domingo, 12 de maio de 2024

Omissão, cobrança, jogos de cena: um click em busca da paz

18 de junho de 2021

Na enorme caixa de ressonância que é a sociedade, a circulação acelerada de vozes é uma experiência nova. Ouvem-se as vozes: das urnas, das redes sociais, dos privilégios, dos excluídos, das minorias, das resistências, das mudanças, das manutenções, das correções, dos amores, dos ódios e tantas outras. Cada uma tem seu timbre, altura, intensidade, clareza etc. 

Da noite para o dia o vídeo/carta que a atriz Juliana Paes gravou para uma colega viralizou e foi o assunto mais comentado na mídia. Manifestações de apoio, de repúdio, de protesto,  caça e especulações para saber quem era a tal “colega” que agrediu com palavras caluniosas; invadiu a noite com rótulos como covarde, desonesta, criminosa compuseram a cena midiática. 

O vídeo, até a data em que escrevo, 17 de junho, tem 11.616.907 visualizações e 385.404 comentários. Números bem expressivos considerando que na campanha eleitoral de 2018, nos dois turnos, somando os votos brancos e nulos, obteve-se uma média de 10 milhões. Agregando os números das abstenções, esta mensagem das urnas terminou em terceiro lugar. Num exercício ilógico de lógica, se o vídeo/carta fosse um candidato e se as visualizações fossem votos, vozes desamparadas e cansadas teriam encontrado uma terceira via. Nada mal para um vídeo, correto? 

Sim, se não fossem alguns aspectos que borram a relação  público e  privado,  esfera pública cultural e a esfera pública política, além de  alguns jogos linguageiros que flertam com o real, a ética e o verossímil. 

Não é de hoje que a relação público, privado, publicidade, privacidade e intimidade assume a pauta do dia. Uma dissonância entre colegas chegou às redes sociais. Uma mensagem privada exigindo um posicionamento público, certa hora da noite, abusando da intimidade e colocando em xeque a privacidade. Mesmo tal imbróglio ocorrendo numa esfera privada com acessos e códigos exclusivos desta relação, a resposta veio numa rede social. O que seria do âmbito privado, se tornou público. 

É bem antigo o flerte da propaganda política com figuras de referência, em busca de apoio que se transforme em voto.  Na história recente há o exemplo da campanha de 1989 do candidato Lula à Presidência, com a música hino e depoimento de muitos artistas a favor da sua candidatura. Anos depois, em 2002, a namoradinha do Brasil fala para fãs sua preferência pelo candidato do PSDB por medo de uma desestabilização do país. Em 2018, no primeiro turno, vários artistas expressaram suas preferências para algum dos 13 candidatos que disputaram o pleito. 

Assim como todo sistema econômico, há uma bolsa de valores simbólica pautada em quem tem mais prestígio, um grande número de fãs e outros atributos que agreguem valor à causa ou candidato escolhidos. No segundo turno  houve um acirramento na defesa dos candidatos e plataformas de governo.  Muitos artistas que não costumam politicamente se expressar o fizeram, outros preferiram continuar sem divulgar a sua opção de voto. Finda a eleição, algumas amizades, diversos namoros… Cada um achou que voltaria a seguir no seu quadrado. 

A pandemia da Covid-19 no Brasil, aos poucos, foi mostrando que os números iam se transformando em nomes de forma exponencial. O distante a todo momento bate à porta e entra sem pedir licença. A opção do governo federal em seguir uma linha de atuação que colocou o país em risco é, sem sombra de dúvida, uma possibilidade. O que complica – os números mostram isso – dentre inúmeros fatores, é também a ausência do controle de variantes e a incerteza das consequências – quem faz ciência sabe disso. Além de ser muito fácil decidir salvaguardado por um aparato de Estado e protegido por uma casa de vidro. Por estarmos numa democracia, toda decisão que envolva o coletivo vai exigir uma escolha de lado e uma politização – salutar para sociedades democráticas, sobre a escolha de como proceder para permanecer vivo e saudável. 

Voltando ao ponto de início do texto, é importante destacar sobre a convergência entre o papel do cidadão, o lugar de celebridade e do indivíduo privado. Quem escolhe se inserir na cena pública, se responsabiliza pelos ônus e bônus da escolha. A capacidade em articular temas que sejam relevantes ou de interesse social é o que determina a passagem de um tema privado para uma esfera pública. Causas prioritárias privadas e silenciadas em nome de um anonimato são importantes e válidas, mas não excluem outras que se presentificam para além das individualidades. O Brasil de hoje não pode se deixar aprisionar por um argumento pueril e dicotômico que aponta para só duas possibilidades – morrer de fome ou morrer de vírus, quando existem opções que evitam esta polarização. O mundo já esteve desorientado. Atualmente, mesmo angustiado e inseguro, novos caminhos estão sendo trilhados ainda sem muitas respostas, mas com algumas esperanças.

Desde meados de 2019 o mundo já é outro, todos os modelos com os quais enquadramos a vida no século XXI sofreram mudanças ou mutações. A sociedade precisa dialogar entre si para aprender a gestar questões importantes para sua sobrevivência e das gerações futuras. O sistema político e a vida social são implacáveis nos seus modos de agir. Ambos não permitem isenções. Não é possível não escolher. O grave nesta tomada de consciência é tentar convencer o outro que esta é uma boa escolha por não se sentir representado pelas opções existentes. O cansaço, o desamparo, a tristeza, as angústias, as raivas, os ódios fazem parte do campo da política. Não ver ou aceitar estas existências e complexidades comprometem a relação com o real. 

Apagar as diferenças em nome de outro projeto político é publicizar o inverossímil travestido de verdade. Se diante da fala do diferente há um silêncio e existe uma manifestação a favor de quem representa uma ideologia compartilhada, termina por prevalecer a ética do indivíduo, afastando da cena pública a ética do cidadão. 

domingo, 12 de maio de 2024
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Paulo Fernando Lopes

Jornalista. Professor na UFPI. Escrevinhador sobre retalhos das realidades. Assuntador das questões de jornalismo, mídia, cultura, política, educação e o que mais couber no cesto e minhas agulhas me permitirem tecer.