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Rotina de motorista

No dia do motorista, contamos histórias de profissionais essenciais enfrentando perda de direitos e precarização do trabalho

26 de julho de 2021

O alarme toca e um número pisca na tela do celular: 3 horas da manhã. O homem desliga o bip, suspira e vai para o banho. É mais um dia de trabalho, mas antes do cotidiano de trabalho, Cláudio Gomes faz suas preces a São Cristóvão, o padroeiro dos motoristas e viajantes.

Cláudio já passou pelo volante de caminhão e, há quase 20 anos, é motorista de ônibus urbano. Antes da pandemia, ele saia de casa toda manhã, de segunda a sexta. Com uma rotina puxada, ele precisava estar na garagem dos ônibus às 5 horas para bater o ponto. Hoje, Cláudio trabalha em meio a denúncias e a instalação de uma CPI do transporte público em Teresina. Com greves seguidas, motoristas e cobradores denunciam pagamentos atrasados e direitos trabalhistas não cumpridos. “Estamos passando por coisas que nunca pensei em passar”, diz. 

Máscara no rosto, álcool em gel na mão, o relato do motorista deixa evidente que boa parte da preocupação com a higiene das mãos – uma das medidas mais importantes na tentativa de controlar o contágio por coronavírus – são de exclusividade dos trabalhadores. Em uma das paralisações da classe, no mês de janeiro, os motoristas denunciaram a falta de estrutura nos terminais do Consórcio Theresina, que não possuíam água nem banheiros. “Não tinha água, nem sabão. Era difícil trabalhar sem essa precaução”, relembra Cláudio.

Além das condições, os motoristas de ônibus também descrevem a perda de direitos como plano de saúde e o ticket de alimentação. Cláudio conta que muitos dos seus companheiros de profissão hoje passam por um momento delicado – alguns têm contado com doações e vaquinhas para ajudar na renda. Até maio deste ano, 60% dos trabalhadores do transporte coletivo em Teresina tinham sido demitidos, segundo dados do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transportes Rodoviários (Sintetro). 

Muitos dos que permaneceram, como Cláudio, passaram a trabalhar como diaristas em regime de escalas e dias alternados. Cláudio teve o contracheque de janeiro e fevereiro totalmente zerado. Nos meses de abril e maio, recebeu 179 reais.

Desde 2006, Antônio da Silva é motorista da coleta de lixo domiciliar de Teresina. Três dias por semana, é ele que conduz o caminhão por ruas da zona Sul a Sudeste na capital. Do bairro Satélite, onde ele mora, vai de moto até o Parque Industrial, na zona Sul, para começar a jornada.

“Eu sou da linha de frente”, diz o motorista, entendendo sua profissão como atividade essencial. “É o nosso jeito de ajudar a população. Imagine aí a cidade sem o pessoal da coleta?”, indaga ele que é um dos mais de 50 trabalhadores da coleta de lixo urbana. 

Aos 59 anos, tomou a primeira dose da vacina contra a Covid-19 no último mês de maio – mas, no início da pandemia, foi afastado por ser considerado grupo de risco, por ser diabético e hipertenso. A volta ao trabalho, para ele, apesar de todos os riscos, reflete a importância da atividade que exerce. “Lá fora os meus amigos estavam enfrentando a pandemia”, conta. “O nosso serviço nunca parou”.

A uberização 

Depois do estágio em Administração, Alana Sobrinho vai para casa, almoça e às 13 horas já está pronta para passar a tarde dirigindo. A primeira viagem dura 9 minutos – entre tantos percursos, a rotina de buscar e deixar passageiros em seu carro segue até as 19 horas.

No banco de trás, passam viajantes apressados, pacientes, pessoas que permanecem em silêncio e outras que não param de falar. Alana costuma ter uma escuta atenciosa. “Elas contam da vida, às vezes fazem a gente de psicólogo”, diz, brincando. “Sempre tem uma situação engraçada e isso faz a corrida ser mais leve”.

Alana pertence ao grupo dos mais de 1 milhão de “parceiros” da Uber –  entre motoristas e entregadores. A empresa começou suas atividades no Brasil em 2014 prometendo liberdade para profissionais autônomos – mas, em um país com índices de desemprego aumentando e a reforma trabalhista em curso, a realidade logo mostrou-se diferente. 

Após ser desligada de seu último emprego, em 2018, Alana baixou o aplicativo. Os últimos dois anos foram os mais intensos, mesmo com a pandemia. As corridas passaram a ser a principal fonte de renda da estudante. “Continuei rodando, mesmo na pandemia, mas a receita caiu praticamente para a metade”. 

A Uber adotou protocolos para viagens seguras, como a obrigatoriedade de motoristas e passageiros usarem máscaras e a permanência de janelas abertas durante o percurso. “Mesmo assim, quando comecei a usar máscaras no carro, as pessoas estranharam”, revela a motorista. “Elas não levavam a sério o perigo do vírus e criavam teorias”. 

sexta-feira, 22 de novembro de 2024
Categorias: Reportagem

Joseph Oliveira

Graduando em jornalismo na Universidade Federal do Piauí.

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