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A polícia que morre

Um a cada mil policiais foram mortos no Piauí em 2020; taxa é a maior do Brasil

25 de junho de 2021

Um policial do Piauí foi morto na semana passada em Timon. A suspeita é de que o sargento José Carlos Vieira da Silva tenha sido assassinato em uma tentativa de assalto. Integrando a corporação há 30 anos, o sargento estava próximo de se aposentar. 

Em julho de 2020, Lídio Roberto de Sousa Mesquita foi morto a tiros durante um assalto ocorrido na Vila São Francisco, Zona Norte de Teresina. O soldado do 13º Batalhão da Polícia Militar do Piauí foi abordado próximo a um bar, onde dois homens o derrubaram da motocicleta que estava dirigindo. O policial morreu no local e os suspeitos levaram o veículo. 

Ao lembrar do ocorrido, o Tenente Jean, comandante da companhia em que Lidio trabalhava, se emociona. “Ele era um irmão, não deixa de ser um irmão de fato que estava comigo no dia a dia. Foi um baque muito grande. O batalhão ficou muito triste e ainda hoje sentimos muito a falta dele”, comenta. “Na época, eu que fiz a guarda fúnebre dele”, acrescenta.

Dois dias depois, outro policial foi baleado durante um assalto na mesma região. O capitão Adonias, que trabalhava no Hospital da PMPI, foi abordado por três homens na porta de sua casa. Ao tentar reagir, foi ferido e teve sua moto e arma levados. Internado às pressas no Hospital de Urgência de Teresina, o policial faleceu onze dias após o ocorrido.

Lídio e Adonias fazem parte dos 7 policiais mortos no estado durante o ano de 2020, dado contabilizado pelo Monitor da Violência que aponta o Piauí como o de maior taxa de mortes de policiais do Brasil. Um a cada mil policiais foram mortos em 2020 no estado que, atualmente, conta com 6 mil policiais militares na ativa, categoria mais vulnerável a mortes.

Leia mais: Déficit de policiais chega a 32% do efetivo no Piauí

Todos os policiais mortos no Piauí estavam em seu momento de folga. “Isso dá a entender que, muitas vezes, eles estão em sua própria região de moradia. E quer dizer também que muito dos policiais moram em uma região conflagrada e, como cidadão comum, está sujeito a esses acontecimento, como todos os outros”, observa José da Cruz Bispo de Miranda, especialista em segurança pública.

Atrás do Piauí, aparecem Rio de Janeiro (0,8), Pará (0,7), Mato Grosso do Sul (0,7). Apenas 4 estados não registraram mortes de policiais no ano passado: Acre, Paraná, Rio Grande do Sul e Tocantins. O dado é fruto de levantamento realizado pelo G1 dentro do Monitor da Violência, por meio de parceria do Núcleo de Estudos da Violência da USP e do Fórum de Segurança Pública. 

Apesar de ser uma taxa elevada e percentualmente bastante representativa, quando se considera o número absoluto, a quantidade de policiais mortos no Piauí acaba sendo menor do que a de seis estados, como São Paulo, que contabilizou 49 policiais mortos, e Rio de  Janeiro, com 44.

Em 2020, o Brasil teve 198 policiais assassinados. Desse total, mais de 70% estavam de folga. Esse dado revela um aumento de 10% em relação a 2019. Em contraponto, a quantidade de pessoas mortas por policiais no Brasil caiu 3%. Houve 5.660 pessoas mortas pela polícia em 2020, ante 5.829 em 2019. Ao todo, 17 estados registraram crescimento nas mortes por forças policiais.

Policiais não são treinados para se protegerem

A morte de policiais está associada a diversos fatores. Os principais, apontados por especialistas em segurança pública, são a falta de preparo para se proteger e a questão salarial. “O policial muitas vezes é treinado para reagir e não para se proteger. Quando ele está em serviço, o número de policiais mortos é menor porque há um treinamento para esse caso específico”, explica José Bispo de Miranda, cientista social e especialista em segurança pública. “Mas quando é para sua autoproteção e segurança preventiva, parece que ele não tem um preparo exitoso nesse sentido”, acrescenta.

Para outro especialista, a morte policial também pode se somar à falta de valorização do trabalho da polícia e a questão salarial. “A valorização profissional em diversos aspectos, tanto no treinamento quanto a questão salarial. Um policial treinado, bem remunerado, bem equipado, tem infinitas chances de melhor reagir”, aponta Reginaldo Canuto, major da Polícia Militar do Piauí e especialista em segurança pública.

A remuneração do policial militar no Piauí obedece a Lei nº 6.173/2012, que determina que o salário inicial de soldado é de R$3.100 reais, o que equivale a 2,8 salários mínimos. Para complementar a renda, muitos policiais trabalham prestando serviços de segurança privada, por exemplo, durante suas folgas. O pesquisador vê a atividade extra do policial militar como consequência desses fatores elencados para a letalidade da categoria. “A partir do momento em que você tem um salário digno, você não vai precisar fazer bico”, continua Reginaldo.

Em se tratando de qual patente é mais vulnerável, o Anuário de Segurança Pública de 2020, aponta que as mortes de policiais mantêm uma tendência observada em anos anteriores em que as mortes atingem mais os policiais militares do que os policiais civis. Isso se dá, segundo os pesquisadores, em razão do policial militar estar trabalhando diariamente nas ruas. “As mortes vão decrescendo à medida em que sobe a patente do policial; e, à medida em que desce a patente, as mortes aumentam”, considera José Bispo.

Ainda segundo dados do Anuário, o perfil  médio do policial assassinado não se distingue entre as vítimas de mortes violentas intencionais de modo geral. São maioritariamente homens negros, na maioria entre 40 e 49 anos.

Por conta da remuneração, os policiais muitas vezes moram em região periférica e com altos índices de violência. “Como fizemos um diagnóstico inicial de que muitas dessas mortes ocorrem na região periférica na condição de cidadão comum, creio que eles também estão sendo vitimizados pela falta de segurança pública. Porque a segurança pública mais exitosa nessas regiões não protege apenas o cidadão comum, mas o protegeria também como policial e cidadão”, conclui José Bispo.

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Categorias: Reportagem

Aldenora Cavalcante

Jornalista, podcaster e mestra em comunicação pela Universidade do Porto.

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