domingo, 24 de novembro de 2024

Na sombra do rosa

O acesso desigual a exames de rastreamento de câncer de mama no Brasil está relacionado ao nível de educação, raça e renda, dificultando a detecção precoce em mulheres pardas de baixa escolaridade e sem renda

26 de outubro de 2023

No Brasil, o câncer de mama é a principal causa de morte por câncer entre as mulheres. Para aquelas com idades entre 50 e 69 anos, a doença representa a causa de 45% dos óbitos. Apenas em 2023, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que 73.610 mulheres receberão diagnóstico de câncer de mama no Brasil. Apesar da gravidade dessa condição, o acesso a exames de rastreamento é desigual no país. Fatores como nível de educação, raça e renda estão diretamente relacionados à disparidade no acesso a esses exames e no tratamento do câncer de mama.

Segundo o relatório anual do INCA, divulgado neste mês, à medida que o acesso ao nível de educação diminui, a proporção de mulheres que realizam o exame de mamografia também diminui. Enquanto 77,8% das mulheres entre 50 e 69 anos com ensino superior completo fizeram o exame de mamografia, apenas 44% das mulheres da mesma faixa etária, que possuem baixa instrução ou não concluíram o ensino fundamental, realizaram o exame. Essa disparidade destaca que não falamos suficientemente sobre o câncer de mama. Existem grupos nos quais as informações não chegam ou o acesso aos serviços de saúde é difícil.

Embora o câncer de mama possa afetar tanto homens quanto mulheres, é mais raro no grupo masculino e nas mulheres mais jovens. Segundo a médica oncologista Pollyana Cardoso, as diretrizes do Ministério da Saúde recomendam que a mamografia de rastreamento seja realizada a cada dois anos em mulheres a partir dos 50 anos, enquanto a Sociedade Brasileira de Mastologia indica o exame a partir dos 40 anos.Essas indicações são focadas nas faixas etárias em que o exame é efetivo para redução da mortalidade e os benefícios superam os riscos à saúde. “O objetivo do rastreamento é detectar o câncer de mama numa fase mais precoce, aumentando assim as chances de cura”, explica.

As diferenças de acesso à mamografia podem ser atribuídas a vários fatores, incluindo a falta de conscientização sobre a importância da detecção precoce, os entraves para o acesso aos serviços de saúde e as barreiras culturais. Dados apurados pelo INCA também apontam que as desigualdades sociais em relação ao acesso à mamografia se manifestam de acordo com a renda. O relatório destaca que a proporção de mulheres com idades entre 50 e 69 anos de renda alta que realizaram mamografias é quase o dobro da proporção de mulheres de baixa renda que fizeram o exame. Assim, enquanto 83,7% das mulheres que recebem mais de cinco salários mínimos fizeram o exame, apenas 42,9% daquelas sem rendimentos ou que recebem até 1/4 do salário mínimo realizaram a mamografia. Isso significa que as mulheres com menos recursos podem enfrentar barreiras adicionais para cuidar da sua saúde e prevenir o câncer de mama. Essas disparidades criam barreiras problemáticas porque o câncer de mama é mais facilmente tratável quando detectado em estágios iniciais, e a mamografia desempenha um papel crucial nessa detecção precoce.

O relatório também aponta que, entre as mulheres com idades entre 50 e 69 anos, aquelas que se autodenominam pardas apresentam a menor taxa de realização do exame de mamografia, representando 54,4% do total. Por outro lado, as mulheres de cor branca foram as que mais buscaram o exame, com 61,8%. 

Saúde que circula 

Ao longe, avistam-se caminhões se aproximando, e isso sinaliza que as barreiras para a identificação precoce do câncer de mama podem começar a ser superadas, reduzindo as disparidades que representam obstáculos na missão de salvar vidas. No Piauí, as seis unidades móveis de saúde, conhecidas como Caminhões da Mamografia, têm percorrido cidades do estado para ampliar o atendimento e reforçar a detecção de casos em regiões onde o acesso ao exame pode ser mais demorado. A ação, promovida pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesapi), é executada pela Diretoria de Unidade de Controle, Avaliação, Regulação e Auditoria (Ducara) e tem como público-alvo mulheres com idades entre 40 e 69 anos. Segundo Rodrigo Martins, diretor da Ducara, entre maio e outubro deste ano, já foram realizadas mais de 55.819 mamografias nas unidades móveis de saúde. “A meta do projeto é realizar 125 mil exames entre os 224 municípios do Piauí”, ressalta.

O Caminhão da Mamografia também prestou atendimento a mulheres encarceradas e profissionais de segurança na penitenciária de Teresina (Foto: Ascom Sesapi)

Até setembro de 2023, no estado do Piauí, foram reportados 169 novos casos de câncer de mama. Durante esse período, 60 mulheres entre 50 e 69 anos e 125 mulheres em outras faixas etárias perderam a vida devido a essa doença, conforme informações fornecidas pela Sesapi. Cada unidade móvel de saúde representa uma oportunidade valiosa para diminuir essas estatísticas por meio do diagnóstico precoce. São realizadas 80 mamografias por dia em cada caminhão, o que totaliza 480 exames diários quando consideramos as seis unidades móveis disponíveis. Para ter acesso aos exames no Caminhão da Mamografia, Rodrigo explica que as mulheres devem entrar em contato com a unidade de atenção básica de suas cidades, onde a consulta será agendada conforme a orientação médica. Após os resultados dos exames, as informações são enviadas para as secretarias municipais, que encaminharão os pacientes para o tratamento adequado. 

