segunda-feira, 13 de maio de 2024

Invasão e destruição em tempo real: o que mudou ao longo do tempo?

20 de janeiro de 2023

Em 8 de janeiro de 2023, a população pode assistir, ao vivo, à ocupação, invasão e depredação dos prédios públicos que representam os três poderes da nação: Palácio da Alvorada, Câmara dos Deputados e Supremo Tribunal Federal. 

Ao conversar com uma amiga jornalista e editora de um jornal local sobre este acontecimento, ela descreveu sua reação de incredulidade e a comparou com a mesma sensação que sentiu ao assistir a destruição, pela TV, das torres gêmeas nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001. 

Naquele dia, o mundo viu, em tempo real, o choque do segundo avião contra a segunda torre. O espetáculo macabro foi midiaticamente orquestrado para ser visto pela TV.  Vinte e dois anos depois, o espetáculo agendado via redes sociais foi produzido em busca de seguidores. Pegas de surpresa, as TVs não conseguiam dar conta da profusão de imagens colocadas em circulação pela massa enfurecida. Os celulares nas mãos, voltados para rostos e cenários, apontavam para um momento diferente. . 

No ataque aos prédios-casa dos três poderes, na tentativa de golpe de estado, alguns participantes estavam mais interessados em postar seus feitos nas plataformas e redes sociais para conseguir monetizar do que com a derrubada do governo. Estes se sentiram livres para dizerem e fazerem o que quisessem, em busca de uma audiência ávida por aqueles tipos de imagens e, em suas distorcidas visões, um “final feliz”. 

Na era dos likes, é bom lembrar que da vida íntima de celebridades às tentativas de golpe, tudo é monetizado. Havia ainda na turba, presos nas bolhas dos selfies, os que apenas buscavam protagonizar seu próprio momento na história mostrando suas caras e narrativas.

Com o desenrolar dos fatos foi possível perceber a existência, pelo menos, de duas intencionalidades por parte dos invasores, não necessariamente excludentes: uma política, que buscava um golpe de estado contra o presidente eleito e recém-empossado; e uma midiática, protagonizada por eleitores insatisfeitos e revoltados com o resultado do segundo turno das eleições de 2022. 

O que vai caracterizar esta segunda intenção é que o movimento não saiu das redes para aportar apenas na concretude da invasão e depredação, mas no investimento e aposta da consagração histórica via mundo virtual. O principal objetivo de muitos que estavam ali era produzir o próprio conteúdo para as redes a fim de obter curtidas, compartilhamentos e viralização de si, sem maiores preocupações com o coletivo nem a democracia.

Setores da sociedade e do mundo virtual já entenderam que a polarização e a radicalização gera, nas redes, mais lucro no engajamento que no cancelamento. São inúmeros os exemplos recentes em que o movimento de cancelamento foi totalmente engolido pela explosão estratosférica do engajamento. 

Diferente do final da tragédia de 11 de setembro, onde os fanáticos protagonistas mataram e morreram junto com passageiros, tripulantes e pessoas que já se encontravam nos dois prédios no momento dos ataques, em 2023, após seus míseros segundos de glória, muitos foram encaminhados para presídios a fim de responderem por seus atos. 

Poder-se-ia então afirmar, peremptoriamente, que o recente movimento foi um fracasso? Em parte foi. O famigerado golpe flopou.  Entretanto, uma questão cada vez mais emergente é a monetização deste tipo de conteúdo pela internet. Como proceder, em especial as plataformas de vídeo e redes sociais, em situações como a que aconteceu no segundo domingo de janeiro? Dados da organização sem fins lucrativos, Sum of Us, mostram que Google e Meta mantiveram no ar vídeos e lives sobre os atos por horas. Muitas das transmissões incentivando o golpe foram monetizadas.

Atualmente é inegável a contribuição da internet no acirramento de ânimos, viralização de fake news e radicalização extrema de pontos de vista, no entanto é preciso haver uma regulação da internet para que o destino de pessoas e nações deixem de ser, cada vez mais, reféns de um simples clique. 

segunda-feira, 13 de maio de 2024
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Paulo Fernando Lopes

Jornalista. Professor na UFPI. Escrevinhador sobre retalhos das realidades. Assuntador das questões de jornalismo, mídia, cultura, política, educação e o que mais couber no cesto e minhas agulhas me permitirem tecer.