sábado, 23 de novembro de 2024

Mirando no alvo errado

Número de armas na mão de civis disparou

22 de setembro de 2021

Edição Luana Sena

Facilitar o acesso dos brasileiros a armas foi uma das mais fortes promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro. E, desde que assumiu o Palácio do Planalto, em janeiro de 2019, ele não tem medido esforços: assinou cerca de 30 normas que, entre outras coisas, abrandaram as exigências para posse e porte de armas de fogo no país. A liberação do comércio somada a dificuldade de fiscalização impulsionaram uma guinada: nunca foi tão grande a quantidade de armas nas mãos de pessoas comuns.  

Em 2019 e 2020, os brasileiros registraram 320 mil novas armas na Polícia Federal. Para se ter uma ideia, este número é maior do que o registrado em um intervalo de seis anos, entre 2012 e 2018 (303 mil). As autorizações concedidas pelo Exército a caçadores, atiradores esportivos e colecionadores de armas também bateram recorde no atual governo – 160 mil nos últimos dois anos contra 70 mil nos sete anos anteriores. O mercado de armas e munições, é claro, nunca esteve tão aquecido. 

No Piauí, a Polícia Federal registrou um aumento de 73,3% nos registros de posse de armas concedidos. Os dados correspondem ao período de 2019 a 2020, quando a Delegacia de Controle de Armas e Produtos Químicos viu o número de requerimentos saltar de 1.500 para 2.600. Em 2021, o número catalogado somente no primeiro semestre já equivale ao registrado em todo o ano de 2019 – período em que o presidente Jair Bolsonaro emitiu a primeira flexibilização para posse de armas no país

 

 

O empenho do presidente em cumprir sua promessa de armar a população é visto com preocupação por especialistas em segurança pública. A proposta, aliás, é um paradoxo, visto que armar a população transfere a responsabilidade do estado para os indivíduos. As medidas presidenciais conduzem uma política federal no caminho contrário ao Estatuto do Desarmamento que, em 2003, havia endurecido as exigências e afastado as armas da população. 

Leva-se, hoje 10 minutos para que qualquer pessoa solicite requerimento de posse de arma. O requerente, com mais de 25 anos, preenche um formulário online e apresenta a documentação exigida em uma unidade da Polícia Federal. Laudo psicológico, comprovante de habilidade técnica e certidão de nada-consta e pronto: aguarda-se o processo. A taxa de registro de arma de fogo custa R$88,00.

Mais armas, mais violência

Uma das hipóteses levantadas por especialistas ouvidos pelo oestadodopiaui.com é de que a flexibilização facilitou também o acesso de armas para a criminalidade. Ronaldo Prado, delegado da Polícia Federal no Piauí, explica que, membros de facções podem requerer o armamento com o nome de outras pessoas, como amigos e parentes. 

“Antes, para comprar uma arma de fogo era necessário comprovar efetiva necessidade”, diz Prado. “Hoje, se você preencher os requisitos, nós (Polícia Federal) somos obrigados a autorizar a compra”. O delegado acredita que a existência de mais armas circulando no mercado acarreta em um aumento da criminalidade. “Mais armas são furtadas, extraviadas, roubadas de dentro de casa”, enfatiza.

Na semana passada, a Polícia Federal, através da Operação Restituere, apreendeu armas e documentos falsos na zona Leste de Teresina. Entre os documentos falsificados foram encontrados laudos de aptidão psicológica e manuseio de arma de fogo – comprovantes necessários para a aquisição de armas. De acordo com o Anuário de Criminalidade da Segurança Pública do Estado (SSP/PI), 589 armas de fogo foram apreendidas em 2020 – um aumento de 41,03% em relação ao ano anterior, que contabilizou 424 apreensões.

O principal argumento da legislação brasileira hoje para a posse de arma é a defesa pessoal do cidadão. O porte, possibilita a livre circulação com o armamento, e exige mais alguns requisitos como comprovação de atividades e serviços ou ameaça real e concreta. No entanto, além de reunir a documentação e arcar com taxas e esperar prazos, o brasileiro também precisa estar preparado para desembolsar – o modelo mais barato da arma de fogo de fogo de uso permitido (revólver, pistola, etc), custa em média R$5.000,00.

Não há levantamentos específicos sobre os recortes de classe social e escolaridade das pessoas que solicitam o posse ou porte de armas. Empiricamente, o delegado observa uma procura diversa – e aponta como agravante a falta de informação e ausência de denúncias. “Quando se tem uma arma roubada, é necessário comunicar a polícia para evitar eventuais problemas”, diz Prado. “Infelizmente, a grande maioria não faz essa comunicação”. 

Aumento de mortes X aumento violência

O número de mortes por arma de fogo em 2020 registrou aumento de 24,5% em relação ao ano anterior. Especificar a relação entre a quantidade de armas de fogo com o aumento na letalidade não é uma relação apontada pelo levantamento da Secretaria de Segurança do Estado. Mas, o crescimento de mortes após a flexibilização, acontece após três anos consecutivos de queda e pode ser um mau índice. 

Para o especialista e pesquisador em segurança pública, Marcondes Filho, existe uma relação entre os números. Ele observa que o problema não está na arma – mas na falta de controle do governo sobre o acesso e regulamento do armamento, além de treinamento ineficaz para o uso. “O Brasil faz uma coisa muito acertada ao diferenciar porte de posse, mas o controle é muito rasteiro”, avalia. “Com o atual governo, civis têm possibilidade de ter armas mais pesadas”.  

A despeito do aumento da criminalidade, o instrutor de tiro, Wagner Costa, considera a posse de arma algo essencial para a defesa pessoal – e aponta para o problema da falta de responsabilização de pessoas que cometem crimes com elas. “Se conseguíssemos compilar as informações do número de mortes com o número de pessoas que conseguiram sair de agressões injustas estando armadas, teríamos mais casos de pessoas sendo protegidas do que pessoas sendo mortas”, diz, sem, no entanto, apresentar comprovações.

Para o pesquisador Marcondes Filho, uma mudança no sistema de segurança do país só seria possível através da divulgação, aprofundamento e discussão de dados concretos – ao contrário das premissas de violência diariamente estimuladas por veículos de comunicação e declarações meramente opiniosas. “A democracia ocorre com o debate e você aprofunda ela com dados”, observa. “Com eles controlados, você pode fazer uma política de segurança mais acertada”. 

 

sábado, 23 de novembro de 2024
Categorias: Reportagem

Camila Santos

Graduanda em jornalismo na Universidade Federal do Piauí.

0 comentário

Deixe um comentário

Avatar placeholder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *