Você já deve ter sentido a estranha sensação de que o seu dinheiro não está valendo muita coisa ultimamente. Não é apenas uma impressão. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação para os consumidores brasileiros, chegou a 9,68% no final de agosto. Foi o maior índice nos últimos 21 anos.
O aumento de preços da economia, alimentado pela alta do dólar, dos combustíveis, dos alimentos e da energia pesa no bolso do consumidor. Diferente de outros ciclos inflacionários pelos quais o país já passou, o atual é alavancado por choques do lado da oferta: a seca, o dólar, o petróleo.
Além da alta no preço dos alimentos, a energia elétrica e o combustível também reagem aos preços internacionais e às secas que causam a atual crise hídrica no Brasil. Depois da bandeira vermelha patamar 2, a bandeira escassez hídrica (49% maior que a anterior) entra em vigor e deve ser cobrada pelo menos até abril do próximo ano. A situação crítica dos reservatórios também acendeu um debate sobre os riscos de apagão e racionamento no país.
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Na ponta final dessa cadeia, o consumidor sente o peso de um mercado instável seja na conta de luz, na bomba de combustível e nas prateleiras do supermercado. O aumento no preço de itens básicos para a sobrevivência – aqueles que compõem a alimentação básica do brasileiro, por exemplo – foi registrado em 11 capitais do país. No mês de setembro, a cesta básica registrou aumento médio de 3,5%, comparado ao mês de agosto, em boa parte das capitais brasileiras.
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Teresinha de Jesus Silva, dona de casa aos 45 anos, revela que a família passou a viver no vermelho. “Ou a gente come ou paga as contas”, revela. “Aqui é preciso escolher o que fazer quando o dinheiro aparece. A alimentação nunca mais foi igual”, desabafa. “A gente procura trazer para casa somente o essencial e procurando produtos com valores menores, muitas vezes de baixa qualidade”, comenta.
Comendo hoje para pagar amanhã
O Brasil fechou o primeiro semestre deste ano com o maior percentual de famílias endividadas desde 2021. Em junho, 69,7% das famílias brasileiras estavam endividadas – um crescimento de 2,5% em comparação ao mesmo período no ano passado.
Com foco neste público, a iniciativa de pessoas cujas fontes de renda foram impactadas pela pandemia tem oferecido a compra de produtos da cesta básica fora dos grandes supermercados ou redes de atacarejo. O casal Ana* e Mateus* trabalha atualmente com a venda, de porta em porta, das cestas básicas em bairros periféricos de Teresina. “Foi uma alternativa que encontramos para gerar mais renda”, revelam. “Investimos na compra dos produtos, montamos a cesta e saímos fazendo a entrega. Algumas pessoas compram à vista, outras a prazo (assinando promissórias) e assim vai dando certo. Tem sido lucrativo”, explicou Ana Lúcia.
Claudia Santos* tem se ocupado da mesma atividade – mas expandiu para dois municípios do estado. “Eu fiquei desempregada durante a pandemia, resolvi pegar minhas economias e comecei a comprar e revender alguns produtos”, explica. “Passei a montar as cestas de alimentos que levo, toda semana, e vendo em duas pequenas cidades onde tenho conhecidos e parentes”, comentou.
A opção mais econômica custa em torno de 300 reais – valor que pode ser pago em parcelas no cartão de crédito ou na modalidade promissórias. A opção acaba sendo uma saída para pessoas sem crédito ou conta em banco, que compram os alimentos para pagar a juros. “Mas damos preferência em vender para aposentados, pensionistas ou pessoas com carteira assinada, devido a grande inadimplência por causa dessa crise que todo mundo está passando”, diz Ana*.
