Quando o ano começa e as primeiras chuvas fortes ameaçam cair na cidade, Rachel Saraiva se preocupa. Em Parnaíba, litoral do Piauí, o escoamento da água impossibilita o trânsito na cidade. Com as ruas alagadas, quem precisa trabalhar ou estudar acaba ficando dentro de casa para não correr risco de vida. “No dia que chove tem que rezar para no dia seguinte ter sol e secar as vias”, relata Rachel. “Se depender do escoamento da cidade, ficamos ilhados”.
No final do mês de janeiro, a força da água corrente nas avenidas foi tão forte que arrancou o portão da Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar). Em toda a cidade, estabelecimentos comerciais e casas foram inundados. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), em apenas um dia (28 de janeiro) choveu cerca de 89 mm em menos de quatro horas na cidade. O resultado foi dramático: o temporal deixou cerca de 10 famílias desabrigadas, seis delas alojadas no Ginásio Poliesportivo José Edvaldo Carvalho da Silva.
Em Piripiri, a 175 quilômetros de Parnaíba, o cenário é parecido. O município está em alerta laranja desde a última semana de janeiro e, segundo o último boletim do Inmet, a previsão é de mais chuvas nos próximos dias. Um vídeo que circulou nas redes sociais mostrou centenas de botijões de gás de uma distribuidora sendo levados pela correnteza. A força da água teria invadido o depósito, levando o estoque rua abaixo.
Em Teresina, placas despontam pelas avenidas sinalizando áreas com risco de alagamento. Ao todo, quase 50 pontos da cidade possuem indicações para conter o trânsito da população. Um cenário bem parecido com o restante do estado que, segundo o Serviço Geológico do Brasil, listou a existência de mais de oito mil piauienses vivendo em áreas consideradas de risco muito alto para desastres geológicos. Ao todo, 47 municípios foram elencados no levantamento.
Os riscos, segundo a pesquisa, referem-se a alagamentos, deslizamentos e quedas. As áreas estão localizadas em ambientes já considerados vulneráveis, como morros, margens de açude, margens de rios e outros. Com o período chuvoso, no Piauí, as áreas e o grau dos riscos podem aumentar.
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Tentando conter o perigo, o Governo do Piauí anunciou no último mês a criação de um gabinete de crise para atender regiões do estado com registros de fortes chuvas e enchentes. O grupo é responsável por adotar ações de prevenção, antecipação aos riscos, restauração da normalidade, além de um canal que permite o compartilhamento de informações sobre os alagamentos e inundações.
O Piauí é cortado por dois grandes rios: Poty e Parnaíba, que recebem a contribuição de riachos e córregos. Há pelo menos um século, muitas cidades começaram a ser construídas com povoamento próximo aos rios e cursos d ‘água. A expansão dos municípios, sem controle urbano, fez com que muitas cidades fossem levantadas em cima das águas.
O resultado do estrangulamento de riachos e rios deu espaço para a impermeabilização danosa do solo, explica o geólogo Sidney Santos. Com drenagens mal conduzidas, o alagamento e poças d’água afetam as cidades. Em Teresina, Sidney cita o caso da Avenida Marechal Castelo Branco, onde foram implantadas “bocas de lobo” – sumidouro localizado ao longo das vias pavimentadas para onde escoam as águas da chuva – mas que, por falta de reparo, causam erosões no solo de até 12 metros. “São verdadeiras crateras”, aponta.
Como solução para as cidades, Sidney destaca a construção de galerias. Porém, é preciso que o projeto passe por constantes manutenções. Sem fiscalização, mesmo que haja estruturas, as galerias podem ser entupidas por lixo e corroídas pela força da água. Outro ponto seria o investimento em educação ambiental nas cidades. Sem conscientização do descarte de lixo, tudo o que é descartado na rua é arrastado para as galerias.
“Cuidar do espaço urbano e ter consciência com o meio ambiente também está dentro do projeto de infraestrutura da cidade”, complementa o geólogo. “Sem criação de galerias, fiscalizações das obras e responsabilidade social, vamos continuar assistindo a tragédias anunciadas”, finaliza.
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