“Doença de gay”. Foi assim que um amigo de Eduardo* descreveu o HIV. Para ele, que convive com a doença há dez anos, ouvir essas palavras vindo de alguém tão próximo foi um tanto quanto difícil – mas, ao mesmo tempo, entendia que a falta de informação gerava esse pensamento não só em seu amigo como em centenas de jovens por aí.
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi, por muito tempo, considerado modelo na luta contra a epidemia de HIV/Aids. Desde 1996 o estado brasileiro garante o tratamento gratuito dos pacientes nos hospitais públicos, assim como o fornecimento de coquetéis de medicamentos.
No entanto, nos últimos tempos, o número das novas infecções pelo vírus voltou a crescer, segundo um estudo da Unaids, o programa das Nações Unidas para combate à HIV/Aids, criado em 1994. Se em 2010 houve 44 mil novas infecções por HIV no Brasil, em 2018 elas chegaram a 53 mil: um acréscimo de 21%, muito superior ao aumento médio em toda a América Latina, de 7%.
“O principal fator é a falta de informação”, diz Eduardo. Os jovens veem a epidemia de Aids como algo do passado ou, graças à eficiência dos medicamentos, algo superado. A ausência de campanhas educativas em escolas ajuda na propagação do vírus. Mas há outro dado importante ignorado por muita gente, especialmente homens heterossexuais: segundo dados do Ministério da Saúde, os heterossexuais foram responsáveis por 58% dos novos casos de infecção por HIV.
No Piauí, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde registrou que, de 2017 até o dia 26 de novembro de 2021, o Piauí notificou 3.898 pessoas infectadas com o vírus. Os casos de HIV no estado variam muito a cada ano de diagnóstico: em 2017, foram notificados 801 casos; em 2018, 865 casos; em 2019, foram notificados 923 casos; em 2020, 713 casos e, em 2021, 596 casos notificados.
A faixa etária que compreende de 20 a 34 anos é a que mais teve aumento crescente na contração do vírus, seguido pela faixa dos 35 a 49 anos de idade. Na frequência por categoria de exposição, o público heterossexual teve um maior número de contaminação em relação ao público homossexual e bissexual.
Eduardo* atribui a discriminação ao fato de muitas pessoas acharem que o portador do vírus, mesmo tomando os remédios, continua a transmiti-lo. No entanto, pessoas soropositivas com o tratamento em dia ficam com a carga viral indetectável e intransmissível. “Desde os anos 90 o HIV já não é uma sentença de morte”, afirma. “Os gays daquela geração não só superaram as expectativas de vida, como também aprenderam a conter a infecção”, explica.
Ainda de acordo com o levantamento feito pela Unaids, quem continua se infectando são os homens heterossexuais – e, por consequência, infectando suas parceiras: 80% das mulheres soropositivas foram infectadas pelos seus maridos.
O urologista Luciano Couto acredita que o principal fator está relacionado à recusa dos homens heterosexuais em utilizar preservativos. Mais da metade dos brasileiros (52%) nunca ou raramente usam preservativos – e a maioria homens heterossexuais. Outro fator para o qual o médico chama a atenção é a baixa frequência dos homens em consultas médicas. “Eles acabam transmitindo HIV por não saber que tem”, explica.
Não é apenas a ala masculina que faz vista grossa ao método. Segundo a pesquisa da Gentis Panel, 51,8% das mulheres abrem mão da proteção na hora da relação sexual. “Muitas vezes, elas não se protegem por resistência do parceiro”, diz a ginecologista Fabiana Monte.
Outro fator que acaba indo contra o uso da camisinha é a popularização da pílula anticoncepcional, que permite homens e mulheres terem relações sexuais sem o risco de uma gravidez indesejada. O método, no entanto, não prescinde o uso do preservativo. “As pessoas estão mais preocupadas em evitar a gravidez do que com as consequências de ter uma relação desprotegida”, alerta Fabiana.
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