filho de uma costureira com um eletricista, cresceu na periferia da cidade, no bairro São Joaquim, em meio ao cenário caótico da economia na década de 1990. “Meus pais estiveram endividados durante todo esse período e tentando garantir moradia, alimentação e educação a mim e aos meus irmãos”, afirma. Romário é um dos vários exemplos de pessoas que cresceram nas camadas mais empobrecidas do país, que tem o segundo pior índice de mobilidade social (migração de uma classe social para outra), de acordo com estudo desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ele não demorou a perceber isso: desde sempre soube que precisaria trabalhar o dobro, em condições hercúleas, para conseguir até mesmo os direitos mais básicos.
De acordo com o estudo do Gappe, é o topo da pirâmide – ou seja, as classes A e B – o alvo ainda mais distante para a população pobre: apenas 2,5% dos filhos de famílias pobres chegam lá. Nessas classes, estão as pessoas de famílias que possuem renda acima de 20 salários mínimos, e entre dez e 20 salários mínimos, respectivamente. Essa definição é do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e uma das mais simples sobre classes sociais e econômicas, elencando os mais ricos e os mais pobres de acordo com a renda mensal total de todos que moram na mesma casa. À classe E, pertencem todos aqueles de famílias com renda total de até dois salários mínimos; na classe D, estão as famílias com rendimento entre dois e quatro salários mínimos ao mês; e da classe C, fazem parte os brasileiros dos lares que contam com quatro a dez salários.
O estudo da OCDE também aponta que seriam necessárias nove gerações até que os descendentes de um brasileiro entre os 10% mais pobres atinjam, pelo menos, o nível médio de rendimento do país. Segundo a Gappe, a melhoria do grau de instrução é um dos fatores que contribuem com a ascensão social. À reportagem, Romário contou: “Meus irmãos e eu fomos os primeiros da família a concluir o ensino superior”.
Mesmo com o diploma de Licenciatura em História nas mãos, ele acredita que foi preciso esforçar-se o dobro para conseguir ascender economicamente e garantir uma carreira profissional estável. Hoje, Romário atua como servidor público na Universidade Federal do Piauí. Antes de fazer parte do quadro de funcionários da instituição, chegou a dar aulas no Ensino Médio, ser auxiliar administrativo, operador de telemarketing, além de técnico de áudio e videomaker. Machen Sie sich bereit für schnelle und unterhaltsame Spielaction mit pay n play casino 2024 . Keine lästigen Anmeldungen, nur reines Spielvergnügen mit sofortigen Auszahlungen!
Atualmente, ele reconhece que vive em condições sociais e econômicas melhores que as de seus pais, apesar de alguns fatores ameaçarem sua estabilidade. “Voltamos no tempo tendo que enfrentar grandes problemas como inflação, alta dos preços, falta de reajuste salarial, fome e miséria”, disse. Essas questões colocam Romário e seus irmãos em desvantagem na corrida por uma condição financeira melhor. Dificuldades de acesso à informação e educação, consequências da baixa renda dos pais, são os pontos destacados por ele durante a entrevista. “Éramos seis pessoas vivendo com pouco mais de um salário mínimo”, lembra.
Numa corrida injusta, cidadãos em desvantagem precisam ser compensados para alcançar direitos mínimos – como educação e trabalho. É o que explica a socióloga Bruna Mesquita, ao destacar que a meritocracia, no Brasil, seria válida se todas as pessoas tivessem oportunidades iguais, independente de sua classe social. “Não tem como uma pessoa em situação de insegurança alimentar, por exemplo, ter acesso às mesmas condições que alguém de uma família com mais de 10 salários mínimos”, disse. “Enquanto uns planejam conhecer outros países, tem gente que ainda está lutando por direitos básicos”, completa a socióloga. Diogo Britto, um dos pesquisadores do Gappe, afirma sobre o tema: “Existe uma loteria no nascimento”, comenta. “As crianças que tiveram a sorte de nascer em famílias com pais mais ricos estão, em média, se dando muito melhor do que aquelas filhas de pais mais pobres”.
