No litoral do Piauí, no município de Ilha Grande (352 km de Teresina), sete filhos de pescadores e marisqueiros perceberam a importância de registrar a cultura da região para além da tradição oral. A ideia fez surgir a proposta da cartilha “Culturando nos Morros da Mariana”, que leva o primeiro nome da cidade e conta as histórias dos moradores.
De acordo com a educadora popular e moradora da região, Celine Damasceno, cerca de 70% da população da cidade é formada por pessoas ligadas à pesca e à agricultura. Mas, em razão do uso cada vez mais intenso de novas tecnologias, como celulares, os moradores tinham receio que tradições como a de rezadeiras, rendeiras, Boi Bumbá, parteiras, as pastorinhas – grupo de mulheres que realizam cortejos na madrugada durante 1° a 7 de janeiro – pudessem se perder com o tempo.
São histórias como a da parteira Ana do Nascimento, que aprendeu a “arte de partejar” com a avó, Dona Aninha – uma das primeiras parteiras da região, ainda em 1930, que a cartilha quer preservar. Ela descreve que quando as primeiras mulheres engravidaram, não havia hospitais próximos , tendo que a maioria dos partos serem realizados nas casas. Quando chegava a hora do parto, as gestantes eram colocadas sentadas em tamboretes, abriram as pernas e a parteira manejava a criança. “Para cortar o cordão umbilical era utilizado um pedaço da casca da cana de açucar, bem fininho”, Ana descreve uma parte dos procedimentos artesanais realizados. “A minha avó acredita que se não fossem as parteiras, as mulheres sofreriam mais e muitas crianças poderiam nem ter nascido”, finaliza.
Lígia Kloster, educadora social do projeto, explica que a ideia inicial era fazer com que os jovens aprendessem técnicas de escrita, para depois prosseguir com a realização da cartilha. No entanto, com a pandemia da Covid-19 e a necessidade do ensino remoto, algumas atividades práticas não foram possíveis de realizar. As entrevistas e coleta de pesquisa com os moradores, por exemplo, foram todas realizadas virtualmente, por meio de ligações e mensagens.
Apesar das dificuldades para formar os jovens, o projeto foi contemplado pelo Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, através da Secretaria de Cultura do Estado do Piauí (SIEC/Secult) e patrocínio da Equatorial Energia. Com os recursos, foi possível realizar a versão digital e também a impressão de 200 exemplares físicos, que foram distribuídos entre os participantes do projeto. “A cartilha também será distribuída em escolas municipais e estaduais na cidade para que as histórias sejam compartilhadas com crianças e adolescentes”, afirma Lígia.
O projeto pretende futuramente planejar uma nova edição da cartilha para incluir outras histórias e tradições como a dos catadores de palha de carnaúba e dos artesãos de argila com barro vermelho. “São elementos que não podem faltar e que permite que uma nova geração possa conhecer a própria cultura”, reforça a arte-educadora Enaiê Mairê Apel.
Além disso, em breve uma versão menor será publicada, que deve se chamar “Histórias de Aparecida”, escrito por uma das educandas do projeto, reunindo histórias que ouviu e viveu durante a infância até a vida adulta. Outra educanda, Islene Cristina, também está montando um projeto próprio para dar continuidade aos objetivos do projeto, com a fundação de uma biblioteca comunitária.
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