domingo, 12 de maio de 2024

Lula, PT e a Comunicação Pública

03 de janeiro de 2023

A recente indicação e nomeação do Ministro das Comunicações pelo Presidente Lula fez com que  pesquisadores, jornalistas e entidades de classe ligadas ao universo comunicacional se posicionassem contrários à ideia que este ministério fosse para a cota do União Brasil – um partido cujo atual presidente, quando “dono” do PSL, fomentou a candidatura e apoiou Jair Bolsonaro até romperem de forma drástica.  

Através do manifesto intitulado “Por um Ministério das Comunicações comprometido com a democracia: não ao União Brasil” os signatários deixaram claro sua preocupação que uma área tão fundamental para o país fosse parar nas mãos do União Brasil ou outro partido de direita. O currículo político do atual ministro não contribui em nada para minorar este primeiro impasse de parcelas da sociedade civil com o futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. 

É impossível dizer que dentro da equipe de transição e da cúpula do PT desconheçam ou neguem que, no cenário atual, a comunicação de massa saiu do modelo analógico para um modelo digital em que o mundo dos streamings e das plataformas cresce a cada dia. Desde 2014, o setor comunicacional luta contra as fake news, uma bem orquestrada guerra contra as mídias tradicionais e as democracias. As consequências puderam ser sentidas nos últimos anos. 

Para falarmos deste caso atual, precisamos olhar para os outros governos de Lula e sua relação com a Comunicação. Se tirarmos as utopias e paixões veremos que a Comunicação teve pouco avanço, enquanto política pública, no Brasil. Desconfio que ela seja entendida pelos nossos governantes por uma noção muito próxima à oralidade e eloquência – no caso em questão, personificada na habilidade do líder máximo do PT para construir argumentos que misturam ethos e pathos, e no modo de expressar raciocínios políticos que levam esta prática social para um lugar onde existe reconhecimento, mas de forma relativa. 

Na nomeação de ministros em determinadas pastas midiaticamente celebradas, percebe-se uma reedição de uma bem antiga disputa acadêmica em que todas as outras Ciências Humanas e Sociais são consideradas mais prioritárias que a Comunicação Social. O inaceitável é que, em pleno século XXI, ainda prepondere, no campo político, um entendimento em que a Comunicação é vista menos como estratégica e mais por uma visão instrumental.     

Como gestor por sete anos de uma rádio universitária concessionada pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), criada no primeiro governo Lula, foi possível experienciar os modos de agir dos governos da presidenta Dilma Rousseff (PT), do MDB nos dois anos após impeachment resultante do golpe jurídico-parlamentar-midiático que levou Michel Temer à cadeira de presidente e do presidente Jair Bolsonaro (PSL/PL). Os procedimentos institucionais são diferentes, o âmbito comunicacional é mais restrito, mas ouso afirmar que paradoxalmente possuem entendimentos semelhantes quando se trata de pensar a Comunicação Pública brasileira.

O modelo petista apresentava uma noção de escassez, reuniões com pautas extensas comandadas por diretorias que coordenavam a Rede Pública de Rádio, exigências, cobranças, ameaças, lentidão, disputas internas, falas desanimadas de boas-vindas da presidência e outros diretores, comunicação vertical, e a máxima constituía-se em: ‘nós mandamos e vocês obedecem”. Havia pouco espaço para questionamentos. Estes, quando surgiam, eram considerados “subversivos”, com muita dificuldade em escutar críticas e sugestões. 

A horizontalidade ganhava força e forma, na plena e total certeza que tudo apresentado era o melhor para o país e para todos que quisessem contribuir com a nação, executando o que era repassado. O único senão era a dança das cadeiras, que impedia avanços e levava a muitos retrocessos. 

A complexidade em entender o modus operandi da gestão petista torna-se difícil, por conta da implantação de vários espaços para escutar a reclamação do cidadão. Esta estratégia criava uma falsa impressão de aproximação, no entanto o cidadão e os gestores não eram integrados politicamente ao processo, mas publicitariamente. 

