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Cadê o contrato que estava aqui?

Após ameaça de suspensão de contratos entre prefeitura e organizações sociais, artistas lutam pela profissionalização

27 de agosto de 2021

Um anúncio feito pela nova gestão municipal de Teresina, em maio deste ano, pegou bailarinos e músicos da cidade de surpresa. Era uma terça-feira, dia 11, quando a notícia de que a prefeitura da cidade iria encerrar os contratos com as associações mantenedoras do Balé da Cidade e dos músicos da Orquestra Sinfônica de Teresina, chegou, aos ouvidos, desafinada. Pelas redes sociais, Robert Rios, vice-prefeito e secretário de finanças do município, anunciou o último repasse para as diretorias das associações e disse que, a partir de então, os pagamentos aconteceriam “sem atravessadores”. Em tom de ameaça, informou que iria pedir auditoria nas contas das organizações. “Acabou a picaretagem”, alertou.

O anúncio chocou a classe artística não somente por seu teor ofensivo – mas por ter sido uma decisão tomada sem consulta prévia a artistas, dirigentes e pessoas vinculadas a estes serviços. De uma hora para outra, pessoas que viviam do trabalho desempenhado nesses espaços como Casa da Cultura e Palácio da Música, após anos de trabalho, voltariam à condição de bolsistas ou prestadores de serviços sem vínculo empregatício. Contradizendo a notícia que primeiro se espalhou – de que, sem o repasse dos recursos os projetos seriam descontinuados – a prefeitura esclareceu que todas as ações das OS’s (7 mantidas só pela Associação dos Amigos da Orquestra Sinfônica de Teresina, a AAOST) seguiriam existindo. O vice-prefeito, no entanto, não voltou atrás das acusações de desvios do dinheiro público.

Agora, já um pouco distantes da polêmica, e passado o calor dos acontecimentos, a reportagem da Revista Revestrés #49 propõe uma discussão sobre o que são as associações, quais os tipos de contrato e que trabalho os artistas vinculados a cada um desses projetos executam. É uma forma de atualizar a pergunta que, anos atrás, tanto incomodou leitores e artistas (“Cadê a cultura que estava aqui?”, 2013) ao que parece, continua sem resposta. Cadê o contrato que estava aqui?

O que é uma OS

Aurélio Melo é um homem miúdo, de fala mansa e conhecido pelo uso da sua boina tão característica. No Palácio da Música e pela cidade, é conhecido apenas pelo nome de maestro – função que ocupa na Orquestra Sinfônica de Teresina há mais de vinte anos. 

O maestro acompanhou a transição da Orquestra de Câmera para Orquestra Filarmônica, quando o grupo conseguiu um apoio milionário dos Correios – na época, presidida pelo piauiense João Henrique Sousa, a instituição financiou por dois anos um salto em tamanho e proporções da orquestra. Novos instrumentos como tímpano, violinos de ponta, oboé e fagotes foram comprados. De 25 bolsistas, a orquestra passou para 35 músicos contratados.

“Depois que os Correios saiu, a prefeitura estava muito empolgada e queria dar um jeito de segurar a conquista dos músicos”, relembra o maestro. Ele, que era muito mais dado aos sons do que aos números e às administrações, foi pesquisar formas de manter o vínculo – chegou-se ao modelo de organização social – as OS’s, popularmente conhecido e já adotado em outros estados. “Eu não sabia de nada, meu negócio é reger”.

Pegando o modelo implantado em outras regiões – como a OSESP, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, equipamento cultural mantido pelo governo do estado desde 2005 – a OST criou também a sua associação, firmando contrato com a prefeitura municipal. Desde então, a Associação Amigos da Orquestra Sinfônica de Teresina (AAOST) vinha funcionando como uma empresa privada, intermediando o contrato com direitos trabalhistas entre os músicos e a prefeitura. “Não foi algo que caiu do céu, não foi jogada política”, enfatiza o maestro e diretor da associação. “Foi resultado de muito trabalho!”.

