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Vá se benzer!

No Piauí, conhecimento ancestral é a base para mulheres benzedeiras

25 de agosto de 2021

Todo domingo, Maria José Araújo realiza suas preces aos pés de Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora do Desterro, santas das quais é devota. Segurando o terço, faz o pedido: “Por onde eu colocar a minha mão, deus vai colocar a dele por cima da minha”, palavras de quem se preocupa com o bem estar comum. 

Aos 63 anos, Dona Zezé, como é chamada, é uma das rezadeiras mais conhecidas do município de Castelo do Piauí, a 185 km da capital Teresina. Aprendeu o ofício ainda jovem, aos 16. Sua mãe deixou os saberes como um presente de despedida. “Tempos antes de morrer, me ajoelhei nos pés dela e pedi para me ensinar as rezas”, conta. “Aquelas que aprendi, ela me disse pra usar porque ia ajudar a curar as pessoas. Essa era a missão que eu tinha que cumprir”, acrescenta.

A crença da cura através do benzimento é levada como uma tradição, passada de geração para geração. A mãe de Dona Zezé aprendeu com uma tia, que aprendeu com a avó, que no passado aprendeu com os pais. São saberes transmitidos a partir da oralidade e que não se encontram nos livros ou na internet.

Com o alastramento da pandemia, em 2020, e a limitação ao acesso às ruas, transportes e hospitais, os atendimentos de rezadeiras tiveram uma pausa. No caso de Dona Zezé, antes, era comum a sala de sua residência estar cheia de solicitantes: “Vinha muita gente na minha casa pra benzer e eu não podia receber ninguém”. Agora, os atendimentos são feitos pelo whatsapp. Já benzeu daqui ao Rio de Janeiro, todos pedidos vindos da internet. “Se eu rezar e me concentrar em ti, a reza vai chegar aonde você estiver”, conta.

O marketing de Dona Zezé é o mais antigo do mundo: o boca a boca. “Quando faço a reza e a pessoa fica bem, ela vai e fala pro outro”, conta. Para ela esse é um sinal que evidencia a importância e o poder de suas preces. 

Prática ancestral

 O Piauí é feito de fé, reza e sabedoria. Da cura com orações, aos banhos de ervas contra o sol na cabeça, benzedeiras e rezadeiras trazem proteção e cura de males espirituais e materiais. A prática é ancestral e tece uma rede de histórias, crenças e diferentes maneiras de se fazer cuidado.

No trabalho “A benzedura como ofício tradicional no semiárido piauiense”, de 2019, os autores comentam como o estado é composto pela prática ancestral. São principalmente nas cidades menores que essas tradições se encontram. Realizada em Picos, Paulistana e Sussuapara, a pesquisa destaca que o trabalho de curar é feito, majoritariamente, por mulheres, geralmente de baixa renda e com pouca ou nenhuma escolaridade.  

É ecoando a reza com punhado de folhas sagradas que Joelfa Farias afasta as angústias de outras pessoas. “A reza cura males que não possuem remédios na farmácia”, diz a neta de Luzia Margarida de Farias, uma pernambucana umbandista que veio mora no Piauí desde 1966, na região do grande Dirceu, em Teresina. 

Joelfa cresceu vendo sua avó benzer e se reconhece como uma mulher negra guardiã dos saberes ancestrais. “Era só ver um galho de planta que eu já pegava pra benzer. Era disso que eu gostava de brincar. Benzia minhas primas e bonecas”. As lembranças viraram um hábito que, hoje, a tornaram benzedeira no Quilombo Pai Zé Pretinho, espaço da sua religião e onde é mãe de santo.

Seu guia espiritual Preto Velho, o Pai Zé Pretinho da Angola, também a instruiu sobre a arte das orações: “Me ensinou como se reza em criança, adulto e como tira o quebranto, com essa cultura tão bonita que é o benzer”. Dentro da umbanda, aprendeu a benzer não somente com a folha, mas com terço, rosário e também, faixas de pano.

Na hora de benzer, escolhe as ervas, pede licença a todos os seres místicos da floresta para que possa ter permissão quanto ao uso das práticas e dos saberes. As preces são secretas e por isso não revela a nossa reportagem.

“Quando penso nas benzedeiras, penso em quantas mulheres foram mortas por serem acusadas de bruxaria, por conta dessa ancestralidade”, comenta. “A arte de benzer é uma ciência grandiosa. Toda erva tem poder e tem ciência”.

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Categorias: Reportagem

Joseph Oliveira

Graduando em jornalismo na Universidade Federal do Piauí.

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