Fazer a família crescer é sempre um ato de espera – seja na gestação biológica ou no processo de adoção, a chegada de um novo membro ao lar é um verdadeiro parto. Se partos naturais podem se estender, às vezes, por muitas horas, mães e pais de filhos adotivos colecionam histórias de esperas igualmente angustiantes, em processos demorados que podem levar dias, semanas e às vezes até meses.
A lentidão no andamento dos processos de adoção sugere tempo considerável para que candidatas a mães e pais conheçam e até desenvolvam laços com crianças e adolescentes abrigadas em lares de adoção. O problema é que apenas o estabelecimento de um vínculo não garante a efetivação jurídica da adoção. Em essência, o processo costuma ser demorado e em muitas etapas, que podem ou não resultar num final – ou, por que não, recomeço – feliz.
O Diagnóstico sobre o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), de 2020, aponta que 43,5% das ações ultrapassaram o prazo máximo de conclusão dos processos – que, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, deve ser de 120 dias, podendo ser prorrogado uma única vez por igual período. A média nacional de espera chega a 10,5 meses, que compreende o período entre o início do processo e a data da sentença de adoção.
No Piauí, essa realidade segue a regra. O estado é o terceiro do país que mais ultrapassa o tempo determinado pelo ECA, com 88% das adoções finalizadas após 240 dias. No ano passado nenhum processo foi concluído em até 120 dias. O tempo médio de espera é de 10,3 meses.
O Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) foi criado em 2019 para facilitar o registro de dados sobre a adoção no Brasil. Anteriormente, os dados quanto às adoções eram contabilizados em dois sistemas distintos: o Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e o Cadastro de Crianças e Adolescentes Acolhidos (CNCA).
Segundo Francimélia Nogueira, fundadora e coordenadora do Centro de Reintegração Familiar e Incentivo à Adoção (CRIA), a demora na conclusão dos processos de adoção se dá em razão da impossibilidade da Justiça em atender a alta demanda das solicitações, que vão desde o início do processo de adoção até a entrega da criança para os pais adotivos.
“O poder judiciário não está devidamente equipado para atender as demandas nos prazos estabelecidos”, afirma a coordenadora, acrescentando que essa demora jurídica faz com que as crianças cresçam dentro dos abrigos. “Elas nem voltam para suas famílias de origem, nem são disponibilizadas para a adoção”, aponta. “Este é o grande nó dentro dos processos”.
Em razão disso, apenas 48 das crianças e adolescentes em abrigos no Piauí estão livres para adoção, o que corresponde a 19,8% do total de 242 crianças – acolhidos em 14 abrigos e lares no estado. Enquanto isso, 101 pretendentes esperam sua vez para adotar, segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento do CNJ.
Para Fabrício Barbosa, 45 anos, a espera para a oficialização da adoção do seu filho chegou a durar cinco anos. “A demora foi em razão do processo de destituição familiar dele, que não tinha sido concluído, e que tive que aguardar”, explica. Pai solo, o assistente social cultiva o desejo de adotar desde que teve contato com a temática, ainda na universidade – mas somente aos 38 oficializou esse desejo. “Esse foi o passo mais assertivo que dei na minha vida”, afirma. O perfil definido da criança, com idade, sexo ou raça, não era uma exigência dele. “O desejo que tinha era de ser pai e poder garantir o direito de uma família para a criança”, lembra. Mas, quando viu o pequeno João Henrique, foi invadido por um imenso amor.
A vontade de adotar também foi um desejo compartilhado pelo casal Katiuscia Santana, 45 anos, e Kellyane de Sousa, 36 anos. “Na minha família eu tenho muito histórico de adoção, então isso é algo muito natural”, explica Katiuscia. As duas adotaram dois bebês recém-nascidos em datas muito próximas: Jorge Miguel e Laura Anielly, que atualmente têm quatro anos de idade. “Mesmo adotados separadamente, hoje eles são unha e carne, são muito unidos“, acrescenta Katiuscia.