No Piauí, as organizações sociais são regidas pela Lei Ordinária Nº 5.519 de 13 de dezembro de 2005. São declaradas como entidades de interesse social e utilidade pública, englobando atividades e serviços exercidos na área de ensino, pesquisa, meio ambiente, saúde e cultura. É nessa regulamentação que se insere também as OS’s voltadas à cultura em Teresina, que possuem contrato de gestão com a Fundação Municipal de Cultura Monsenhor Chaves, órgão responsável pelas atividades de música e dança na capital. Seu funcionamento contempla atividades sociais voltadas à população.

Além da Amigos da Orquestra, outra associação surgiu na mesma década, com a necessidade de formalizar seus artistas e trabalhadores envolvidos. Em 2017, a  Associação dos Amigos do Balé da Cidade de Teresina (AABCT) formalizava seu contrato enquanto OS junto a prefeitura municipal. 

Para ambos os grupos, a criação da Associação deu autonomia e credibilidade para a execução e manutenção dos trabalhos desenvolvidos. Sozinha, a OST hoje emprega 146 funcionários, entre músicos, professores e funcionários administrativos. Só a Orquestra Sinfônica possui 63 integrantes, mas a AAOST também comanda projetos como a Banda 16 de Agosto, a Orquestra Sanfônica, o Projeto Violões e a Banda de Música das Escolas. Os salários variam de 1 mil a 7 mil reais, de acordo com o cargo ocupado. A média recebida é de 2,6 mil.

Em comum, os dois projetos têm ainda o fato de serem pioneiros em suas atuações e de existirem há quase três décadas. Atualmente, o Balé da Cidade, dirigido por Chica Silva, que também preside a AABCT, emprega 71 pessoas, entre bailarinos, instrutores de dança, teatro, capoeira, guia de museu, coordenadores, produtores culturais e técnicos, além de assessoria de imprensa, motorista e serviços gerais. Tudo isso custa aos cofres públicos 189 mil reais mensais – 95% dele voltado para a folha de pagamento. O restante do valor é destinado, segundo a companhia, para a manutenção do Balé, que vai desde manutenção, compra de equipamentos e material administrativo. O mesmo ocorre com a AAOST, que possui um gasto mensal de 416 mil, sendo destinado para pagamento de funcionários e manutenção da orquestra.

“As nossas contratações, na maioria das vezes, eram por meio de uma terceirizada e não tinham na carteira o que cabia de direito como artistas”, explica Chica Silva. “Era muito mais fácil ter esse respaldo através da Associação para poder estabilizar essa questão de direitos trabalhistas”, segue dizendo. Nesse processo, além da inclusão dos bailarinos integrantes dos elencos, a Associação do Balé incluiu também outras categorias que exerciam atividades culturais relacionadas, como instrutores de dança, cinema, técnicos de teatro e iluminadores. O contrato de gestão é renovado anualmente. 

As Associações também contribuem para a continuidade dos serviços prestados pelo grupo, garantido que os serviços e os planejamentos não sejam encerrados a cada nova gestão municipal. Na ASOST, o contrato é renovado a cada cinco anos, revisando o cunho cultural, educacional e artístico dos projetos, que atingem, sobretudo, grupos e populações de baixa renda, muitas vezes sem acesso ao consumo de cultura e lazer. 

“O mais bonito da nossa orquestra é que é uma coisa grandiosa, em um estado pobre”, defende Aurélio. “Teresina respira um ar como Roma, a cultura da música clássica para músicos, sobretudo, da periferia”, argumenta. Revisitando os números do ano passado, o Balé da Cidade conta ter atingido mais de mil crianças, adolescentes e adultos. “A gente acaba fomentando uma cadeia para além do Balé”, defende Chica. “É uma coisa que pode parecer micro, mas, para quem está lá dentro, é grandioso”. 

Atualização 

Depois do anúncio da suspensão, a Prefeitura Municipal de Teresina voltou atrás. No dia 18 de maio, informou que iria manter os contratos com as associações, a fim de não prejudicar os projetos em andamento. Os contratos em curso devem ser mantidos até o mês de dezembro – período em que o novo modelo de gestão deve ser debatido entre órgãos envolvidos, a classe artística e a população. Depois de finalizado, o novo projeto será encaminhado para votação na Câmara Municipal de Teresina. 

Leia mais na edição #49 da Revista Revestrés

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Categorias: Reportagem

Luana Sena

Jornalista, mestra e doutoranda em comunicação na Universidade Federal da Bahia.

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