“No dia da vacina da minha mãe, tanto ela, quanto eu, estávamos ansiosas”, diz Joelfa Farias. Ela e a mãe foram até o Terminal Livramento, um dos pontos de vacinação próximo de onde moram. “Chegando lá tinha uma fila tão grande que estava dando no Mercado do Peixe”, descreve a assistente social.
No local, Joelfa, com o celular, registra o momento em que a mãe, Elcira Farias, de 69 anos, recebe a agulhada no braço. “Eu resolvi gravar para relembrar e ficar guardado na história esse momento de cura”, explica. “Ainda tem muita gente resistente a tomar a vacina”, continua falando. “O vídeo é pra reforçar que isso é um ato político, já que influencia outras pessoas a se vacinarem e reforça a campanha de vacinação”. Em seu perfil no Instagram, o vídeo e a foto sorrindo ao lado da mãe receberam a legenda: “Minha rainha vacinada. 1ª dose. Obrigada meu pai Xangô e meu pai Zé Pretinho”.
Para Joelfa, a vacina é sinônimo de esperança: “Parece que a gente tá vendo a luz no final do túnel, depois de tantos dias de neblina e escuridão”, comenta. “É a esperança de não perder as pessoas que a gente ama”.
As redes sociais estão sendo tomadas por postagens com fotografias e vídeos de pessoas se vacinando. Esse conteúdo de mídia é, no geral, acompanhado por frases e manifestos pela chegada do imunizante para todos: #VemVacina, #VacinaSim e #VivaoSUS são as hashtags mais usadas, chegando a mais de 200 mil publicações. Além da legenda, os protestos também aparecem em camisetas e cartazes estampados na fotografia: “Defenda o SUS” e “Ele Não” são alguns dos principais apelos.
O SUS da questão
Junto à chegada da única possibilidade de prevenção da doença provocada pelo novo coronavírus, o movimento antivacina volta a surgir e, assim, constrói mais um capítulo “esquisito” da recente história do Brasil. Pelas redes sociais, o discurso retrógrado também dá sinais de vida.
No artigo “Movimento antivacina usa os mesmos argumentos há 135 anos, aponta cientista”, Paula Larsson, doutoranda do Centro de História da Ciência, Medicina e Tecnologia da Universidade de Oxford, diz que desinformação e teorias de conspiração ainda persistem na narrativa usada pela turma antivacina. A minimização da doença e a legitimação do discurso negacionista através de falas de autoridades ainda são usadas como ferramentas.
As práticas não são novas e mudaram pouco com o tempo. Fake news, por exemplo, conteúdos produzidos para semear a dúvida e a desinformação entre a opinião pública, colaboram para criar medo e desconfiança. Em paralelo a isso, outro grupo de pessoas tenta pôr luz nesse caminho do obscurantismo, e manifesta seu apoio à campanha de vacinação.
O piauiense José Teófilo Cavalcante, 63, participava da 8ª Conferência Nacional de Saúde em março de 1986, em Brasília. A pauta principal eram os moldes e diretrizes para um novo sistema de saúde, descentralizado e único. No final da década de 70 para 80, criou-se no Brasil o Movimento pela Reforma Sanitária Brasileira.
José Teófilo conta que, antes da criação do SUS – o Sistema Único de Saúde, criado em 1990 para democratizar o acesso à saúde pública no Brasil -, a saúde não era compreendida e colocada como um direito de todos, nem tampouco como dever do Estado. Para ter acesso a consultas, tratamentos ou exames era necessário pagar por cada atendimento. Somente pessoas empregadas com carteira assinada tinham sistema oferecido pelo governo, cujo órgão responsável era o Instituto Nacional de Assistência Técnica da Previdência (INAMPS).
No Piauí, José Teófilo, funcionário do INSS, integrou o movimento Pró-SUS, que envolvia vários sindicatos, incluindo o Sindicato dos Trabalhadores Federais em Saúde e Previdência Social do Estado do Piauí (Sintsprevs-PI), do qual ele fazia parte da gestão. A história viva na memória de José Teófilo nem sempre é lembrada pelos brasileiros. “Tudo que tem sido feito hoje para combater esse vírus tem sido feito pelo SUS”, alega o militante.
Quando chegou sua vez de ser vacinado, José Teófilo não perdeu a chance de defender seus ideais: “Muita gente botou camisa, mas eu não mandei fazer”, lamentou. “Aí improvisei com uma placa: Viva o SUS. Acredite na ciência”.
Pedro Júlio, 29 anos, assim como José Teófilo Cavalcante, aproveitou o momento da vacina para protestar. O professor universitário e técnico em multimídia na UFPI tomou sua primeira dose no dia 2 de junho. Carregou consigo uma plaquinha, demonstrando seu apoio ao trabalho desenvolvido pelo SUS. Mas a intervenção também trazia outros motivos: “Primeiro incentivar as pessoas a irem se vacinar, porque é importante a gente conseguir superar esse momento, tem que ser um esforço coletivo”, afirmou. “O segundo é mostrar alguns desses nossos descontentamentos com as gestões do governo federal em relação à educação, ciência e negacionismo, e mostrar nossas vozes contrárias a esses dizeres falaciosos sobre a vacina, que desmontam a educação”.
0 comentário