Das estações da Rádio Educativa Cristo Rei e Rádio Vale do Canindé, no município piauiense de Oeiras, surge a voz: “Alô galerinha, estamos aqui, e você aí. Hoje a sala de aula será na sala de casa”. A fala é de Tiana Tapety, secretária de Educação Municipal, em um dos primeiros testes de transmissão das radioaulas que, dali para a frente, fariam elo entre estudantes, professoras e professores, mães e pais. Com a crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19, as aulas presenciais na cidade foram suspensas.
De voz firme e bem humorada, a professora vai narrando todo o processo que envolve a produção da nova modalidade de ensino municipal, desta vez à distância. Mesmo com a presença das quatro rádios da cidade, a ideia ainda não havia ocorrido. “Pra gente manter o aluno vinculado às escolas, de forma distanciada, tínhamos que nos reinventar”.
O novo modo de ensino surgiu após muita pesquisa. Ela relata que, do fim de abril até maio do ano passado, o caminho para esta ação já tinha uma bússola norteadora: um projeto que integrasse as várias possibilidades de ensino à distância e alcance de estudantes. Assim surgiu o projeto “Escola da Família – Conectada ao Saber”. “Temos três interações com os alunos de forma não presencial: interação pelo rádio, vinculação pelos cadernos de atividades – livros didáticos e roteiro de estudo com toda a rotina que o aluno deve seguir – e a plataforma”, diz Tiana.
As radioaulas são opções para alcançar o maior número possível de pessoas, como estudantes que não possuem acesso à internet ou estão distantes do perímetro urbano. Segundo a última Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil (TIC Domicílios), divulgada em 2020, apenas 51% dos domicílios localizados em áreas rurais estão conectados à internet.
Oeiras possui 27 escolas da rede pública – 14 delas estão localizadas na zona rural do município, a 280 km de Teresina. O rádio é o veículo de comunicação utilizado para chegar onde a internet ainda não foi capaz. “Nós encontramos no rádio um bálsamo para aplacar todo o nosso distanciamento da criança, que está lá na zona rural, que não tem acesso à internet”, comenta Tiana. “Estamos falando daquele aluno que está no interior”.
Aula em podcast
Andréia de Sousa é professora da rede municipal em Oeiras e trabalha com turmas do 4° ano do Ensino Fundamental, também chamado de “anos iniciais”. Ela dá aulas em disciplinas como Língua Portuguesa, Matemática e Geografia, além de Ensino Religioso.
A pandemia vem ditando um aprendizado coletivo constante e a professora diz que o convite para assumir as radioaulas, para além de um desafio, foi também oportunidade de aprender coisas novas e ajudar os alunos.
“Estava ansiosa na primeira aula”, diz, relembrando. “É muito bom saber que o som da nossa voz vai alcançar lugares tão distantes, para além das paredes da sala de aula”, comentou.
O material, que inicialmente começou a ser gravado em estúdio mas, devido à intensificação da pandemia, hoje é todo gravado de maneira remota. Rafael Ferreira, bacharel em Sistemas de Informação, é responsável pela formatação do material produzido para as radioaulas da educação infantil. Ele costuma chamar a produção de podcast, já que mesmo fora do ambiente da internet, o material é repassado para os estudantes quando necessário e também vinculado ao canal do youtube da secretaria de educação do município.
A sala de casa agora é a sala de aula
Elias Neto tem 9 anos e estuda na Escola Municipal Lourenço Barbosa Castelo Branco, no 4º ano. Entre lápis e papéis, seus ouvidos acompanham o som que vem do rádio. “Na minha casa estudo na mesa da sala”, descreve a rotina. “Gosto de ouvir os programas da rádio e fazer as tarefas”, diz, acrescentando que no momento do estudo tudo precisa estar bem arrumado e iluminado.
Maria Leal, cozinheira e mãe do Elias, conta que o filho acompanha bem as radioaulas, embora não ache a mesma coisa do ensino presencial – a falta dos professores e do convívio com os amigos estão no cerne da queixa.
Enquanto esperam juntos isso tudo passar, mãe, filho e educadores – agora radialistas – seguem firmes para continuar suas atividades sem grandes prejuízos para a aprendizagem. Mas os relatos aqui descritos revelam que o esforço coletivo passa por um certo sentimento afetivo, tal qual Rubem Alves diz em “Estórias de quem gosta de ensinar”: “sem uma grande paixão, não existe conhecimento”.
0 comentário