(…) “Vem outro ministro deste Supremo Tribunal Federal chamado Luís Roberto Barroso, um sujeito difícil. Mas que tem um problema não resolvido do ponto de vista sexual. Eu tinha um colega prefeito, que já faleceu há alguns anos, ele me dizia que tinha medo de dois tipos de gente: negro que estira o cabelo e bicha enrustida”. Essa fala foi proferida pelo ex-prefeito de Oeiras e ex-deputado federal Benedito de Carvalho Sá – popularmente conhecido como B. Sá – em entrevista à rádio Vale do Canindé, na cidade de Oeiras, na última segunda-feira, 1º de novembro.
Falas como essas, de cunho homofóbico e racista, vem se tornado cada vez mais comum entre os discursos de parlamentares. Uma pesquisa realizada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) revelou que, de 2019 para 2020, o número de discursos racistas proferidos por autoridades públicas mais que dobrou (106%), saindo de um total de 16 para 33 casos. No ano de 2020, em todos os meses, ocorreu pelo menos um caso de discurso racista entre as autoridades brasileiras.
Ainda segundo o levantamento, o maior número de ocorrências registradas teve como autor o presidente da república e deputados estaduais, cada qual computando 25% dos casos (12 discursos racistas cada). Em 20 dos 49 casos mapeados, ou seja 41%, foram iniciados procedimentos de apuração dos fatos ou responsabilização, seja por meio de abertura de inquérito, ação ou procedimento administrativo. Contudo, nenhum deles resultou em responsabilização dos autores.
Ao analisar os resultados da pesquisa, a ativista do movimento negro de Oeiras, Millena Faustino destacou que é possível apontar para a ocorrência de uma espécie de efeito manada, em que o uso do discurso racista por algumas autoridades acaba por legitimar e encorajar a disseminação do ódio racial. “É justamente por isso que a nossa indignação também precisa ser levada para as urnas”, diz. “Tá mais do que na hora da gente colocar nos cargos de poder e decisão quem realmente esteja alinhado com a luta antirracista e a favor da população LGBTQIA+”, pontuou.
Para a ativista, a fala do ex-prefeito é um retrato fiel de como pessoas negras ainda são retratadas no imaginário social brasileiro. A ideia não é propriamente oriunda do pensamento individual do político oeirense. “Justamente por ele não ser o único, devemos manter nossa fala ativa diante de situações de racismo e homofobia”, alerta a ativista. “Nos calarmos é assumir uma posição de conivência”.
Millena informou ainda que coletivos de todo o estado estão se mobilizando para que o político venha a responder judicialmente por seu discurso discriminatório.
É crime
O racismo tem sua publicação na Lei nº 7.716, de 5 de Janeiro de 1989 e configura-se crime contra a coletividade e não contra uma pessoa específica. Realizado por meio da verbalização de uma ofensa ao coletivo ou atos como recusar acesso a estabelecimentos comerciais ou elevador social de um prédio. É inafiançável e imprescritível. A pena vai de um a três anos de prisão, além da multa.
Recentemente, a criminalização da homofobia e da transfobia foi permitida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em decisão de junho de 2019. Quando um indivíduo LGBTQIA+ é agredido por palavras ou fisicamente por conta de sua sexualidade, ele pode ser protegido pelo artigo 20 da Lei 7.716/2018 (crime de racismo) pois, no Brasil, ainda não existe uma lei específica no combate a homofobia – a base que criminaliza atos homofóbicos é a mesma que criminaliza o racismo.
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