Pretendentes aguardam finalização do processo de adoção
Com a demora da Justiça em atender e responder aos processos de adoção, as crianças e adolescentes seguem sem perspectiva concreta e palpável para o futuro. “É como se elas vivessem no limbo”, lamenta Francimélia Nogueira, defendendo em seguida a necessidade das crianças terem o direito à vida em família cumprido. “Muitas crianças vão para os abrigos porque sofreram alguma violação de direitos, seja porque estavam sendo maltratadas, negligenciadas, abusadas sexualmente, ou porque foram abandonadas”, comenta. “Se elas têm que ser retiradas por essa medida de proteção, que elas aguardem, então, em um outro ambiente familiar”, observa.
Como pretendente, Indira Arrais, 35 anos, espera a adoção há pouco mais de um ano. Com o processo, iniciado em janeiro de 2020, a psicóloga começou duas gestações simultaneamente. “Eu decidi tentar ser mãe pelas duas vias. Assim que dei entrada no processo de adoção, eu engravidei”, explica.
Com a gravidez, a adoção veio com o sentimento de tensão. “Confesso que quando engravidei foi meio assustador porque foi quando o processo de adoção começou a andar de verdade”, conta. “Passamos pela primeira etapa do curso online e depois a entrevista com a assistente social”, diz detalhando.
14 dias após o nascimento de João Antônio, a aflição deu espaço para a calma. “Ter engravidado acalmou muito meu coração”, comenta. “A expectativa é de que o processo da adoção seja encerrado mais para frente, quando conseguir me organizar melhor”, conta, sem perder a esperança de conseguir também um outro filho. “Meu coração sabe que existe um filho meu por aí que vai chegar na minha casa no tempo certo, sem muita pressa”, conclui.
Ela e o esposo, Márcio Alencar, funcionário público, aguardam entrar oficialmente na fila da adoção para realizar o desejo de adotar uma criança entre 3 e 5 anos, segunda maior faixa etária de crianças em processos de adoção no Brasil nos últimos anos, segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento. A primeira faixa mais procurada é de 0 a 3 anos.
A espera está cada vez menor para o casal Alexandra Laim e Altair Laim, que entrou na fila de adoção em março deste ano. Desde 2017 o casal cultiva a ideia de adotar uma criança, mas foi apenas no ano passado que o processo foi oficializado. “A demora está acontecendo apenas agora, na busca pela criança que atenda a nosso perfil”, explica Alexandra. “Como temos um perfil definido, que vai de 0 a 3 anos e 11 meses, acredito que isso é o que pode estar dificultando o andamento do processo”, avalia, buscando explicações. Todas as noites o casal vai dormir se perguntando se na manhã seguinte vão receber a ligação que tanto esperam: o anúncio de que há uma criança livre para chamarem de filha.
Pandemia altera dinâmica dos processos de adoção
A quantidade de sentenças expedidas de adoção no Brasil caiu de forma significativa durante a pandemia. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, em 2020 houve uma redução de 26,4% na concessão de sentenças de adoção, se comparado ao ano anterior. Enquanto em 2019 houve 3.013 adoções, em 2020 esse número caiu para 2.216. A queda está associada às dificuldades de procedimentos que tiveram que ser adaptados durante a pandemia, bem como o fato de que o período crítico fez com que aumentassem as desistências de pessoas em adotar.
Ainda no início da pandemia, em 2020, diversos órgãos em conjunto com o Conselho Nacional de Justiça assinaram a Recomendação nº1/2020 com o objetivo de garantir a oferta dos serviços de Adoção e Acolhimento, além de evitar o fechamento das unidades de acolhimento institucionais. No mesmo ano, foi aprovado o ato normativo para que os tribunais passassem a realizar audiências e outros atos processuais, em uma tentativa de dar maior agilidade aos processos de adoção.
Atualmente, o Brasil conta com 29.792 crianças acolhidas em 4.841 lares e abrigos – e um total de 4.320 crianças disponíveis para adoção.
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