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Mulheres ocupam 90% do protagonismo em comunidades agroecológicas

Enfrentando práticas machistas, mulheres agricultoras comandam associações e grupos de produção com protagonismo no campo

28 de julho de 2021

Rosilandia Gomes da Silva trabalha com um dos recursos mais importantes para a existência humana: o alimento. Ela, como tantas outras mulheres do campo, refletem a contribuição feminina para a agricultura. No Piauí, milhares de mulheres seguem escrevendo a história a partir do seu trabalho e sua relação com o manejo, os alimentos e a natureza. 

Moradora do povoado Soim, na zona rural, a 40 minutos do perímetro urbano de Teresina, o dia para Rosilandia começa às cinco da manhã. De bicicleta ela pedala até a horta comunitária, a poucos metros de sua casa. A agricultora é seu trabalho e fonte de renda. 

Para ela, um dos principais compromissos hoje é produzir alimento limpo. Os modos de cultivo são orientados por princípios agroecológicos. De maneira resumida, esse modo de plantar leva em conta o respeito a natureza, a saúde dos alimentos e seu plantio. É o retorno a uma agricultura que preserva a vida, em todos os contextos: a terra, a água, quem planta e também quem consome.

“É bom saber que a forma de ganhar meu pão de cada dia e manter a minha família alimenta muitas pessoas”, diz Rosilandia. “Esse alimento que eu planto e colho é todo saudável e seguro”, orgulha-se. Coentro, cebola, alface, rúcula, gengibre, couve, beterraba, cenoura, banana estão entre as principais produções. Ela preserva um patrimônio biocultural cheio de agrobiodiversidade e as culturas alimentares da sua região. 

Na comunidade, Rosilandia é conhecida como Rosa – ela é a primeira presidente mulher da Associação dos Pequenos Horticultores Familiares do Povoado Soim, que existe há 12 anos. Há quatro, Rosa é a responsável pelo gerenciamento da venda, entrega e demais questões burocráticas da associação. Entre os principais compradores estão programas do governo e consumidores de Teresina.

Assim como na cidade, no campo existem ideias e práticas sexistas. As relações patriarcais disputam espaço com a visibilidade de gênero que ela defende. Durante a disputa pelo cargo na associação, a agricultora conta que foi bastante desacreditada. “Ninguém botava fé, por eu ser mulher”, conta, lembrando comentários preconceituosos, sobretudo, masculinos. “A direção sempre foi ocupada por homens”. 

Além do cargo na associação, Rosa é mãe de dois filhos, é estudante e dona de casa. Antes dela, muitas mulheres ocuparam funções na luta por terra, trabalho e justiça – a paraibana Margarida Alves, por exemplo, foi líder sindical dos trabalhadores e trabalhadoras rurais de Alagoa Grande. Lutando por direitos campesinos e pela reforma agrária, foi assassinada por usineiros em 1983. Hoje ela é símbolo de um dos maiores movimentos das mulheres do campo: a Marcha das Margaridas.

Rosa faz parte da Comissão Municipal de Agroecologia e Produção Orgânica de Teresina, a CMAPO, que une forças governamentais e não governamentais, como também associações de agricultores e agricultoras. A comissão tem, entre as variadas intenções e práticas, ações que se baseiam em uma relação mais harmoniosa com a natureza para garantir um melhor manejo e assistência técnica agroecológica. Além do Soim, eles contam com comunidades locais de agricultores, como Serra do Gavião, Ave Verde, Assentamento Vale da Esperança.

Carlota Soares, agrônoma, é a atual coordenadora da CMAPO e conta que a comissão surgiu a partir de questionamentos sobre Teresina não produzir alimentos agroecológicos e orgânicos. Hoje, 90% do grupo que integra a comissão é formado por mulheres. A participação das mulheres camponesas é vista como fator transformador de vida. “Reconhecer o seu esforço, enfrentar os variados tipos de violência, desenvolver um trabalho à frente das suas comunidades são alguns dos desafios para que o trabalho invisibilizado seja reconhecido e visto”, comenta. Para ela, a rede formada pelo grupo proporciona apoio emocional, econômico e financeiro – é o pontapé para que mulheres do campo assumam protagonismo. 

Campo é sabedoria

Gilmar Nascimento, 27, também mora no povoado Soim. Sua relação com a produção alimentar vem de família: seus pais são agricultores. Com uma área coletiva de plantio, aos 17 anos já ele já conhecia as técnicas de cultivos adquiridos através de cursos realizados na comunidade. No mesmo período, com o intuito de ter uma produção sem uso de agrotóxicos, adquiriu seu próprio lote de terra para plantio.

A produção de comunidades agrícolas como o Soim se destaca em um país que fomenta mais o agronegócio do que a agroecologia. Com o tempo, Gilmar criou seu primeiro viveiro – espécie de “maternidade das plantas” – seguindo todas as orientações para a produção de mudas limpas de agrotóxicos. Ali, mudinhas pequenas recebem todos os cuidados para um crescimento saudável, até chegar a hora de ocupar a terra. 

Há dois anos, Gilmar criou uma invenção que uniu o saber ancestral do plantio com necessidades práticas da produção nos dias de hoje. Ele pensou uma solução para a produção de hortaliças usando materiais como garrafa pet, papelão, ripas e pedaços de ferro: inventou uma técnica para fazer as linhas de plantio sem desperdício de sementes nem dores nas costas. 

Em 2019, a sua experiência foi aceita no Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), evento que reúne pessoas do campo, das águas, ribeirinhos, quilombolas, quebradeiras de coco e urbanos, além de estudiosos das diversas áreas do saber. “Foi emocionante chegar em um evento nacional com um projeto que pode ajudar tanta gente em um mundo onde as tecnologias não se preocupam em atender aos pequenos agricultores”, diz. 

O caminho até Sergipe, local da apresentação, foi de puro nervosismo: “Era algo muito importante para nós, agricultores. Poder levar algo do seu estado e da sua cidade que pode ajudar tanta gente”, revelou no relato “Agroecologia, vivências e autonomia do cultivo de alimentos saudáveis”, que assina junto com sua supervisora, Valéria Silva. Ele voltou do congresso com encomendas do material de  agricultores de diversas regiões. “Veio uma equipe de Picos a Teresina para adquirir o equipamento”, conta. “É muito gratificante conseguir atingir pessoas com as nossas experiências”. 

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Categorias: Reportagem

Joseph Oliveira

Graduando em jornalismo na Universidade Federal do Piauí.

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