“Vale a pena fotografar sem ver o resultado?”, lança a voz, em uma pergunta retórica. “Vale”, encaixa em sequência. “Vale porque eu quero, vale porque eu posso”. A fala é de João Batista Maia, fotógrafo especializado em cobrir esportes. Ele prepara as malas para ir cobrir os Jogos Paralímpicos de Tóquio, em agosto deste ano. Suas câmeras flagram aquilo que seus olhos não veem: João tem deficiência visual.
Sua história ficou conhecida no mundo inteiro em 2016 – ele cobria os Jogos Paralímpicos no Rio de Janeiro, quando repórteres jornalistas de diversos veículos acharam curioso dividir a arena de imprensa com um fotógrafo cego. João foi destaque em mais de 30 jornais e sites nacionais e internacionais.
“Fui uma criança livre, de brincar descalço na rua, tomar banho no rio Gurguéia, roubando manga e goiaba”, diz, lembrando-se da infância em Bom Jesus, sul do Piauí, onde nasceu. Há 26 anos ele fez as malas rumo a São Paulo, onde vive até hoje.
A relação com a fotografia teve início ainda na infância e início da adolescência – aos 14 anos, ganhou uma câmera compacta, com apenas uma lente fixa. O contato com o pai de um amigo, que era fotógrafo, também deu pistas desse universo. Mais tarde, um professor do ensino técnico ampliou sua visão sobre a fotografia como linguagem. Apaixonou-se.
Filho de Francisco da Silva, o mestre Salim, e dona Luiza, João partiu do centro de Bom Jesus para o centro de São Paulo – lá trabalhou como despachante em escritório e também nos Correios – e só juntando grana dos trabalhos conseguiu comprar sua primeira câmera profissional, uma Zenit, russa, nada leve.
Em 2004, João começou a perder a visão por inflamações da uveíte bilateral – ele passou a perceber a visão embaçada e a enxergar somente vultos. Insistia em tentativas frustradas com a fotografia. Mas, alguns anos depois, percebeu que a comunicação dos jogadores e todas as mensagens sonoras proporcionadas por uma quadra de esporte seriam mais do que o bastante para seguir na profissão. “Fui descobrindo as possibilidades de fotografar usando as minhas percepções: audição, tato, olfato e descobri que eu poderia, sim, fotografar”, conta.
No caminho de descobertas, o fotógrafo acabou tornando-se também atleta: natação, corrida de rua, prova de velocidade – descobriu o arremesso de peso e lançamento de dardo e disco. A experiência no lado de quem pratica o esporte colaborou muito para sua sensibilidade como fotógrafo: perceber as ações e a distância espacial, por exemplo, foi essencial para saber a lente certa para clicar cada prática esportiva e ocasião.
Hoje, João roda todo o país com palestras sobre acessibilidade. “Inclusão não se faz somente chamando para a festa: tem que chamar também pra dançar”, diz, ao abordar a falta de inclusão na cultura, no esporte e no lazer . “A sociedade precisa rever seus valores, parar de ser capacitista”, critica. João está com uma vaquinha virtual em curso para arrecadar fundos que custearão sua ida para Tóquio este ano.
“Eu sou deficiente visual, mas posso ser o que eu quiser”, afirma. “Sou um fotógrafo e a visão não é o fator principal na minha fotografia”, explica. “O fator principal são as minhas percepções. Faço com a alma, com o coração e o amor, usando a audição e transformando tudo isso em imagem”.
Remando para o Japão
A quase 400 km da cidade natal de João Maia fica Picos, local onde nasceu Luis Carlos Cardoso. Aos 36 anos, ele é paratleta profissional e psicólogo. Foi até difícil contatá-lo e conseguir um tempinho para falar com nossa reportagem: Luis está em uma maratona de treinos incansáveis, preparando-se para suas próximas disputas que serão em Tóquio, no desafio mundial, daqui a dois meses.
Luís é hexacampeão mundial de paracanoagem e, desde os Jogos Paralímpicos do Rio em 2016, quando bateu na trave, sonha conquistar a única medalha que falta para a sua coleção. Em 2019, recebeu o troféu de melhor atleta da paracanoagem brasileira, prêmio entregue pelo CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro).
O paracanoísta saiu de Picos aos 16 anos para dançar profissionalmente. Passou por várias bandas de forró, foi dançarino do cantor Frank Aguiar e começou a sentir dores nas pernas e no corpo – em consultórios médicos, os vários diagnósticos que recebeu apontavam sempre para lesões causadas pela rotina de shows e apresentações. Em 2009, após uma infecção na medula, Luís perde o movimento das pernas, fato que o fez encerrar a carreira de dançarino. яндекс
Há dez anos o esporte surgiu para ele com o intuito de reabilitação – mas com o tempo as coisas foram mudando: “Jamais imaginei que seria um atleta profissional”, comenta. “Meu intuito era apenas melhorar tronco e mobilidade”, segue explicando. Mas a paixão pelo esporte trouxe uma série de campeonatos e disputas que o fazem perder a conta de troféus e medalhas no canoísmo.
Paratleta de carteirinha
Auricélia Nunes, 43, é apaixonada por esportes. Ela é paratleta e joga badminton. Na infância teve paralisia infantil, que ocasionou a perda dos movimentos da sua perna esquerda. Após um erro médico, em 2013, também perdeu o movimento da perna direita.
Após tornar-se cadeirante, durante um percurso no transporte eficiente, em outubro de 2015, conheceu Laise Santos, atleta do parabadminton, a primeira mulher a conquistar uma medalha internacional na modalidade para o Brasil. Até aqui, no quesito esporte, Auricélia só conhecia futebol e não se agradava muito. O contato das duas foi decisivo para o encontro de Auricélia com o esporte. Ganhou uma amiga e uma nova razão de viver.
Inicialmente começou por hobby. Divertia-se nos jogos e treinos. No ano de 2015 recebeu o convite de um técnico para participar de um campeonato, em Brasília – seria o primeiro de muitos que viriam. “É incrível como o mundo dá voltas”, relembrou. “Eu estava na cadeira de rodas sem nenhuma expectativa de vida e, de repente, eu conheço o esporte e ele muda totalmente a minha vida”.
A atleta, que apesar de ter nascido em Caxias, no Maranhão, sempre jogou representando o Piauí, hoje se tornou uma cidadã do mundo: está de mudança para o Pará, estado em que acredita encontrar maior apoio para seguir no atletismo. “Hoje eu não vou mais representar o Piauí. Estou em um clube onde tenho uma ajuda maior”, explicou. “Mas me sinto piauiense de coração e carteirinha”.
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Piauiense campeão mundial na paracanoagem disputa a modalidade nos jogos do Japão - O Estado do Piauí · 24 de agosto de 2021 às 14:05
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