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Do chute a esperança

Na zona Sul de Teresina, meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade são acolhidas por projeto de futsal

08 de setembro de 2021

Edição Luana Sena

Na arquibancada da quadra da Escola Municipal H. Dobal, localizada na principal avenida do Residencial Mário Covas, zona Sul de Teresina, um homem filma pelo celular uma das quase 30 meninas que chutam bolas de futsal na quadra. Outras poucas pessoas sentadas ali observam o treino e ficam contagiadas com a animação do pai a cada passo da filha no ginásio. “De um núcleo de quase 40 meninas, é o único pai que acompanha”, responde Jéssica Mota, fundadora do projeto Judá Futsal.

Os treinos iniciam às 18h20 – a partir desse horário, as risadas misturam-se ao som de chutes na quadra, driblando as canelas, acertando a trave. Jéssica relata que a maior parte das jogadoras – meninas entre 11 e 29 anos – moram em invasões ao redor do bairro Angelim. Apesar das diferenças de cada uma, o interesse pelo futsal – e as histórias de vulnerabilidade – unem o time.

 

Projeto Judá Futsal foi fundado em 2018, no bairro Angelim (Foto: Bernardo Blanche)

 

Quando chegou ao bairro, há 14 anos, Jéssica percebeu como a carência de estrutura básica dentro e fora das casas afetava diretamente a vida de meninas e mulheres da região. Muitas passam por necessidades básicas, como a falta de alimento e materiais de higiene pessoal – além do envolvimento com a violência e  situação de rua. Mães adolescentes também são comuns entre o grupo, o que provocou Jéssica a mobilizar palestras de educação sexual sobre proteção e gravidez na adolescência. “É preciso ter um olhar clínico para essas meninas”, diz. “Elas precisam de coisas básicas que não encontram na escola ou dentro de casa”, complementa a educadora física.

Maria Vitória, de 16 anos, é uma das meninas que já se interessava pelo esporte antes de entrar para o projeto. Ela brincava na rua com uma bola velha compartilhada entre os meninos e meninas do Residencial Vitória Popular, onde mora com a irmã e um primo. A mãe não incentivava a ideia de Maria Vitória jogando bola por conta da violência da região mas, quando a adolescente entrou no projeto, percebeu o impacto do esporte na vida da jovem. 

 

Maria Vitória, 16 anos: futsal virou grande paixão (Foto: Bernardo Blanche)

 

“Eu gostava de ficar na rua, tinha amizades ruins, não gostava de ir à escola”, conta Maria Vitória. “Aqui não é só futsal, eu encontrei um propósito de vida bonito”. Agora, a menina conta que gosta de ler, conversar com suas amigas sobre a escola, o futuro e compartilhar os problemas familiares. Até o esporte, para ela, ficou diferente: pretende em breve participar de mais campeonatos pelo time. Na quadra, Maria Vitória joga como goleira. “E é das boas”, garante Jéssica. 

A menina, que já foi considerada uma “má companhia” na região, agora tem como maior sonho poder contribuir com a comunidade e tem a treinadora como inspiração. Apesar de ainda não ter decidido qual caminho profissional seguir (ela tem dúvidas sobre psicologia ou administração), algo já é certo em meio a dúvidas: Maria quer ser jogadora de futebol. “Minha vida mudou, quero mudar a de outras pessoas também”, finaliza antes de correr para a quadra novamente. 

Ampliando sonhos

Sem ligações com igrejas ou instituições religiosas, um pilar trabalhado no Judá é a fé. Antes de cada treino, uma roda se forma no centro da quadra e as meninas fazem orações, conversam sobre seus problemas, sonhos e realizações. No espaço, é proibido xingar, brigar ou ter desavenças. Tudo é resolvido com diálogo e compreensão. “São as regras da casa”, reforça Jéssica. Para ela, é uma forma de demonstrar que todas compõem uma nova família e rede de apoio. 

 

Jéssica Mota, educadora física: sonho é profissionalizar o time para competições (Foto: Bernardo Blanche)

 

Para manter o projeto, Jéssica conta com doações e patrocínios – a maior parte deles feito por atletas profissionais. Bolas, cones, bomba de ar e mala de primeiro socorros são alguns dos materiais. Além disso, uniforme e chuteira são itens essenciais, uma vez que muitas meninas chegam a querer desistir de jogar por não ter o tênis adequado.

Para crescer e atender cada vez mais meninas, o Judá Futsal precisa de apoio e novos equipamentos. No futuro, quem sabe, os treinos e turmas sejam divididos entre adolescentes e adultas – é crescente o número de interessadas e o projeto vai se popularizando em toda a zona Sul. “Com o crescimento, é possível que tenhamos times profissionais para competições dentro e fora do Piauí”, vibra a treinadora. “Seria a realização de um sonho”. 

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Categorias: Reportagem

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