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Uma cidade para todo mundo

Na semana do Orgulho LGBTQIA+, #MonteArcoíris ganha intervenções de artistas trans e não-binárie

27 de junho de 2022

Antes de chegar na Rua Tote Carvalho, uma imensidão de cores toma a vista. As bandeiras do arco-íris se misturam à cor do céu. A escadaria do bairro Monte Castelo, tomada pelo matagal e pela sujeira há cerca de quatro décadas, agora é a porta de entrada para uma vista privilegiada na região sul de Teresina. Mas também guardam um outro significado: no mês de junho, quando se comemora o Orgulho LGBTQIA+, as cores viram uma mensagem de respeito e valorização das diferenças. 

Richard: “População LGBTQIA+ pode estar em todo lugar” (Foto: reprodução do Instagram)

Ao lado da escada, os muros também se tornaram telas. A primeira imagem grafitada foi a figura feminina, de olhos fechados e com cabelos voando, ao lado da frase: “O amor cura”, das artistas Maria Simone (@msgraffitithe) e Karine Silva (@kah4arte). 

A foto dessa pintura e de toda a escada chamou atenção dos amigos Ayan Gomes – ou Trix -, Armando Angelim e Richard Henrique. Eles ficaram animados com a ideia de um lugar na periferia da cidade que estivesse pensando na visibilidade LGBTQIA+ em Teresina. “É uma ruptura, uma arte na cidade mexe com a família, mexe com tabus”, explica Trix, artista e não-binárie. 

Leia mais: Escadaria no bairro Monte Castelo ganha cores e mirante vira novo ponto turístico em Teresina

Para fazer parte da intervenção artística na escadaria do #MonteArcoíris – nome escolhido pela comunidade para o novo espaço -, os artistas desenharam um painel com arte trans e não-binárie. O termo trans é utilizado para se referir a uma pessoa que não se identifica com o gênero ao qual foi designado em seu nascimento. Não-binárie, explica Trix, é um termo “guarda-chuva”, contemplando a fluidez entre os gêneros ou a completa ausência dele (agênero). A nomenclatura serve para abarcar experiências de pessoas que não se entendem dentro do gênero masculino ou feminino. 

Para a arte, o grupo usou as cores da bandeira trans e não-binárie (azul, rosa, branco e lilás). “O olho é essa representação de enxergar o outro para enxergar a si mesmo. Aqui, vejo que meu mundo é feito de cores”, destaca o artista Trix.  

Armando, Richard e Trix: um ponto turístico para toda a população (Foto: reprodução do Instagram)

O muro contém a imagem de um boneco feito de cores, mas sem expressões ou forma. Richard, que produziu o desenho, aproveitou a ausência de dois blocos de tijolo na parte superior do muro para encaixar as mãos do desenho – ao longe, parece que o corpo, sem gênero, segura a cidade com as mãos. “Ele está em diálogo com a cidade, é um corpo de resistência”, explica o produtor cultural. A arte foi inspirada no trabalho de Keith Haring, grafiteiro que incluía alusões de gênero e sexualidade em suas pinturas. “É muito bom quando a gente consegue colocar isso na cidade, para a comunidade e outras pessoas entenderem que a população LGBTQIA+ pode estar em todo lugar”, complementa. 

Pela primeira vez, Armando Angelim participou de uma intervenção artística. Sendo “grafiteiro por um dia”, o professor acredita estar colorindo a cidade com as cores da sua bandeira. “Tenho me definido como: Homem Trans Pansexual e tem sido incrível me encontrar enquanto sujeito e corpo social”, comento. “Vamos espalhar nosso brilho por aí”.

Intervenção artística ganhou o nome de #MonteArcoíris (Foto: Regis Falcão)

A novidade de uma escadaria com as cores da bandeira LGBTQIA+ não tem demorado a se espalhar. Logo menos, casais e amigos da comunidade visitam o lugar para tirar fotos, conversar ou apenas admirar os grafites. A ideia é que o lugar se torne ponto turístico para toda a população mas, sobretudo, que as pessoas possam contemplar a cidade com calma e respeito às diversidades. “Um lugar como esse faz a gente pensar que é possível aqui, mas em qualquer outro espaço. A missão agora é ocupar a cidade, com todas as cores”, finaliza Trix. 

Urbanismo tático

O #MiranteArcoíris começou a ser pintado há dois domingos – mas, a ideia de transformar um espaço da cidade através da arte urbana já vinha de algum tempo, quando um grupo de amigos e empresários se uniu para executar a ideia. “Larissa Maia me falou desse ponto da cidade e eu fui juntando pessoas que pudessem, cada uma delas, contribuir com o seu trabalho”, conta Pedro Veras, o nome por trás da intervenção.

Figura feminina exaltando a liberdade (Foto> Regis Falcão)

Muito sol e tinta depois, a escada – que antes não passava de um amontoado de degraus deteriorados e servindo para acúmulo de lixo – virou um novo cartão-postal para apreciar a vista de um dos pontos mais altos da cidade. “A ideia não é tomar um papel que é do poder público”, critica Pedro. “Mas se a gente, como habitantes da cidade, pode fazer alguma coisa, por que não?”

Juntou-se ao grupo moradores da rua, crianças, curiosos e mais gente interessada em participar. Iniciativas assim, que põem a população como protagonista, já são conhecidas nos meios de arquitetura como “urbanismo tático” – uma espécie de “faça-você-mesmo” de comunidades onde o poder público demora a apresentar soluções para problemas relativamente simples. 

As ações do urbanismo tático costumam ser, como a ação da escada, espontâneas, criativas e de pequena escala – mas visam algo grande, como a mudança de comportamento, de cultura, e de uso dos espaços. “Sempre foi uma escada abandonada, a prefeitura botava uma grade, populares roubavam”, conta Juliana Kelly, moradora da rua há mais de 20 anos. “Teve um vereador que queria quebrar e abrir como rua asfaltada”, seguiu contando. “Fomos totalmente contra”.

Projeto da Hela Arquitetura: arte urbana e paisagismo dando vida a escada (Foto: reprodução Instagram)

Antes de virar realidade na escada, a ideia existiu em projeto da arquiteta e urbanista Hermana Carvalho. “Pensar em um projeto urbano assim é pensar nas pessoas e suas diferentes rotinas”, explica. “Pessoas que moram ali perto ou que apenas passam, mas que de alguma forma tem ali um cenário da sua vida, independente da idade, sexo, religião”, continua. “Os espaços públicos devem ser democráticos”. 

Leia mais: Muralismo, expressão de arte urbana, transforma espaços nas cidades através das cores do grafite

Criar um ambiente melhor planejado e seguro, visando melhorias e mudanças que podem ser vividas na prática é um dos focos do urbanismo tático. “Requalificar a escada traz  melhor convivência entre as pessoas, mais circulação, faz a cidade ter vibração”, observa a arquiteta, que também ressaltou um movimento cada vez mais forte de pessoas pensando em ferramentas urbanas para pessoas, como fechamento de vias para pedestres e mais atividades ao ar livre. “Acho que Teresina ainda precisa de mais”, finaliza Hermana. “Mais intervenções e mais opções de lazer”. 

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