Algumas das soluções seriam políticas públicas de combate às desigualdades no país, aponta Bruna. “Principalmente que essas ferramentas garantissem mais equidade de oportunidade, sobretudo às mães chefes de família, nas camadas sociais mais baixas”. Outro ponto a ser reparado, destacado pela especialista, é o acesso à educação, que precisa ser mais universalizado e garantido, inclusive com a oferta de bolsas, para que os alunos possam suprir suas necessidades básicas enquanto estudam.
Políticas públicas afirmativas, aliás, possibilitaram a ascensão de Karolina Oliveira, 24 anos. Por meio de cotas voltadas aos alunos da rede pública no Brasil, ela ingressou no curso de Letras Português na UFPI, em 2016. Viveu seus primeiros anos no município piauiense Beneditinos, e integra um dos grupos mais desfavorecidos na pirâmide social do país, de acordo com o estudo do Gappe: é mulher, parda, nordestina e filha de pais de classe econômica baixa. Com esse perfil, a ascensão acadêmica, social e econômica fica ainda mais difícil.
O estudo da UFPE mostra que, numa escada de 100 degraus de renda, se os pais ocupam a posição 25, os filhos homens podem chegar ao nível 46, enquanto as mulheres alcançam, no máximo, o patamar 29. O recorte de gênero torna a diferença ainda maior quanto menor é a renda dos pais. Já as crianças brancas que iniciam no degrau 25 podem atingir o degrau 41 – enquanto pretas ou pardas avançam no máximo até o 32.
Ainda na infância, Karolina mudou-se com a mãe e as irmãs para Teresina, em busca de uma vida mais estável. Na capital, cresceu vendo a mãe trabalhar como costureira e serviços gerais em um hospital para suprir as necessidades das filhas. Mesmo em meio às limitações, com a renda baixa da família, Karol conseguiu o que considera ainda um luxo no país: um ensino público de qualidade, numa escola em tempo integral. “Minha mãe conseguia trabalhar porque tinha onde nos deixar o dia todo”, conta à reportagem.
Ela lembra que alguns amigos da época estudavam apenas meio turno para poder trabalhar na outra parte do dia. “Vi muitos deixarem os estudos para trabalhar, pois se não ajudassem em casa não tinham o que comer”, rememora. Ser estudante em uma escola em tempo integral impactava positivamente também nas despesas da casa de Karolina. “Minhas duas irmãs e eu recebíamos almoço e lanche na escola, então era uma despesa a menos para a minha mãe”, conta.
Aos 18 anos, a jovem conseguiu entrar em uma universidade. Foi o início de uma jornada que levaria quatro anos até conseguir uma alocação no mercado de trabalho e poder ajudar com as despesas da casa. Mesmo sendo estudiosa, Karolina reconhece que não foi apenas o esforço pessoal que a trouxe até aqui: “Tive o privilégio de me dedicar só aos estudos até a faculdade”, contou. “Filhos de pobres dificilmente podem viver isso, porque precisam trabalhar cedo para ajudar em casa”.
A trajetória de Karolina retrata uma das conclusões do Gappe – o estudo aponta que um dos fatores a contribuir com a mobilidade social é a educação. Somente uma formação educacional – e de qualidade – é capaz de melhorar a vida das pessoas de baixa renda. Mas o retorno garantido pelos estudos leva, pelo menos, quatro anos e, diferente do exemplo de Karolina, nem todas as famílias conseguem esperar esse tempo.
Karolina reconhece estar longe de atingir o topo da pirâmide social, embora perceba uma certa evolução, comparada à condição da sua mãe na sua idade. Ao contrário dela, a mãe Silene precisou equilibrar os estudos com o trabalho na roça para ajudar a família. Karolina tem conseguido tempo para se qualificar antes de ingressar numa carreira profissional. Em pouco tempo vai se tornar mestra em Linguística – a primeira da sua geração familiar – e poder dar uma continuidade de transformação aos seus descendentes.
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