Canteiro é uma porção de terra comumente localizada no quintal de muitas casas brasileiras. Uma porção de criar coisas vivas, geralmente cultivada por mulheres. Mas, em 2016 ele virou também o nome de uma produtora cultural. Três mulheres, entre elas, duas artistas piauienses, pulsando criatividade e inovação.
Layane Holanda e Soraya Portela, além da carreira artística, compartilham vivências sobre o que é ser mulher, o que é ser +40, o que é fazer parte de uma região conhecida como Brasil profundo. “De algum modo, velhice e infância eram dois extremos que começavam a atravessar a nossa vida e também o nosso trabalho”, conta Layane.
Inserida na cadeia produtiva da cultura desde os 16 anos, quando começou a fazer teatro, passou a se interessar mais pela atuação feminina na arte nos últimos tempos. “Essa ativação me alcançou, inclusive, tarde”, reconhece. “Criança, por exemplo, não é assunto só de mulher: é uma pauta política, da sociedade”.
No ano passado, as artistas fizeram um curso no Rio de Janeiro dentro do projeto “Um teto seu”, iniciativa que estuda a participação de mulheres na história da arte. Foi mais um start para entender como o papel relegado à mulher na cultura foi cerceado e limitado pelo patriarcado. “A gente tá sempre fortalecendo esses arquétipos: o cineasta, o diretor, o gestor, o mestre”, aponta Layane. “Tem essa ênfase”, completa. “Precisamos estar numa ativação do olhar para a dimensão do feminino, as materialidades, as diferenças entre os corpos e realidades, as questões específicas da produção feminina”.
A reflexão de Layane não é apenas empirismo. Alguns indicadores do mercado da arte exemplificam bem a desigualdade de gênero nesse campo. Mulheres atuantes no setor cultural e criativo enfrentam as mesmas barreiras de outros setores da economia. No Brasil, a desigualdade salarial entre homens e mulheres é maior no setor cultural do que em outras atividades: elas ganham apenas 67,8% dos salários dos homens (IBGE, 2018).
Mulheres ainda são afetadas por estereótipos de gênero. Para se ter uma ideia, em São Paulo, onde estão instaladas as maiores galerias de arte do país, apenas 6% das obras em exposição são de mulheres, mas 60% das pinturas com nus são femininas.
Essa consciência está presente na produção mais recente das artistas Layane e Soraya. A programação do TRISCA#4 – festival de arte com criança, que começa nesta sexta (9) e vai até domingo (11) tem uma equipe deliberadamente feminina e com um olhar para a cultura popular e produção de mulheres artistas locais. “Isso é uma escolha política e é também um modo de criar contexto para que artistas possam criar, se apresentar e se encontrar.”, diz a produtora.
Acompanhando um movimento de grandes centros urbanos que, no pós-pandemia, viram praças, parques e espaços ao ar livre voltarem a ser ocupados, o festival este ano traz uma programação para fazer com crianças no parque Potycabana, na praça da UFPI (Ininga) e no Parque da Cidadania. “A cidade acaba pensando a infância de um modo muito comercial”, observa Soraya Portela, co-diretora do festival.
Trupe de mulheres
A Trupe de Mulheres Esperança Garcia foi uma das propostas artísticas selecionadas pelas curadoras para estar no festival com crianças. É a primeira vez que Tércia, Talita, Suzy e Railane Raio participam do projeto e também a primeira apresentação do grupo, que surgiu em 2019, em um festival e praça pública.
Com uma dramaturgia divertida e educativa, o espetáculo “As Marias da Terra” foi desenvolvido para atuar, principalmente, em comunidades rurais, feiras agroecológicas e quintais produtivos. O projeto já foi contemplado em duas residências artísticas com mulheres mestras da palhaçaria, pelo SESC-PI.
“Nossa atuação enquanto palhaças e brincantes é, sobretudo, política”, define Railane. Com comicidade e brincadeiras, as mulheres apresentam mensagens de ecologia e bem viver.
Contratar mulheres e contemplar trabalhos artísticos de mulheres é também realocá-las em um cenário onde, no geral, elas ainda não são referências. “Gosto de entender o campo da arte também como cadeia produtiva, como setor econômico”, diz Layane. “Pensar a produção feminina no campo da cultura é também pensar a mulher num setor de trabalho, mulher artista também chefia famílias”.
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