São cinco os principais tipos de violência doméstica sofridas por mulheres elencadas na legislação brasileira: física, sexual, patrimonial, moral e psicológica. Apesar disso, conforme a Lei Maria da Penha, apenas em casos verificados de risco iminente à vida ou integridade da mulher, em situação de violência doméstica, é que medidas mais duras de proteção, como a reclusão do agressor, podem ser tomadas.
Para tornar mais rígida e ampliar a legislação de medidas de enfrentamento e combate à violência contra mulher, o Senado aprovou o Projeto de Lei 741/2021, Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica e Familiar que, entre as ações, insere como crime no Código Penal, especificamente na Lei Maria da Penha, a violência psicológica. Para entrar em vigor o programa ainda precisa ser sancionado pelo presidente.
De acordo com a Lei Maria da Penha, a violência psicológica é uma conduta que causa danos emocionais e diminuição da autoestima com o propósito de degradar ou coagir um indivíduo e quase sempre se faz presente junto a outros tipos de violências.
Em 2020, pelo menos uma a cada quatro mulheres (24,4%) maiores de 16 anos foi vítima de algum tipo de violência no país – oito mulheres agredidas por minuto, de acordo com a pesquisa “Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil”. A pesquisa mostra estabilidade em relação aos dados do ano anterior (27,4%). Por outro lado, quando se trata especificamente de violência psicológica, o número aumenta: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, aponta que 32% das brasileiras foram vítimas dessa agressão em 2019 – a maior parte desse tipo de violência acontece dentro de casa.
O programa aprovado pelo Senado difere da Lei Maria da Penha por expandir a penalidade à violência contra a mulher em razão do gênero não apenas para situações comprovadas de violência doméstica ou familiar. Se entrar em vigor, o agressor poderá ficar recluso de 6 meses a 2 anos. Multa pode ser aplicada se a conduta for mais branda, circunstância que a enquadraria em outra tipificação criminal.
Luma Santos, advogada criminalista, reforça que a Lei Maria da Penha é uma relação dos tipos de crime que podem ser cometidos em uma situação específica. “A redação atual prevê medidas protetivas de urgência e afastamento do agressor apenas em risco comprovado”, explica. “Se sancionado, além do risco à vida, o risco à integridade psicológica passa a ser um dos motivos para a autoridade competente afastar o agressor do lar”, complementa.
O programa pode ser mais uma das muitas mudanças que a Lei Maria da Penha sofreu nos últimos anos: apenas no ano de 2019 foram feitas 23 alterações legislativas. Para a advogada, o grande número de alterações na Lei é motivo de preocupação: as modificações seriam apenas uma forma simbólica de combater a violência contra a mulher, uma vez que o estado não consegue alcançar o problema estrutural. “Tivemos melhorias, mas ainda precisamos de mais coisas, inclusive a capacitação dos órgãos para lidar com estas situações”, comenta a especialista. “De que adianta agravar uma pena, se os órgãos públicos não tiverem o suporte necessário para quando o crime acontecer?”, indaga a profissional, que relata ainda a dificuldade do poder judiciário em cumprir com agilidade os pedidos de medidas protetivas. “Tive um caso, por exemplo, em que o agressor recebeu o mandado quase um mês depois do pedido de medida protetiva”, relembra a advogada.
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O amor não dói
A violência psicológica é caracterizada como agressão não visível, difícil de ser identificada e que gera sofrimento psíquico que, a longo prazo, gera danos à autoestima da mulher. Os principais fatores deste tipo de agressão estão ligados a ameaças, constrangimento, humilhação, isolamento, vigilância, perseguição, insultos, chantagem, exploração, ridicularização e a distorção ou omissão de fatos para colocar em dúvida a capacidade intelectual de mulheres (prática conhecida como gaslighting).
O estudo “Violência Psicológica contra mulheres usuárias da Atenção Primária”, desenvolvido na cidade de Petrolina, aponta que a violência psicológica está intimamente ligada à violência de gênerom relacionando a ocorrência a sintoma social fruto do patriarcado e capitalismo, que se fortalece ao subjugar mulheres à condição de inferioridade. Os transtornos mais associados à violência por parceiro íntimo são depressão, ansiedade, abuso de substâncias e transtorno de estresse pós-traumático.
Monna Narael conta que sofreu uma sequência de episódios que tentavam minar sua confiança e colocavam sua vida em risco durante um relacionamento de três anos com um homem mais velho – algo que ela percebe que influenciou nas brigas do casal, visto que ele tentava infantilizá-la. “Acho que identifiquei que ele era abusivo no início do relacionamento, mas relutei muito porque idealizamos muito o namoro e isso influencia a não querer sair dele, principalmente se for a primeira vez”.
A estudante de psicologia relata que após o início da relação as brigas se tornaram constantes, modificando inclusive sua forma de pensar e de se vestir. “Ele queria que eu estivesse com ele o tempo todo e sempre dizia que ‘daria o mundo para mim’ e a gente acaba se encantando”, explica. “A ideia de que ‘ninguém vai te amar assim’ fica na sua cabeça porque a gente gosta de ser cuidada, e isso dificulta largar o relacionamento”.
Foram necessários dois términos, e o estopim para Monna foi o constrangimento enfrentado no trabalho, quando ele apareceu bêbado para buscá-la na semana do seu aniversário. Depois disso foram seis meses de tentativa de retorno e, para ela, o mais difícil foi a crítica da sociedade, principalmente vinda de mulheres. “Muitas pessoas, a maioria mulheres, me julgam dizendo que o problema foi porque eu não soube valorizar e eu que fui ruim. Algo triste porque ele continua manipulando as pessoas, saindo de coitado e eu como vilã”.
O estudo em violência psicológica contra a mulher é incipiente no país. A situação se agrava ainda mais quando a violência é entre mulheres, em relações homoafetivas. Eli Santos, uma mulher lésbica, viveu situações de violência psicológica que resultaram em agressão física. Seu relacionamento não foi longo – apenas três meses desde o flerte até o rompimento – mas foi tempo necessário para protagonizar episódios traumáticos. Segundo ela, a companheira exigia que ela se afastasse do seu grupo de amizades.
“No início achava estranho a forma como ela falava da família, muito ríspida e com rancor, assim como as histórias que ela contava de meninas com quem ela namorava”, relembra em relato. Em uma das situações, a ex-namorada prendeu-a no apartamento e a agrediu fisicamente, não aceitando o término do namoro. “Ela quebrou a casa inteira, tive que me esconder no banheiro e só consegui sair porque menti dizendo que estava tudo bem”, relata.
Cerca de seis anos após o ocorrido, Eli ainda encontra com sua agressora em espaços públicos de Teresina, e hoje diz estar atenta aos sinais não só em seus relacionamentos, mas também pronta para alertar os amigos: ”A violência psicológica é uma questão muito densa e se manifesta de diversas formas em um relacionamento, seja ele amoroso ou de amizade”, comenta. “Apenas a convivência pode gerar coisas horríveis”.
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Denuncie e busque ajuda a vítimas de violência à mulher: Ligue 180.
A ligação é gratuita e o atendimento funciona 24h, todos os dias da semana.
Delegacias da Mulher em Teresina
Centro: (86) 3233-2323
Sul: (86) 3220-3858
Sudeste: (86) 3216-1572
Norte: (86) 3225-4597
Delegacia de Flagrante de Gênero:
(86) 3216-5038/ (86) 3216-5042
Nos municípios as denúncias podem ser feitas nas delegacias de polícia.
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