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E o que a gente faz agora?

Em meio ao contexto mais tecnológico da história mundial, Geração Z encontra cenário precário e incerto

15 de novembro de 2021

Edição Luana Sena

Geração Z, ou centennials – jovens nascidos entre 1995 e 2010 – marcam a geração de pessoas mais familiarizada com a internet e inseridas na comunicação digital. Apenas com um click, através de qualquer tela, é possível estar e ser “online” de qualquer lugar do mundo. Porém, a que deveria ser a geração mais inclusiva, com a pandemia da Covid-19, trouxe à tona um habitat vivido por boa parte da população de 18 a 29 anos repleto de incertezas e precariedade. 

Com aulas online, projetos interrompidos e o sonho do primeiro emprego adiado, a pandemia impôs uma pausa na rotina de jovens em todo o Brasil. Ao invés de um futuro com oportunidades, parte da juventude precisou repensar suas prioridades diante de poucas opções. Sem uma real dimensão dos impactos causados pelo vírus na economia, educação e cultura, o futuro parece algo intimidante.

“Olhar para frente e não conseguir enxergar a direção”, declara Victor Sousa, estudante do ensino médio que mora em Teresina. Sua voz carrega desapontamento quando conta que antes da pandemia da Covid-19, suas preocupações giravam em torno de ser aprovado no vestibular.  O adolescente não imaginava que os quase dois anos em casa poderiam mudar tanto a sua percepção do tempo. 

Agora, prestes a finalizar o segundo grau e realizar o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), ele não sabe qual curso deseja fazer. Para ele, pensar na escolha do futuro e dos dias que virão significa pensar em como quer e deseja viver. “Isso traz um gosto e sensação angustiante”, comenta Victor. 

Ao contrário da ideia de que o vírus atingiu todas as nações do mesmo modo, a forma como muitos jovens vivenciaram a pandemia aponta para um panorama que revela desigualdades. Vitor citou que suas maiores dificuldades pairavam sobre a adaptação ao modelo remoto, as raras instabilidade de conexão e experiências que gostaria de ter vivido no ambiente escolar com amigos e professores. Enquanto isso, na localidade Estocado II,  na cidade de Floriano, Jaila Maria Ribeiro revela que precisou abandonar completamente a graduação em Ciências Biológicas no Instituto Federal do Piauí (IFPI). Da casa em que mora com a família, na localidade de Estocada II, zona rural de Floriano – Sul do Piauí -, a ausência de sinal telefônico e internet lhe impossibilitava de participar das aulas online. 

Se antes já era difícil fazer a viagem de 40 minutos de casa até o IFPI, localizado na zona urbana de Floriano, sair de casa para ter acesso à internet também ficou inviável – tanto pela locomoção, como pela ausência de transporte na pandemia e pelo fator financeiro. Sem perspectiva de voltar para a sala de aula, Jaila é ajudante de costura em um pequeno ateliê da região. “Não sei se um dia vou conseguir segurar um diploma”, confessa. “Por enquanto, vou fazendo esse trabalho, que nem gosto, nem desgosto, mas é minha única opção”, finaliza a jovem. 

O mercado de trabalho, por outro lado, já se mostrava severo com os jovens mesmo antes da pandemia. Segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2019, pessoas entre 18 a 24 anos eram as que mais tinham dificuldades para conseguir um emprego – e, quando conseguiam, eram os mais vulneráveis à demissão. De acordo com especialistas, esse número advém das poucas experiências profissionais e maior investimento das empresas em qualificar o jovem para a profissão em questão.

A pandemia lhe atravessou de forma avassaladora Emanuel Rodrigues, de 23 anos, – tanto na vida profissional quanto pessoal. Em janeiro de 2020, ele tinha acabado de se matricular na faculdade de Direito. Inicialmente, o jovem fazia bicos como entregador por aplicativo, mas pouco depois das aulas iniciarem, ele foi chamado para trabalhar no Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON). Trabalhando durante o dia e estudando à noite, sua vida parecia estar se encaminhando, da forma como ele havia planejado, quando em março foi decretada a chegada do vírus no estado. 

Demitido e sem condições de continuar pagando as mensalidades, ele cogitou trancar a faculdade, mas por incentivo e apoio dos pais, seguiu de forma online durante os meses mais críticos do isolamento social. De casa, com uma internet instável e pouca intimidade com as plataformas online, ele via seu rendimento acadêmico caindo –  e o sonho de se tornar advogado cada vez mais distante. 

2021 chegou, e quando ele pensou que tudo poderia melhorar, passou mais de um mês sem acompanhar as aulas, quando a família foi contaminada pelo vírus. O pai foi uma das vítimas da doença. “Têm sido tempos muito difíceis, ainda é muito difícil”, desabafa Emanuel. Ainda na faculdade, ele relata que vem tentando se reerguer no curso e à procura de um novo emprego, mas que o futuro ainda é uma incógnita.  

