domingo, 24 de novembro de 2024

Jornalismo em busca do outro – um olhar para dentro de si

15 de julho de 2021

Quando a senadora Regina Sousa começou a frequentar a plenária do Senado Federal, estranhou, de cara, o fato daquela suntuosidade de palácio não possuir sequer um banheiro feminino. Correu de lá pra cá e, em bom piauiês, “aperreou o juízo” de Renan Calheiros até que, enfim, conseguiu a obra. Mais do que um lavabo reservado para as damas, a briga da senadora era por reconhecimento. Um banheiro pode ser apenas um banheiro – sua ausência naquele espaço, entretanto, era uma mensagem.

Mensagem, aliás, inevitavelmente comum para nós, mulheres, acostumadas ao estranhamento causado quando alcançamos lugares historicamente dominados por homens. Seja na política, na ciência, nos negócios, quando cruzamos a linha das expectativas – vale dizer, baixas – depositadas sobre nós, carregamos um desafio duplo: fazer aquilo que nos preparamos para fazer, ao passo que, ao mesmo tempo, provamos porque estamos ali para fazê-lo.

Gosto de pensar que, enquanto era desacreditada, zombada, e preconceituosamente atacada em função de sua origem, Regina, mulher, negra, ‘quebradeira de coco”, sabia muito bem o que estava fazendo. Ao menos é essa a ideia que ela, na maior parte do tempo, séria e compenetrada, nos apresenta diante da câmera, quando conseguimos uma hora em sua agenda no final de junho. 

Leia mais: Corra, professora, corra! Entrevista com vice-governadora Regina Sousa

Entrevista nunca foi o forte do tipo de repórter que me tornei. Mas, para nós, de oestadodopiaui.com, mais do que uma técnica ou editoria, esse espaço está virando brecha para a busca do “em comum” – transformando a entrevista no diálogo possível, do qual fala Cremilda Medina e, quem sabe, conseguindo até chegar perto da psicologia social, com confissões próximas ao que Edgar Morin chamou de “strip-tease da alma”.

Em qualquer um dos casos, a empreitada em busca do humano, que antes se resumia ao encontro e papo solto de duas pessoas, passou agora a ser  intermediada pela tecnologia: “vocês me escutam?”, foi a frase do ano eleita pelo dicionário do tal “novo normal”. 

Escutamos tanto Regina que fomos atrás de pessoas formadas em pedagogia do campo – sendo inevitável fazer, é claro, uma ligação direta à história das irmãs Belonísia e Bibiana, do premiado livro Torto Arado, de Itamar Vieira Junior. Inspiradas também por sua trajetória, investigamos que políticos piauienses submeteram projetos relacionados a pautas femininas. E, exercitando seu olhar para as causas identitárias, contamos histórias de mulheres trans no Dia do Orgulho LGBTQIA+.

Se a entrevista pode ser, de fato, esse mergulho no outro a fim de compreendê-lo, ela consegue, ao mesmo tempo, ser um olhar para dentro de si. Aquele que pergunta também costuma procurar no outro respostas para suas próprias inquietações: “O que isso muda na vida das pessoas?”, devolve a vice-governadora em uma pergunta retórica. “Todo mundo quer fazer asfalto e calçamento” diz, afirmando que legado não significa exatamente deixar obras e grandes feitos. Talvez o jornalismo que tentamos fazer aqui queira construir pontes – para permanecer na metáfora da construção civil. Mas esperamos que, tal qual o banheiro no Senado, possa ele próprio ser uma mensagem. 

Luana Sena
editora

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Luana Sena

Jornalista, mestra e doutoranda em comunicação na Universidade Federal da Bahia.

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