Isabelle Valentine tem 15 anos e, antes de embarcar em uma corrida por aplicativo, ritualmente prende o cabelo e senta estrategicamente atrás do motorista. Nos primeiros minutos de viagem ela costuma compartilhar a corrida com três ou mais pessoas próximas – uma forma de informar às amigas sua localização. Dentro do carro, ela não faz cerimônias para comunicar ao motorista que a viagem está sendo monitorada.
“É uma preocupação que só mulher tem”, conta à reportagem. Isabelle já foi vítima de importunação sexual dentro do transporte público e, por isso, as estratégias para evitar um assédio fazem parte do que ela define como um “rito de sobrevivência feminina”. A jovem faz parte das quase 98% mulheres que apontam ter sofrido alguma violência de gênero em meios de transporte – segundo dados levantados pelos Institutos Patrícia Galvão e Locomotiva.
Ao volante, o medo e insegurança são sentimentos também compartilhados entre as motoristas do gênero feminino. Em Teresina, são mais de 180 mulheres, segundo levantamento feito pela Associação dos Motoristas de Aplicativo da capital. Mas, de acordo com a presidente, Maria do Carmo Silva, é provável que haja mais mulheres que não são associadas.
Para criar uma rede de apoio, as motoristas se comunicam através de uma rádio online, compartilhando localização e informações de trânsito. Em caso de urgência, elas também prestam assistência para outras motoristas. De acordo com Maria, os relatos a assédios são dos mais variados: palavrões, toques obscenos, desrespeito e, em casos mais graves, violência física.
“É um alívio quando a passageira é mulher”, declara a motorista. Maria chega a se emocionar durante a entrevista quando relata as agressões sofridas. A presidenta da Associação conta que parou de fazer corridas pela madrugada – quando há, geralmente, as melhores dinâmicas de preços das corridas, por conta da pouca oferta de carros.
No primeiro trimestre de 2022, Maria do Carmo será motorista da plataforma Lady Driver – um aplicativo de transporte exclusivo para mulheres, motoristas e passageiras. Além de mulheres, o serviço é exclusivo para crianças, idosos e pessoas com deficiência vinculadas na conta de uma mulher.
Segundo a empresária Marília Verdejo, responsável por trazer o aplicativo para Teresina, a ideia é oferecer uma alternativa de transporte que traga segurança para as mulheres. Além disso, o aplicativo oferece uma remuneração maior para as motoristas que os demais aplicativos. Isso porque a taxa das corridas são menores. “Até o momento, já temos cerca de 100 motoristas e 1.000 passageiras cadastradas”, pontua Marília.
O aplicativo encontra um momento oportuno na capital. Com um impasse de quase um ano e meio no sistema público de ônibus entre a Prefeitura de Teresina, Setut e Sindicato dos Trabalhadores do Transporte, passageiras como Maria das Dores, de 59 anos, terá uma nova opção. Moradora do bairro Areias, na zona Sul de Teresina, ela chega a passar mais de duas horas esperando uma condução para poder acessar outras zonas da cidade.
Maria das Dores tem bastante receio de pegar motoristas de aplicativo e, por isso, já chegou a desistir de sair de casa. Por vezes, conta com a ajuda do filho para ir resolver compromissos quando o ônibus não vem. Com a chegada do aplicativo, a passageira se anima sente-se mais segura para andar na cidade.
Leia mais: Ônibus voltam a circular em Teresina, mas usuários não sentem aumento da frota
Aline Sousa é outra mulher que aguarda a chegada do aplicativo. Ela que algumas vezes já foi vítima de importunação e agressão verbal por motoristas e taxistas homens, pontua que, em uma realidade adequada, não seria preciso existir uma alternativa como essa. “Infelizmente, é em situações assim que vemos como as condições de gênero nos diferenciam”, destaca a estudante.
0 comentário