Marcondes Brito [1]
Michel Augusto[2]
Uma breve pesquisa na internet, alguns minutos lendo a linha do tempo das redes sociais dos amigos e até em memes, a tristeza (e por que não melancolia?) é assunto corriqueiro na sociedade contemporânea, marcada pela instantaneidade da comunicação, fragmentação dos laços afetivos e consumismo exagerado, e nossa pouca inabilidade para lidar com toda essa situação, se não nossa letargia, aprofundam essa situação. Com tudo ao nosso redor, será que a sociedade contemporânea é mais triste do que as sociedades do passado? O dicionário classifica melancolia como uma tristeza duradoura e profunda. Nomeada na Antiguidade Clássica, melancolia (melas: negro e chole: bile) remete a uma oscilação humoral causada pelo desequilíbrio da bile negra no organismo. Nesse período, a melancolia era abordada e tratada como um problema físico.
Na idade média, a melancolia passa a ser compreendida como uma doença espiritual, em que aqueles marcados pela apatia e tristeza estavam doentes da falta de fé em Deus, ou mesmo possuídos por demônios (compreensão ainda comum nos dias atuais para os casos de depressão). Com o desenvolvimento da psiquiatria, a melancolia oscila entre a tristeza (sentimento comum) e a depressão (um transtorno que necessita de cuidados especiais, terapia e medicações). É perceptível que a melancolia, marcada pela tristeza, apatia e pessimismo oscila entre uma condição própria da existência humana e uma afecção cada vez mais comum na sociedade em que vivemos.
A psiquiatra americana Anna Lembke em seu livro publicado em 2021, Nação dopamina: Por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes e o que podemos fazer para mudar discute, através da narrativa de casos de pacientes atendidos por ela. Segundo a autora, vivemos uma época de excessos, com acesso fácil a jogos de azar, comidas, compras, redes sociais e como tais vícios geram a sensação de prazer através da dopamina produzida no cérebro. No entanto, é preciso encontrar um equilíbrio, uma vez que após os altos picos de dopamina no cérebro, a baixa dessa substância causa um sofrimento e sensação de vazio, possibilitando que os sujeitos cada vez mais aumentem a dose e frequência com que buscam o prazer nos vícios supracitados.
Bem, depois de tudo isso uma pergunta fica: Por que talvez é importante saber disso numa das cidades com maior incidência de suicídios do Brasil? Pensando um pouco sobre a questão é impossível não visitar alguns trabalhos importantes, entre eles, o trabalho do professor Benedito Carlos em sua tese de doutorado (2014), defendida na PUC-SP com o título: Apoptose na cidade verde: suicídios em Teresina na primeira década do século XXI, em que o autor apresenta um número de 562 suicídios no século XXI, com um crescimento exorbitante depois dos anos de 2000. Um dado chama a atenção nessa pesquisa, ancorado no ministério da saúde, o pesquisador afirma que uma parcela significativa desse cabedal de suicidas é de jovens, com 30% na faixa dos 15-24 anos. Segundo Benedito, o suicídio ainda é muito negligenciado pela saúde pública Brasileira e quiçá pela piauiense também, enquanto motor de políticas públicas mesmo ela matando mais do que a AIDS, a dengue e o calazar no estado do Piauí.
Um dos filhos mais conhecidos de Teresina e também do Piauí, o poeta Torquato Neto, que também se suicidou, chamava Teresina pelo nome um tanto interessante, Tristeresina, uma cidade de fluxos laborais intensos e rápidos, além de extremamente predatória de sonhos, principalmente para as juventudes. Uma cidade que em muitos aspectos é hostil com quem chega, e hostil também com quem está aqui, principalmente no campo do direito à cidade, e da segregação socioespacial, exclusão educacional, escassos espaços de cultura e lazer, e uma cena juvenil que vem sendo esvaziada ano a ano pelo poder público, não esqueçamos que a construção de nossa subjetividade é composta de elementos institucionais(como a escola), mas também culturais e simbólicas nos diversos grupos, por onde estamos, passamos e por onde de alguma forma nos interessamos em transitar e permanecer. Temos que passar a pensar o suicidio como produto da melancolia, aliada a um novo modelo de vida (de aceleração e excessos), como apontado pelo sociólogo Pôlones Bauman, e pela psicanalista Brasileira Maria Rita Kehl, que é reproduzido por várias instituições sociais, inclusive a escola, que necessita de atenção não somente em tempos de setembro amarelo, mas de todo o ano, que a produção do cuidado, precisa chegar a escola e por lá se fixar, que precisa de um atendimento especializado junto a hospitais e ambulatórios, se possível de bairros, e principalmente de políticas culturais e de fomento a ocupação de espaços urbanos.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. O mal estar na pós-modernidade. 1998 Rio de Janeiro. Zahr.
CORDÁS, Táki Athanássios & EMILIO, Matheus Schumaker. História da melancolia. Porto Alegre: Artmed, 2017.
FREUD, Sigmund. Mal estar na civilização: novas conferências introdutórias e outros textos. São Paulo. CIA. das Letras 2010.
KEHL, Maria Rita. O tempo e o Cão: a atualidade das depressões. São Paulo.Editora Boitempo, 2009.
LEMBKE, Anna. Nação dopamina: por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes e o que podemos fazer para mudar. 1. ed. São Paulo: Vestígio, 2022.
Júnior, Benedito Carlos de Araújo, Apoptose na cidade verde. Suicídios em Teresina na primeira década dos séculos XXI. Tese doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- puc. 2014.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Um Recurso para Conselheiros. Departamento de Saúde Mental e de Abuso de Substâncias e Gestão de Perturbações Mentais e de Doenças do Sistema Nervoso. OMS. Genebra, 2006.
Marcondes Brito
[1] Sociólogo(UFPI), Mestre em Políticas Públicas(UFPI), Doutor em Sociologia(UECE) Estudioso de juventudes , violências, segurança pública e dinâmicas criminais. |
Michel Augusto
[2] Doutorando em Letras pela Universidade Federal do Piauí. |