 

Estamos indo de volta para casa 

Quando Renata Sousa decidiu deixar o apartamento onde morava na cidade de Picos para retornar à casa dos pais, em Monsenhor Hipólito, imaginou que ficaria apenas algumas semanas. Um ano e meio mais tarde, Renata, de 22 anos, assiste às aulas da faculdade de jornalismo do quarto em que viveu durante a infância. 

O retorno da jovem virou uma realidade em muitas famílias. Os motivos variam. Renata cita que o receio dos pais em mantê-la longe durante os meses mais críticos da pandemia foi um deles, mas apertou quando a renda familiar caiu.

Para João Victor Ferreira, no entanto, foi a falta de dinheiro para se manter na capital piauiense que falou mais alto. Ele faz parte de um contingente de jovens na América Latina que enfrentam o desafio de fugir do desemprego após a pandemia da Covid-19 – conforme levantou a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em todo o continente, a taxa média de desemprego de jovens entre 15 e 24 anos teria atingido 23,8% no primeiro trimestre de 2021 – o nível mais alto registrado desde quando começou a ser elaborada, em 2006. 

João conta que, ao ver o ano encerrando, não encara 2022 com um calendário de planos. Mas, revela estar se planejando para voltar de onde parou: aulas, busca por emprego em Teresina, se firmar no mercado de trabalho e voltar a sonhar. A vida na capital, revela, deve voltar até abril do ano que vem. “Quando sai de casa, não estava pensando em voltar. Eu quero pensar na minha vida de antes como um futuro breve, nem que seja recomeçando”, finaliza. 

Embora não se conheçam, Renata e João possuem quase o mesmo pensamento. Porém, enquanto João pretende retornar ao Piauí, a futura jornalista deseja sair. Sem a cidade dos sonhos, ela confidencia que está na espera de algum concurso público ou seletivo para poder participar. “Eu adoro minha família, cidade natal, mas gostaria de seguir meu futuro em outro lugar”, ressalta Renata. “Mas tudo depende de tantas coisas, não é? Muitas fora do meu alcance”, lamenta. 

Luz no fim do túnel

Mesmo com a economia na base das preocupações de muitos jovens, a Geração Z vem se comprometendo com a ideia de um futuro mais consciente. Abraçar causas de desigualdade social, meio ambiente e cobrar políticas públicas está entre os interesses de boa parte dos jovens. Apesar do cenário desanimador que enfrentam, a juventude dá o tom através da participação social em decisões políticas e sociais como uma ferramenta de mudança. E para isso, é necessário ir à luta, destaca a militante Isadora Cortez. 

Leia mais: Diferente das gerações anteriores, questões ambientais tornam-se preocupações de crianças, jovens e adolescentes no século XXI

Em meio à pandemia, a jovem colocou sua máscara de proteção facial e foi às ruas de Teresina cobrar políticas públicas de saúde, educação e economia para a juventude. Contando com um microfone, caixa de som e álcool em gel, Isadora questionou, durante as quatro manifestações das quais participou, sobre a realidade precária de jovens em todo o Brasil.

(Foto: arquivo pessoal)

“O que a gente enxerga hoje são milhares de jovens abandonando seu estudo para se cadastrarem em plataformas de emprego, como Ifood, 99, Rapi”, analisa Isadora. “Imagina em um contexto como esse, se nós jovens, historicamente, já sofremos com os impactos de políticas públicas, ao enfrentar uma pandemia, somos mais afetados ainda”, frisa. 

Em entrevista ao Atlas da Juventude de 2021, Daniela Saraiva, líder do GOYN SP – aliança para promover a inclusão produtiva de jovens na cidade de São Paulo -, destacou que não existem soluções “bala de prata” para inclusão produtiva de jovens potência – nem no Brasil, nem no mundo. Para trabalhar a inclusão produtiva de jovens, é preciso encarar esse problema de forma sistêmica e colaborativa, balanceando as necessidades imediatas, mas com um olhar de médio e longo prazo. 

Em um estudo chamado “O Futuro da Inclusão Produtiva (2020), os pesquisadores indicam que a pandemia trouxe desafios existentes mais agudos, debilitando a estrutura existente para se pensar na juventude. Nesse panorama, não existe uma resposta, mas caminhos. Entre eles: a combinação entre programas de assistência social e de inclusão produtiva; a facilitação da inclusão de pessoas em posição de entrada no mercado de trabalho; o apoio para a adaptação dos empreendedores urbanos; e promover economias locais resilientes nas áreas rurais.

Na urgência dos centennials, conseguir concluir os estudos, viajar e ter um emprego é mais do que nunca uma demanda importante – porém, é possível aliar o futuro pessoal com a perspectiva de transformação. É o que acredita Felipi Carvalho, de 16 anos, revelando que, para isso, tem um plano: ser professor de educação física. “A educação é um passo essencial”, analisa. “Eu acredito que posso fazer a mudança com o que eu gosto, que é estar em movimento, contribuir com a saúde e bem estar”, diz o jovem. “Quem sabe, ser o exemplo para os que virão depois de mim”.

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Categorias: Especial

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