Os itens primordiais na mesa do brasileiro – arroz, feijão e carne – ficaram mais caros nos últimos meses. Confira o levantamento feito pelo oestadodopiaui.com de quanto uma família cuja renda corresponde a um salário mínimo tem seu orçamento comprometido apenas com os gastos considerados essenciais:
Combustível: o grande vilão
Abastecer o veículo ou adquirir o gás de cozinha são, atualmente, os vilões no orçamento do brasileiro. De acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o valor da gasolina subiu durante oito semanas consecutivas, entre agosto e setembro no país. Paralelo a isso, o poder de compra da classe C tem diminuído.
A situação é motivo de reclamações e tem contribuído para ações no estado em prol da redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), como o “Dia Livre de Imposto”. A mobilização dos empresários donos de postos de combustível, diminuindo por algumas horas o valor do litro da gasolina comum, quis chamar atenção para a tributação em cima do produto. Mas, apesar da alíquota referente ao imposto representar 31% do valor pago pelo consumidor da gasolina em Teresina – a mais cara do Nordeste e a segunda do país – o economista Jivago Ribeiro Gonçalves explica que o aumento do preço não é referente ao imposto, mas a um conjunto de fatores do mercado, desvalorização cambial e elevação dos biocombustíveis.
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“O ICMS não é o problema”, afirma. “Os governadores não aumentaram a alíquota do ICMS eles mantiveram a mesma, o preço dos combustíveis não está aumentando por causa disso”, diz o especialista. “Na situação fiscal dramática em que estados, é muito complicado municípios e até o governo federal pensar em cortes de impostos”, complementa. O economista explica que cortar a principal fonte de arrecadação estadual poderia ocasionar um colapso fiscal, além de deterioração da própria estrutura do governo.
Mas por que tão caro?
Para além da crise sanitária, a pandemia provocou uma crise econômica mundial. No caso do fornecimento do petróleo, a queda na circulação de pessoas obrigou as Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) a diminuírem a produção de barris de petróleo que, na época, era cotado em US$ 40,00 – agora está em torna de US$ 80,00 (aproximadamente 454,00 reais).
Com a queda na produção, houve também uma redução dos lucros. Agora, com o aumento da vacinação da população mundial e retomada das atividades econômicas, a OPEP tem segurado a extração da matéria prima visando os lucros com o aumento da demanda. A previsão é de que a produção cresça apenas em 2022, sob pressões políticas. Até lá, os preços continuarão altos e, assim como outros países, o Brasil corre o risco de ficar sem o produto, como já alertou a Petrobras.
Outro fator que explica o aumento dos derivados do petróleo no país é a desvalorização cambial. O Brasil ficou em 4º lugar no ranking dos países onde a moeda mais se desvalorizou. Em 2020 a desvalorização foi de 10,2%.
A desvalorização do real está relacionada a fatores externos, como a expectativa de aumento de juros dos bancos europeus e estadunidenses; como a fatores internos, relacionados à crise institucional do país, que carrega no histórico recente um processo de impeachment, polêmicas relacionadas ao atual presidente e ausências de políticas para preservação ambiental – fatores que geram desconfiança de investidores.
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O economista Jivago Ribeiro Gonçalves aponta que essa desvalorização contribui para o aumento do preço dos combustíveis. “Quando importamos combustível, pagamos em dólar e, quanto mais desvalorizado estiver o real, pior será, porque vamos precisar de mais dinheiro para adquirir o mesmo barril de petróleo”, explica.
Após o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, Michel Temer instituiu uma Política de Preços Internacionais (PPI) que se mantém no governo de Jair Bolsonaro e ajuda a compreender a influência do mercado internacional no país. O reajuste dos combustíveis no Brasil varia de acordo com a cotação do dólar, diferente do que acontecia no governo anterior, quando os valores sofriam intervenções do estado, não chegando ao consumidor final.
A crise climática também tem interferido na oferta do petróleo. Com a desregulação enfrentada no último ano, plantações que originam o biodiesel, combustível renovável, foram afetadas, acarretando no encarecimento do material e, consecutivamente, do petróleo. Todos esses fatores juntos impactam no valor final visto nas bombas do Piauí e do Brasil.
*Nomes verdadeiros ocultados a pedido dos entrevistados.
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