terça-feira, 23 de abril de 2024

Escrevendo sobre Ciência no momento anti-Ciência

21 de junho de 2021

Não bastasse fazer ciência nas salas e laboratórios da universidade, fui convidado para escrever sobre ciência no jornal O Estado do Piauí. Triste sina.

Explique-se: como professor universitário, fazer ciência é o meu trabalho. Participar da formação de quadros qualificados em ciência e tecnologia no país, especificamente para a área da computação (onde atuo), em níveis de graduação, mestrado e doutorado, é entregar para a sociedade profissionais altamente competentes para realizar a transformação tecnológica que tanto precisamos. Sair da condição de fornecedor de commodities, local de extrativismo para a economia global, para sermos capazes de processar e agregar valor ao que produzimos aqui – quando pensamos em ciência e tecnologia para o desenvolvimento do país, este é o objetivo final.

Mas não adianta uma nobre missão enunciada em palavras bonitas se não há meios materiais para realizá-la.

O orçamento aprovado em 2021 para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) diretamente relacionado com investimentos em pesquisa, as chamadas “despesas discricionárias”, foi de apenas R$ 2,7 bilhões de reais – isso representa um corte de 15% comparado ao aprovado em 2020 e incríveis 58% comparados ao de 2015, uma época onde o sistema de pesquisa nacional era bem menor que o atual.

Os cortes atingem também o orçamento para a educação superior, espécie de irmã do orçamento de pesquisa. As despesas discricionárias das universidades aprovadas para o Ministério da Educação (MEC) em 2021 são da ordem de R$ 4,5 bilhões, bem menor do que os R$ 5,5 bilhões disponíveis em 2020 e incríveis 37% menores que os R$ 7,1 bilhões aprovados no longínquo 2010, mais de uma década atrás, quando o número de cursos, campis universitários, estudantes, professores, técnicos, laboratórios e outros tantos era muito menor do que o que temos hoje.

Os cortes orçamentários na ciência e na educação impactarão profundamente o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Dos dados que são passíveis de medição, será fácil verificar – maior evasão de alunos por não haver políticas de manutenção dos mesmos nas universidades; redução de candidatos nos programas de pós por conta do baixo valor e quantidade de bolsas disponíveis; redução do quadro de professores por vagas de concurso não preenchidas/represadas/não expandidas. É possível mesmo assistirmos ao cúmulo de termos laboratórios e campi universitários fechados por não haver recursos para pagar custos básicos, como a conta de energia – o que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) está na iminência de encarar, desligando o super-computador Tupã, principal máquina responsável pelos estudos climáticos no país.

Há também os prejuízos que não são possíveis ou são difíceis de serem mensurados. O forte investimento em ciência e tecnologia realizado no passado formou uma leva de pesquisadores altamente qualificados, com passagens em centros de excelência no exterior em diferentes áreas, que agora não encontram abertura para iniciar suas carreiras científicas no país. Com o quadro de professores sem expansão e a não existência de vagas para pesquisadores, quantos estudos de ponta deixamos de realizar no Brasil? Para aqueles nessa situação, há a opção de aguardar, mudar de área, ou mudar de país. O Brasil passou a ser “exportador de cérebros”, auxiliando, pasmem, o desenvolvimento de outras nações que no geral já são mais ricas que nós.

Escolhas políticas representam o que um governo é, e um governo que decidiu não investir em ciência está condenando o desenvolvimento científico e econômico do país. Aparentemente uma atitude nada patriótica.

Mas batalhamos e, mesmo nessa adversidade, há desenvolvimento e produção científica nas nossas instituições. O que essa coluna se propõe é ser mais uma frente para discutir ciência, tecnologia e suas implicações/repercussões econômicas e sociais, de um olhar “fora do eixo” dos grandes centros nacionais.

O momento é sim de anti-ciência. Nessas condições, escrever sobre ciência é uma forma de construir e trabalhar um caminho para superá-lo.

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Filipe Saraiva

Professor na Faculdade de Computação da Universidade Federal do Pará. Escreve sobre ciência e tecnologia em suas implicações sociais, econômicas e políticas.