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É hora de voltar

Dificuldade na adequação das escolas e defasagem no aprendizado dão o tom da volta ao ensino presencial

15 de outubro de 2021

A partir da próxima semana, o Piauí volta a ter aulas presenciais em caráter obrigatório. Desde o início da pandemia, sucessivas portarias estaduais determinaram a suspensão das atividades presenciais, como estratégia de conter a transmissão do coronavírus. Desde o início de outubro, quando o governo publicou um decreto liberando eventos públicos para até 500 pessoas, o retorno às escolas estava acontecendo de forma opcional. Ao contrário de bares, casas de shows e outros espaços que funcionam a todo vapor, escolas da rede estadual permaneciam no impasse da retomada integral. 

A resistência dos profissionais da educação ao retorno está relacionada à exigência de alguns critérios: imunização completa dos trabalhadores da educação e indicadores de transmissibilidade do vírus abaixo de 1 e ocupação hospitalar inferior a 50% (cinquenta por cento). Antes desse decreto, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc-PI) desenvolveu estratégias e protocolos que as escolas devem seguir para a retomada. 

Mas profissionais da educação apontam que, na prática, ainda há muito a ser melhorado. Alice*, supervisora escolar de uma escola na zona Sul, descreve que as aulas estão retornando, mas sem rigidez com o controle sanitário. “Há pouco tempo o 3º ano retornou de forma integral. Na semana que vem será o 2º ano, e na seguinte o 1º”, explica. “Mas, por exemplo, o álcool em gel que recebemos foi em uma garrafa  pet”, comentou. Para a profissional as escolas não estão prontas.

Joana*, diretora de uma escola na zona Sul da cidade, afirma que recebeu da Seduc um valor mensal de R$300,00 para a higienização da escola – que conta com um total de 340 alunos matriculados. O valor, segundo ela, é insuficiente, e ela precisa escolher o que comprar. “Teve um mês em que compramos pias, no outro, os reservatórios para colocar o álcool em gel”, explica a gestora. Além da falta de insumos para a sanitização, a fiscalização percebeu também a falta de pessoal.

Apesar dessas dificuldades com infraestrutura, a gestora acredita que é hora de retornar. “Há alunos que não têm internet em casa e precisam imprimir as atividades na escola”, comenta. “Tem uma defasagem no ensino e já faz quase dois anos que estamos assim”. A defasagem, não só nas escolas do Piauí, mas por todo o país, podem acentuar as desigualdades sociais. 

Mais de 1,5 bilhão de alunos e 60,3 milhões de professores de 165 países foram afetados pelo fechamento de escolas devido à pandemia do coronavírus. Porém, a educação brasileira terá um grande desafio na tentativa de retomar o crescimento dos indicadores de ensino, que durante a pandemia tiveram quedas significativas. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Banco Mundial, antes da crise, 50% dos estudantes tinham um nível de proficiência abaixo do mínimo – em 2020 esse índice saltou para 71%. 

O que se percebe com a suspensão das aulas presenciais por pouco mais de um ano, o fechamento das escolas para conter a pandemia e as incertezas sobre o ano de 2021, é um retrocesso significativo nos avanços educacionais do país. Em levantamento divulgado pela Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e Sociedade, a maioria dos governos estaduais deixaram a educação em segundo plano e têm segurado recursos disponíveis para a educação, apesar do aumento de suas receitas e da necessidade de investimento para a reabertura das escolas. 

No início de 2021, o país viveu o seu pior momento na crise, com aumento significativo do número de casos e mortes. A lenta vacinação no primeiro semestre do ano fez com que a maior parte dos estados mantivesse escolas fechadas e medidas de isolamento social em algum nível. Por outro lado, isso significava mais tempo para os governos destinarem recursos para a adequação de protocolos sanitários, visando o retorno presencial seguro, e em medidas para recuperação de aprendizagem e busca ativa dos estudantes para evitar a evasão escolar. Estados e municípios registraram resultados financeiros muito positivos no ano de 2020. 

O comportamento das Receitas Correntes Líquidas (RCL) dos estados surpreendeu, com um crescimento real de 10% frente ao primeiro semestre de 2020, que havia sido de estagnação em relação ao mesmo período de 2019. No Piauí em comparação aos períodos de 2019-2020, houve uma variação negativa de – 0,3%, já no período de 2020-2021 houve um aumento de 9,5%. 

O crescimento real médio do ICMS – Imposto pago pela população sobre circulação de mercadorias e prestação de serviço – do primeiro semestre de 2021, frente ao mesmo período de 2020, foi superior a 18%. Todos os estados apresentaram crescimento real de ICMS, com variações importantes. O Piauí teve o crescimento de 17,2% contabilizando uma arrecadação de R$ 2.618.077.929.

Gráfico 1: Arrecadação de ICMS (Primeiro semestre – 2019/2021)

Ainda de acordo com o levantamento, os 10 estados que registraram maiores quedas de despesa com a educação no período da pandemia – incluindo o Piauí – apresentam preocupantes índices de infraestrutura escolar. Isso significa que mesmo com maior arrecadação de receitas e apresentando uma rede de infraestrutura escolar precária para lidar com o retorno presencial, os maiores gastos continuam sendo pessoal e não com infraestrutura.

Gráfico 2: Variação da despesa liquidada com Educação e arrecadação de ICMS (Primeiro semestre de 2019/2021)

De acordo com especialistas e pesquisadores em educação, o retorno das atividades escolares pode apontar um caminho para tentar reverter o quadro de defasagem no aprendizado mas, principalmente nos anos iniciais, de alfabetização, é fundamental estar atento ao desenvolvimento da criança com a aprendizagem e ao sentimento de pertencimento ao grupo. 

Em agosto deste ano, a Seduc informou que existiam 180 escolas no estado sem condições para o retorno presencial, ainda que híbrido. Procuramos a Secretaria para dar esclarecimentos, mas até o fechamento desta reportagem nenhuma das nossas solicitações de dados tiveram retorno.

*Nomes alterados para preservar as identidades das fontes.

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Categorias: Especial

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