domingo, 28 de abril de 2024

Paola não bebe Campari

13 de março de 2023

No mês que se comemora o Dia Internacional da Mulher, começo a coluna com um título metafórico, com objetivo de fazermos uma reflexão juntos e trazer várias situações de violência contra as mulheres, nos últimos três meses, que circularam pela mídia. 

Um vídeo, ainda nos ensaios pré-carnaval, postado pela atriz Paola Oliveira sambando na quadra da Grande Rio trouxe a polêmica  nos comentários das seguidoras, sobre o corpo da atriz. Algumas internautas davam destaque para a barriga como indicador de gravidez. Mesmo não sendo um ataque, e sendo entendidas como manifestações de amor e carinho dos fãs, segundo a própria atriz, a ambiguidade deu brecha para um incômodo porque, entre a realidade e a vontade dos fãs, estava uma mulher e o seu corpo. 

O corpo glamourizado pela mídia e passarelas traz uma exigência que se transforma na cobrança de um “corpo perfeito” para mulheres. São vários casos de doenças graves e mortes de mulheres celebridades, ao longo dos últimos anos, em busca de um corpo que se adeque às exigências do mercado e do público. É bom lembrar que quem sustenta este conceito abstrato de público é cada um de nós que consome padrões e protótipos de corpos midiáticos. 

Neste jogo de cena, o que quase sempre não é trazido ao palco são as estratégias de aprisionamento das subjetividades femininas ao exigir formas e padrões estéticos que cabem nas lentes  midiáticas, mas estão distantes do real. A máquina de Narciso – este, inclusive, é o título de um livro do professor Muniz Sodré – tem levado aos excessos que contribuem com certas “nóias” e doenças, decorrentes da insatisfação com o corpo real e a constante busca de um corpo ideal. 

A violência deste tipo de cobrança às mulheres, principalmente no carnaval, não é a mesma com o corpo masculino. A atriz gravou um vídeo perguntando para homens se eles fazem algum tipo de dieta, preparação ou se tinham alguma preocupação com o corpo para curtir o carnaval. A unanimidade nas respostas dos homens para as perguntas: “como é que você se prepara para o carnaval?”, “você faz alguma dieta para o carnaval?” e “qual é o corpo ideal para sair no carnaval?” foi NÃO. 

Os homens ouvidos afirmaram estarem completamente à vontade com seus corpos, não cogitando fazer qualquer sacrifício para deixá-los o mais próximo possível de um corpo ideal. A passarela da vida permite, sendo carnaval ou não, aos corpos masculinos, uma existência mais livre de exigências, críticas, julgamentos, desqualificações ou desvalorização no mercado da constituição física. 

 Finalizando a polêmica, Paola mostra que, no jogo do patriarcado, as exigências sobre o corpo feminino têm como objetivo final levar as mulheres para o lugar de insegurança e insuficiência, mesmo quando a intenção é motivada por discursos com muito afeto. O jogo opressor do “mundo da ilusão” bombardeia com informações que desequilibram consciências, aprisionando-as no reino da ilusão do ego, e captura mulheres que se tornam muito críticas de si e de outras mulheres. Estas atitudes de vigilância terminam contribuindo para o fortalecimento da competição e comparação. É um tentáculo de um sistema muito desonesto, pois deslegitima qualquer empoderamento da mulher e confirma um modelo cultural de submissão e subjugação. 

“Você tem 24 horas para retirar seu conteúdo sobre mim. Depois disso é processo ou bala, você escolhe”. Esta mensagem de um influencer ligado ao movimento Red Pill na rede social da comediante, atriz e roteirista Livia La Gatto, após ela postar vídeos satirizando os conteúdos de um redpillado, acionou um sinal de alerta. Ele e outros homens vêm, nas plataformas e redes sociais, disseminando discurso de ódio contra as mulheres que denunciam as marcas e julgam os opressores pertencentes a um patriarcado em desmoronamento. 

A direita e a extrema direita têm buscado agir para ganhar espaço e ascender politicamente, produzindo e incentivando a polarização, fake news, discursos anti-vacinas, anti-ciência, negacionismo e o movimento Red Pill.   

O movimento Red Pill vem ganhando adeptos no mundo inteiro. Ele tem por base a defesa dos homens. A justificativa é que, neste momento, a sociedade já alcançou a igualdade de gênero e as mulheres têm sido privilegiadas, favorecidas e beneficiadas. De acordo com os adeptos deste movimento, os homens vêm sendo as vítimas das mulheres. O objetivo final dos “pill consumers” é mudar esta situação.  Daí a referência à pílula vermelha, baseada em um trecho do filme Matrix: em um momento da trama o personagem principal tem a oportunidade de escolher entre a pílula azul e a vermelha. A pílula azul, o mantinha na ilusão, e a pílula vermelha lhe daria a oportunidade de abrir os olhos para a verdade. Impulsionados pela internet, influencers e coachs ganharam muitos seguidores com seus discursos misóginos e de ódio às mulheres. 

Por que trazemos a necessidade de um olhar mais crítico a este movimento? Porque se a pílula vermelha mostra uma realidade nua e crua é preciso ver os dados que mostram o quão longe ainda estamos de uma igualdade de gênero, e as consequências reais das ações de homens que, ao acordar e em outros momentos, tomam suas pílulas azuis, mas fazem publicidade de pílulas vermelhas.

O resultado da pesquisa do coletivo Intervozes sobre a influência da mídia na violência contra a mulher no Brasil apresenta números alarmantes. O documento mostra que nosso país ocupa o 5º lugar no mundo em prática de violência contra mulher e, ainda assim, temos uma mídia com discursos contrários aos direitos humanos, machistas e que propaga a violência. 

O Brasil é um país com números estarrecedores de feminicídio, onde  mulheres negras são a maioria das vítimas, tanto dos agressores quanto dos discursos de ódio contra elas que circulam na internet. 

Outro dado preocupante é o número de estupros de mulheres. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública do último ano, a cada dez minutos uma mulher é estuprada no Brasil. Em tempos de redes sociais, as mulheres são os maiores alvos dos discursos de ódio na internet. 

Voltando ao título do artigo, ao me referir a uma marca de bebida italiana, é porque há um vídeo que viralizou pelas falas do protagonista que terminou sendo chamado pelos internautas de coach Campari. Foi ele quem mandou a mesma mensagem ameaçadora tanto para a humorista, quanto para outras mulheres que se posicionaram em relação aos seus conteúdos que propagam discursos de ódio contra as mulheres. 

A fabricante do Campari emitiu uma nota solidarizando-se com as mulheres. Não tenho nenhuma informação sobre as preferências de bebida da Paola Oliveira, mas arriscaria dizer que deste drink, servido com doses de violência e misoginia, ela certamente não beberia.

domingo, 28 de abril de 2024
Categorias:

Paulo Fernando Lopes

Jornalista. Professor na UFPI. Escrevinhador sobre retalhos das realidades. Assuntador das questões de jornalismo, mídia, cultura, política, educação e o que mais couber no cesto e minhas agulhas me permitirem tecer.