 Na gestão Temer, a noção de incerteza permeava as propostas para a Comunicação, porque exigiam rapidez uma vez que sabiam da não possibilidade de haver reeleição. A equipe pretendia ajustar tudo que ficou pendente nos seis anos anteriores. Eu diria que a conta é maior. As cobranças continuaram, mas agora na busca da cooperação em nome do tempo que urgia. A presença da presidência seguia o mesmo ritual da gestão anterior, com longas horas de espera para a chegada daquele que traria planejamento e orientações institucionais, mas que para além de boas-vindas e pedidos de cooperação, falava mais de si e dos seus feitos. O ponto-chave, no governo Temer, iniciado na gestão Dilma, era a migração das emissoras de amplitude modulada (AM) para frequência modulada (FM). A ordem era para todas, sem exceções, migrarem para FM. As que desobedecessem ou não conseguissem seriam desativadas. Para eles, o processo inficador dos avanços, no Brasil, para  área da Comunicação, seria o encerramento das transmissões em AM . 

O último modelo de Comunicação Pública, trazido pelos generais na gestão bolsonarista, muda o modo de se relacionar com os gestores de rádios e TVs e de pensar a Comunicação. Começa com uma proposta de inclusão e pertencimento, com envio de passagens e hospedagens para todos os gestores de rádio e TV para uma reunião em Brasília. Anteriormente  a informação que chegava nas bases era: “queremos vocês aqui, se virem para chegar até aqui.” As formas de chegada eram diversas, em que alguns órgãos concediam a passagem, mas não a hospedagem ou o inverso.

 A segunda mudança foi a presença da presidência da empresa e toda diretoria  recebendo os gestores no auditório, com o discurso que estavam lá mais para ouvir do que falar. Esse comportamento aconteceu durante os dois dias de reunião nos dois turnos. A terceira, incentivo para que todos os diretores falassem, levassem críticas, sugestões e apresentassem pendências existentes para ver a possibilidade de serem resolvidas nos dois dias ou o mais breve possível. Por fim, reunião com grupos de áreas específicas e apresentação de dados que reforçavam a importância de uma Comunicação Pública para o país. 

No último dia, um projeto comunicacional foi apresentado, onde incluía a compra de equipamento pela EBC para digitalização das TVs universitárias, luta para evitar a privatização da empresa por considerar a comunicação peça-chave numa gestão presidencial, entendimento da necessidade de inclusão e comunicação de áreas afastadas e prioritárias para o país onde o sinal de rádio AM não pode ser desligado, mais por segurança nacional e menos por encantamento digital, e um projeto para fortalecer a ponto de competir em qualidade e público com a mídia hegemônica. 

Não há dúvidas que este modelo comunicacional possui camadas abaixo onde a ideia de controle, exclusão e permanência é maior que a de inclusão das diferenças e participação ativa da sociedade civil. Tanto é que não escrevo tomado por uma síndrome de Estocolmo, todos que estávamos lá sabíamos das reais intenções de construir uma imagem positiva do presidente, mas havia uma semente de buscar convencer aos setores mais radicais do governo que seria um erro privatizar a EBC, e que a regulamentação branda da mídia era fundamental. 

Os três governos atuaram na (des)construção da Comunicação Pública, ora apertando ora afrouxando nós, mais ainda demonstrando desconhecimento da força, da importância e da capilaridade de uma rede pública de comunicação e da necessidade de uma regulamentação da mídia no Brasil  como peças fundamentais de transformação social. Os governos e governantes comprometidos com a Democracia precisam, com urgência, atualizar a noção de Comunicação sob pena de serem engolidos novamente pela direita.

Com as várias derrotas eleitorais de candidatos de partidos de direita à presidência em diversos países, e com o aumento do combate às fake news, está sendo possível respirar um pouco mais aliviados. Mas é preciso não esquecer que a direita mundial articula e compreende, com mais agilidade, que a Comunicação é área prioritária inegociável em uma sociedade e que investir em Comunicação não é despesa, pelo contrário, basta ver o quanto de dinheiro circula no seu projeto político. O PT e alguns partidos de esquerda precisam entender que a Comunicação é um bem social tão importante quanto a Educação, a Economia, a Saúde, a Cultura e os Direitos Humanos.  Preservar o Meio Ambiente e manter a Sustentabilidade no país só é possível com uma Comunicação Pública inclusiva, plural e democrática. Fora isto é abrir o flanco para as fake news, a direita e a voracidade do mercado midiático excludente que a cada dia se torna mais digitalmente hegemônico, impondo modos de dizer, de ouvir, de ver, de pensar, de sentir e de consumir.

domingo, 12 de maio de 2024
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Paulo Fernando Lopes

Jornalista. Professor na UFPI. Escrevinhador sobre retalhos das realidades. Assuntador das questões de jornalismo, mídia, cultura, política, educação e o que mais couber no cesto e minhas agulhas me permitirem tecer.