A memória refere-se à capacidade do ser humano em conservar e relembrar informações do passado, um mecanismo também importante para a construção da identidade. No contexto histórico brasileiro e piauiense, em que as práticas racistas contribuíram para o apagamento de uma importante identidade cultural, reavivar essa história colocando a população negra como agentes ativos e protagonistas na história, é um ato de resistência.
Repercutir ações para reforçar memórias ou até mesmo contar pela primeira vez história de personalidades negras se faz importante, não apenas na data de hoje, 06 de setembro, dia em que se celebra a consciência negra no estado – que nasceu como uma iniciativa para pensar políticas públicas para essa população que em situação de maior vulnerabilidade social e racismo -, mas cotidianamente. Como relatada pela escritora nigeriana, Chimamanda Ngozi Adichie: “Histórias podem destruir a dignidade de um povo, mas histórias também podem reparar essa dignidade perdida”.
Veja alguns personalidades negras que destacamos e que devem ser lembradas na data de hoje:
Um levante contra o apagamento histórico
Ao chegar na capital piauiense, a professora de história e cultura afro-brasileira, Iraneide da Silva revela: “me espanto ao não ver Trindade em Teresina”. A pesquisadora conhecia a história e atuação de Francisca Trindade, política piauiense negra, nascida dos movimentos da juventude católica, antes mesmo de vir morar na cidade. A circunstância do silenciamento dessa história só a fez concluir que a cidade não se preocupa com a memória de nomes importantes. “A história da população é bastante fragilizada pelas narrativas sobre a cidade de Teresina e não percebe as mulheres que tiveram uma intensa trajetória e inspiradora na cidade”, comenta.
Em razão desse apagamento histórico, Iraneide e outras mulheres nordestinas estão organizando um livro sobre aquelas que não estão na memória social, mulheres negras insubmissas – termo que nomeia o livro -, mas que foram ativas e importantes para a história do país. O projeto conta a história de várias mulheres no país que foram ativas e modificaram o cenário e suas realidades.
A busca por essa retratação, em reconhecer a importância do povo negro na história piauiense não é de hoje. Um desses exemplos é Clóvis Moura, um importante jornalista, sociólogo, historiador, escritor e literato que se dedicou às reflexões sobre a lutas de classe, refletindo a história da escravidão do povo negro, sobretudo brasileiro. Clóvis Moura foi pioneiro em colocar o povo negro como protagonistas de suas próprias histórias e que lutaram incansavelmente pelas liberdades. Ele hoje dá nome ao campus da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) na zona sudeste da capital piauiense.
Para Pedro Pio, professor e pesquisador da obra de Clóvis Moura, o Piauí precisa de ídolos ou referências positivas e Clóvis Moura não pode deixar de constar no elenco dos ilustres do estado. “Clóvis Moura é a prova de que o Piauí é um “celeiro” de importantes figuras nas ciências, nas artes, na literatura, na política e no esporte”, comenta, reafirmando que a atuação acadêmica do Clóvis fomenta ideias em movimentos políticos e estudantis que são discutidas até hoje.
Em razão disso, Pio idealizou na UESPI um memorial que leva o nome do importante pesquisador negro e conta com exposição de fotografias, imagens, textos, livros, revistas e jornais sobre a vida e obra de Clóvis Moura. O primeiro livro reeditado de Clóvis Moura pode ser baixado gratuitamente: “Quilombos: resistência ao escravismo”.
Além dessa iniciativa, Pedro Pio junto a outros membros da UESPI conseguiram os direitos autorais para republicar toda a obra do pesquisador negro. “O pensamento de Clóvis Moura é que a cada livro reeditado, a população redescubra sentidos e significados importantes para o combate contra toda e qualquer injustiça social, não apenas as injustiças baseadas no preconceito racial”, conclui o pesquisador.
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