domingo, 24 de novembro de 2024

Uma farmácia em cada esquina

Aumento de drogarias reflete no mercado imobiliário, na geração de emprego e nos hábitos de consumo das pessoas

28 de outubro de 2021

Edição Luana Sena

Teresina é conhecida como “cidade verde”. Banhada por dois rios – Poti e Parnaíba – as águas e vegetação sempre fizeram parte da simbologia da cidade. Porém, de uns anos para cá, a capital tem se tornado menos verde para dar espaço ao crescimento urbano, principalmente vertical. No meio desse crescimento, chama atenção na cidade o grande número de farmácias. Por todas as zonas pipocam, dia após dia, novos pontos que vendem cosméticos, produtos de higiene e, é claro, remédios.

O aumento dos estabelecimentos, na perspectiva imobiliária, tem como principal consequência a diminuição da taxa básica de juros chamada Selic. No Brasil, ela nunca esteve tão baixa, tendo tido uma queda de 14,25% de agosto de 2016 a junho de 2021. Para o especialista João Cleyton, esse pode ter sido um fator da venda de imóveis para uma mesma filial na cidade – como Farmácias Globo, Drogasil, Pague Menos. Isso, aliado ao fato da pandemia ter restringido muitos negócios – as farmácias passaram imune aos períodos mais rígidos de isolamento, funcionando como serviço essencial – apontam a explosão de farmácias na capital.

No desenho urbano, as farmácias estão quase sempre posicionadas nas esquinas e cruzamentos de ruas e avenidas. Outro ponto curioso é a localização de farmácias do mesmo grupo a poucos metros de distância, uma da outra. A estratégia é estar a 180 graus – ou seja, com possibilidade de estacionamento em duas vias, assim, o possível cliente não desiste de parar para fazer uma compra ou procurar outro estacionamento – que poder estar ao lado. 

Muitas farmácias espalhadas na cidade não tem sido um problema para Andrea Milhomem. A administradora, mãe de duas crianças pequenas, acha oportuno ter uma “mini farmácia” em casa e ter a grande por perto sempre que precisar. As idas aos estabelecimentos têm sido frequentes – bem antes da pandemia, quando surgiu o termo “turismo de farmácia”. O hábito é considerado por ela como “ir em uma botique”. 

Andrea explica que apenas no bairro onde mora, em uma única avenida, há quatro farmácias – posicionadas uma do lado da outra. Ela costuma comprar sempre os mesmos produtos: medicamentos, fraldas, mas sempre aproveita para comprar algum item de higiene pessoal com shampoo e, às vezes, um picolé ou chocolate. Por ter muitas opções de lojas, ela chega a entrar em todas para comparar preços e fazer economia.

“Ninguém da minha família gosta de ir à farmácia comigo”, revela à reportagem. “Faço uma longa pesquisa e aproveito para andar entre os corredores observando se há algum produto na promoção. Tudo leva em torno de uns 40 minutos”, detalha a administradora. 

Apesar das visitas às farmácias fazerem parte de sua rotina, ela não aderiu às propostas de fidelização – estratégia de marketing utilizada por muitas empresas do ramo. Em um estudo sobre a estratégia de relacionamento entre clientes e drogarias, os pesquisadores Paula Prado e Fabrício Bastos apontam que a competição e concorrência entre empresas no mercado farmacêutico provocou cada vez mais a necessidade de se pensar na fidelização do cliente. 

Entre as principais, o cartão fidelidade e a personalização de promoções – quando um cliente adquire com frequência um determinado produto ou remédio e começa a receber descontos pelo item ao comprar no estabelecimento. 

A pesquisa, realizada com 232 clientes que faziam uso dessas estratégias, revelou que a maioria é pertencente ao gênero feminino (52%) e com alta frequência semanal nos estabelecimentos – cerca de três a quatro vezes na semana. O perfil e frequência descoberto pela pesquisa evidenciou que o público consome bem mais do que apenas remédios, tendo também um alto índice de retorno.

Mercado da medicação

O crescimento do mercado farmacêutico não é novidade – e segue em projeção nacional. Desde 2014, quando a Lei 13.021/14, que classifica as farmácias como unidades de assistências médicas, entrou em vigor, os estabelecimentos passaram a ser indispensáveis no comércio de remédios e cuidados com a saúde. A partir do decreto, o número de farmácias vem crescendo em todo o país. 

O estudo realizado pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) revelou que, para cada 3000 mil habitantes, existe uma farmácia no Brasil. Em contrapartida, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece que o adequado seria uma farmácia a cada 10 mil pessoas. Os estabelecimentos aumentaram e o consumo também. Conforme o estudo CVA Varejo Drogarias (2021), o crescimento de vendas foi positivo para mais de 5.340 respondentes online.

Teresina não segue na contramão. A Junta Comercial do Estado do Piauí destacou que, apenas na capital, há 1.209 empresas ativas – há uma farmácia para cada 718 habitantes. A maioria delas se concentra na zona Norte de Teresina, nos bairros Itararé e Mocambinho. 

O negócio é lucrativo, chegando a movimentar mais de 300 milhões apenas na capital piauiense. Nacionalmente, o lucro também é percebido. Em todo o Brasil, dados divulgados pela IQVI revelaram que, de junho de 2020 a junho de 2021, o faturamento foi de 144 bilhões.

O aumento de farmácias chamou a atenção da Fundação Wall Ferraz – entidade responsável por promover capacitação profissional gratuita em Teresina. Entre os 44 cursos ofertados para a comunidade, o curso de Balconista de Farmácia foi inserido em 2019 tendo alta procura.

O curso sofreu uma pausa no ano seguinte por conta da pandemia provocada pela Covid-19, mas retornou com grande procura. Gardênia Veras, responsável pela elaboração dos cursos, diz que mais de cinco turmas (com cerca de 20 alunos) já foram formadas e duas estão em andamento – são mais de 130 pessoas no mercado com capacitação para cargos de atendimento especializado em drogarias. “A demanda é alta, é um dos nossos cursos mais procurados”, avalia a coordenadora que atribui a demanda pelo aumento dos pontos na cidade – visto por muitos como oportunidades de trabalho. “Tem sido a solução para escapar do desemprego”, frisa.  

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Categorias: Reportagem

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