O dia amanheceu colorido nesta quarta-feira. De repartições públicas, a empresas e postos de gasolina, muitos exibiram uma bandeira com as cores do arco-íris para representar a diversidade. As redes sociais exalavam cores e a imprensa lotou seus quadros com representantes da comunidade LGBTQIAPN+ para tratar do Dia Internacional do Orgulho, comemorado neste 28 de junho. No entanto, amanhã o sentido monocromático das relações de trabalho voltará, as redes sociais exibirão as coisas de sempre e poucos desses ou dessas personagens irão ser chamadas novamente para tratarem de um tema que não seja a sexualidade. Isso é só mais uma microagressão, assim como o nome de uma pessoa trans numa identidade ser tratado como “nome social”, o que não ocorre nos documentos de uma pessoa cis, no qual um nome é um nome, sem mais.
O Dia do Orgulho (28/06) foi instituído em homenagem a uma data de um conflito marcante na história da comunidade LGBTQIAPN+ ocorrido em 1969 um bar frequentado pelo público homossexual, localizado na cidade de Nova York, nos Estados Unidos. O local foi invadido por policiais, que prenderam várias pessoas com a justificativa de cumprimento de uma lei que proibia a homosexualidade. Na ocasião houve muita violência, além de muitas prisões, o que gerou a revolta dos frequentadores. O episódio ficou conhecido como revolta de Stonewall (o nome do bar) e repercutiu no mundo inteiro, culminando em manifestações por diversos anos exigindo direitos e igualdade.
As manifestações trouxeram à tona a pauta de direitos da comunidade LGBTQIAPN+ a todo o mundo, com várias organizações fundadas nos Estados Unidos, marcando o início da representatividade do grupo na sociedade civil. A partir de então, diversas conquistas foram somadas, mas ainda há muito a se conquistar.
Nos últimos quatro anos no Brasil, devido um governo conservador, as pautas progressistas e de direitos de pessoas LGBTQIAPN+ eram discutidas com muita dificuldade, mas mais do que a discussão na esfera política, é preciso modernizar o pensamento da sociedade sobre o tema, ainda mais depois dos dados alarmantes sobre a violência. De acordo com o Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, somente no ano de 2022 ocorreram 273 mortes LGBT de forma violenta, sendo 228 foram assassinatos, 30 suicídios e 15 outras causas. Isso corresponde a uma pessoa LGBT morta a cada 32 horas. Em 2021 os números foram ainda mais preocupantes, chegando a 316 assassinatos.
Para tirar o país desse abismo vergonhoso, são necessárias políticas públicas e debate social. Isso é o que avalia o produtor cultural e multiartista Richard Henrique. Para ele, o debate tem que ser intenso e não somente nas datas que a luta é lembrada. “Ultimamente o estado tem ignorado nossas pautas. O Rafael Fonteles foi uma escolha necessária, mas a gente espera que dentro do governo ele possa trabalhar as pautas, porque somos quase 400 mil LGBTQI [APN+] no estado do Piauí. Hoje temos movimentos em diversos lugares, em todos os municípios. Vamos ter a segunda Parada da Diversidade de São Raimundo Nonato e isso é uma conquista muito grande”, destaca.
No entanto, mais do que serem lembrados na luta pela causa, pessoas LGBTQIAPN+ querem ter o reconhecimento simples como profissionais, como pessoas além da sua sexualidade. A travesti Muriel Meangi é estudante de moda, tatuadora e artista visual e já foi chamada para duas palestras, mas nenhuma sobre seu trabalho. “Quando sou chamada para palestrar sempre é sobre as nossas lutas, sobre o que eu passo. É um pouco mais difícil falar sobre meu trabalho, porque sou artista, faço desenho, pontilhismo, tatuagem e na moda. Fico um pouco presa a falar só desse assunto e não o que eu sou, porque sou muitas coisas fora disso”, destaca.
Para Richard, apesar de ser importante para a causa, trazer pessoas LGBTQIAPN+ para a pauta somente nessa época ou com assuntos voltados apenas para a sexualidade é só mais uma violência e acaba diminuindo muito o trabalho de quem só quer ser tratado normalmente. “Falar sobre nossa vivência nessa data já é uma microagressão, porque não chamam a gente pra falar sobre nossa arte, sobre nosso trabalho. A bandeira é maior do que o que fazemos”, acrescenta.
Falar sobre nossa vivência nessa data já é uma microagressão, porque não chamam a gente pra falar sobre nossa arte, sobre nosso trabalho. A bandeira é maior do que o que fazemos
Essas microagressões também afetam a vida profissional de pessoas LGBTQIAPN+, que acabam sendo vistas como personagens carnavalescas desrespeitadas na relação de trabalho, algo que requer uma discussão ainda mais ampliada e que envolve aspectos sociais e políticos. No entanto, é possível diminuir os danos com preparação. A analista de Recrutamento e Seleção da Carreira RH, Gleyciane Viana, explica que hoje muitos profissionais se destacam sem serem lembrados da sua sexualidade, algo que requer um treinamento da equipe e, principalmente, doses de empatia e muito respeito. “Hoje, principalmente no RH, é necessário termos sempre treinamento com pessoal, capacitação do time, além de cursos de recrutamento com responsabilidade e inclusão. Assim construímos uma relação de trabalho mais saudável e acolhedora”, frisa.
E apesar de muita luta e muitos direitos conquistados, ainda falta muito para o ideal em todos os tipos de relações, sem a necessidade de ter um nome numa carteira de identidade identificado como “nome social”, mas simplesmente o nome. “É um passado que a gente deixa pra trás. Hoje sou outra pessoa”, finaliza Muriel, que traz uma fala de Richard durante uma palestra e que diz: “Tudo que vocês são, nós também somos”.
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