As pacientes recebem a data e o horário do exame em sua própria cidade, perto de casa, tornando o acesso aos serviços de saúde mais fácil (Foto: Ascom Sesapi)

As informações referentes aos cronogramas das unidades móveis de saúde pode ser consultadas no site da Sesapi.

A história sob a pele

Cada corpo tem sua própria história, e o cuidado com as mamas desempenha um papel significativo em uma vida saudável. Sinais como vermelhidão na mama, dor, nódulo palpável, retração na pele da mama, ferida que não cicatriza, inversão do mamilo, edema na mama, saída de secreção do mamilo e assimetria são indicativos que precisam de atenção. Qualquer um desses sintomas suspeitos nas mamas requer avaliação médica, incluindo exames de imagem como mamografia, ultrassonografia ou ressonância magnética, quando indicado. No entanto, o diagnóstico definitivo do câncer de mama só é feito por meio de uma biópsia, que envolve a retirada de um fragmento da lesão para análise pelo patologista. Após o diagnóstico, se identificado o câncer de mama, o mastologista discutirá o tratamento, que será personalizado para cada paciente. Segundo a oncologista Pollyana Cardoso, em alguns casos, a sequência do tratamento pode envolver quimioterapia antes da cirurgia e radioterapia, seguida, se necessário, de hormonioterapia. Em outros casos, a cirurgia é o primeiro passo, e a necessidade de quimioterapia é avaliada com base em critérios específicos. “Quando a doença é descoberta numa fase avançada (com metástase), geralmente a cirurgia não é indicada, e o paciente fará tratamento sistêmico com medicamentos (quimioterapia, hormonioterapia etc.) para tentar controlar a doença”, ressalta.

No caso da cirurgia, o período de recuperação pode variar de 1 a 2 meses, dependendo da complexidade do caso. De acordo com Pollyana, quanto menos radical for o procedimento, menor é o tempo de recuperação. “No caso da segmentectomia, onde há a retirada de apenas um segmento da mama, o tempo de recuperação é menor que o da mastectomia”, explica. Após a cirurgia de câncer de mama, a paciente deve ser encaminhada ao oncologista clínico e ao radioterapeuta para avaliação de tratamentos adicionais, como quimioterapia e radioterapia, conforme necessário. “Serão realizadas consultas de seguimento periodicamente após o tratamento, para exame clínico, imagem da mama anual e realização de exames de imagem outros de acordo com os sintomas da paciente, com o intuito de monitorar possibilidade de recidiva”, complementa a oncologista.

Durante o pós-operatório, Pollyana explica que é recomendado à paciente estimular o próprio corpo e se movimentar de forma cuidadosa. “No pós operatório, é recomendado não ficar parado, ou seja, a paciente deve ser estimulada à deambular, e até movimentar o braço do lado operado, porém evitando movimentos mais amplos e esforço físico durante alguns dias a semanas (na dependência da orientação do cirurgião)”, adverte.

O amor de quem apoia

Pessoas engajadas desempenham um papel fundamental na promoção da conscientização, educação e ação prática para superar as barreiras à detecção do câncer de mama. A Rede Feminina Estadual de Combate ao Câncer do Piauí surgiu assim, com o objetivo de fornecer assistência às pessoas que enfrentam o câncer, refletindo o desejo de fazer a diferença na vida daqueles que convivem com a doença. A entidade não governamental, fundada em 1987, começou como um pequeno grupo dedicado à distribuição de cestas básicas e visitas às enfermarias do Hospital São Marcos, onde pacientes com câncer estavam hospitalizados. Atualmente, a rede, composta por um grupo de 80 voluntárias, cresceu e realiza ações para apoiar pessoas com câncer em situação de vulnerabilidade social, como a construção de casas para beneficiar os pacientes apoiados. A Coordenadora do Voluntariado, Lenora Campelo, é uma das pessoas que se dedica à causa. “Realizamos palestras em empresas, grupos de mulheres e homens, escritórios e hospitais, além de distribuir materiais informativos”, explica. Para ela, fica notável como as pessoas se tornam mais atentas aos sinais que seus corpos podem apresentar após receberem informações sobre o assunto.

A Rede Feminina, juntamente com a Ong Viver Melhor, durante ação para adquirir e doar sutiãs adaptados a mulheres enfrentando o câncer de mama (Foto: RFCC)

A conscientização sobre o câncer de mama é uma jornada contínua. Embora a campanha do Outubro Rosa tenha um papel vital na promoção da detecção precoce e na captação de recursos, é essencial manter esforços durante os outros meses. Lenora explica que a prevenção, o diagnóstico precoce e o apoio aos pacientes não podem parar. “É importante ressaltar que a atenção ao câncer não deve se limitar apenas ao mês de outubro, mas deve ser constante ao longo de todo o ano”, destaca.

As ONGs, como a Rede Feminina de Combate ao Câncer, desempenham um papel complementar e frequentemente crucial ao lado dos sistemas de saúde e governos na busca pela prevenção, diagnóstico precoce e tratamento eficaz do câncer de mama. No entanto, é imprescindível a promoção de políticas públicas e debates que alcancem mulheres que enfrentam barreiras no acesso à mamografia, garantindo que toda a população tenha a oportunidade de detectar o câncer de mama em estágios iniciais e receber o tratamento adequado. Cada mamografia é uma ação de amor à saúde, com um valor inestimável que pode salvar milhares de vidas.

 

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