Com dois rios que banham a capital piauiense, a relação de Teresina com as águas vem se modificando com o tempo. “No começo, quando a cidade foi criada, esse laço era intenso. O dia a dia muitas vezes faz com que não notemos o rio, mas a relação ainda existe”, comenta a arquiteta e urbanista Karenina Matos.
Para Cacau, apelido de Antônio Carlos Gomes da Silva, essa relação é diária. O pescador fez das águas dos rios a sua fonte de renda. Ele fala com muito gosto que se sentiu realizado na vida quando jogou a rede de pesca no rio. Corrigindo, rios, no plural. No Parnaíba, o pescador vai de vez em quando, e no Poti, com mais frequência.
De segunda a sábado, Cacau sai de casa com o compromisso de voltar trazendo o que vai gerar dinheiro para pôr comida na mesa. A pesca tem hora marcada: 7h da manhã e sempre chega ao fim às 14h, geralmente com piabas, manjuba e branquinha nas redes.
Mas esse ano, a pesca está mais fraca do que nos anos anteriores, enquanto que a poluição nas águas aumenta de forma acentuada. Aos 47 anos, Cacau relembra o passado com muito orgulho quando desde a infância, cultiva o contato com os rios: “Antigamente, dava até gosto de banhar. A água era limpinha”. Dos dois rios, o mais poluído é o Poti. “Tempos atrás, o Poti tinha mais peixe. A poluição tá acabando com ele”, lamenta Cacau que quer o rio limpo, navegável e com vida.
A degradação dos rios afeta a sua relação com Teresina, cidade banhada pelo Parnaíba e o Poti. Para a pesquisadora Karenina Matos, as ações de proteção e preservação dos rios devem ser entendidas como uma responsabilidade coletiva, tanto do poder público que legisla e determina áreas de preservação, quanto dos habitantes que integram a capital. “O poder público tem esse papel, mas nós, como moradores, somos participantes dessa proteção”, argumenta.
A pesquisadora também lembra o papel da universidade nessa discussão. Como um espaço de ideias e debates, a academia pode ensinar a importância dos rios como o integrante social e um elemento histórico da cidade: “Saber um pouco da história de Teresina, já faz com que a gente cuide dos rios. Então há um papel educativo, de dizer a importância desse elemento na cidade”.
“Cresci e vivi nas margens dos rios”, relembra dona Raimundinha
Como na vida de Cacau, a relação de dona Raimunda Teixeira da Silva, artesã, com os rios também começou na infância, quando morava no bairro Santa Maria da Vassoura, na época, zona rural de Teresina e fazia compras na comunidade Poti, onde foi morar anos depois.
Com a mãe viúva, passando por dificuldade financeira, Raimunda começou a trabalhar para ajudar na renda de casa. Nesse período, a comunidade do Poti possuía duas principais fontes de trabalho: a pesca e a produção de tijolos. “Homens faziam o tijolo comum e mulheres e crianças carregavam na cabeça enfornando”, explica. Dona Raimundinha, como é conhecida, passou boa parte do tempo ajudando nessas tarefas, que eram exercidas próximo ao encontro dos rios, onde Poti e Parnaíba se abraçam.
No final do dia das olarias, tal qual em vida de criança e adolescente, tomava banho nas águas. Na beira das águas, pulava e pescava: “Cresci e vivi nas margens dos rios”, relembra. Depois de adulta, foi morar exatamente na rua do Polo Cerâmico. No vai e vem do local, aprendeu um novo ofício, o de artesã. “Na olaria tinha algumas pessoas que trabalhavam com artesanato e eu me interessei. Fui me aperfeiçoando até colocar uma prateleira com os produtos na minha casinha de taipa”, relata.
Dona Raimundinha, como também é conhecida, tem como matéria prima do seu trabalho a argila. Ela foi uma das primeiras artesãs a expor seus produtos no Parque Ambiental Encontro dos Rios, na zona Norte da cidade. “A minha história se mistura com a do Poti Velho e faço tudo com muito amor. Amo trabalhar e morar perto dos rios”.
Sobre a situação dos Rios, Raimundinha compartilha a sua visão: “Quando cheguei aqui, o rio era a coisa mais linda do mundo. Mas agora a gente vê os nossos rios muito degradados, muito poluídos”, lamenta.
Hoje, com 58 anos, faz peças inspiradas nos rios, retratando a história das mulheres artesãs em uma coleção de bonecas de cerâmica: “Sempre quando o homem tá pescando tem a esposa ou a filha pra ajudar a remar ou limpar o peixe. A figura da mulher está sempre envolvida na pesca e na vida dos rios”, comenta ao explicar as inspirações que fizeram surgir a coleção de bonecas.
A artesã também participou de outras homenagens voltadas para as mulheres do bairro envolvidas com cerâmica, que era uma atividade entendida como masculina, mas que a partir dos anos 90 foram ocupadas por mulheres. Também atuou como presidente da Associação dos Artesãos em Cerâmicas do Poti Velho (ACEPOTI) por oito anos e, ainda hoje, reúne mulheres com histórias semelhantes às suas.
0 comentário