“Todo dia era a mesma coisa”, conta a professora Mônica Araújo, a respeito das aulas remotas para alunos do ensino médio da rede pública do Piauí. Durante o período mais rígido da pandemia da Covid-19, as aulas remotas escancararam os dilemas da desigualdade tecnológica no estado. Das quase duas horas que tinha para encontrar os alunos durante a videochamada pelo aplicativo Google Meet, metade era gasta tentando ajustar aqueles que não possuíam conectividade estável.
Da sua casa, no centro de Teresina, ela não tinha controle de como seus alunos estavam lhe vendo ou ouvindo. Os perfis dos alunos eram variados: de quase todas as zonas da capital, incluindo povoados da zona rural. “Tinha que esperar todo mundo entrar na sala, ou pelo menos a maioria, para eu começar. Muita gente só conseguia ficar metade da aula porque a internet acabava, o sinal era ruim ou porque dividiam os celulares com os familiares”, relembra Mônica. “Uma vez pedi para ligarem as câmeras e tinha um aluno no meio de uma praça. Quando perguntei o motivo, ele disse que estava usando a internet gratuita do lugar”, relembra a professora. “É um soco de desigualdade”.
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Apesar de muitos possuírem celular, a internet ilimitada não é uma realidade dentro dos lares. A casa da estudante Ana Júlia Pereira, 16 anos, é um dos quase 339 domicílios piauienses que não possuem acesso à internet. O dado foi obtido através de uma pesquisa do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -, o qual constatou que um dos principais motivos para a não utilização desse serviço é o valor de obtenção dos provedores de internet. “Precisei ir para casa de parentes, amigos, até usar wi-fi disponível na rua”, conta Ana Júlia. “Para minha família, ter internet é um luxo que não podemos nos dar”.
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A pesquisa apontou que problemas relacionados à indisponibilidade do serviço em determinadas regiões foi a justificativa em 12,7% das residências. 9,8% disseram que o equipamento necessário para uso da internet era caro. Em contrapartida, foi revelado que 25,4% dos lares apontaram a falta de interesse em utilizar o serviço – em 21,8%, nenhum morador sabia usar a internet. Cerca de 4% apontaram outros motivos diversos.
Desde 2016 o Piauí vem dando saltos significativos na adesão de internet dentro dos lares. Até 2019, o Estado saiu de 52,7% de utilização de internet dentro dos domicílios para 67,3%. Apesar do crescimento, a proporção de casas que fazem o uso de internet no Piauí ainda é a menor do Brasil. “No Distrito Federal, onde há maior proporção de acesso à internet, o serviço chegava a 94,4% das residências em 2019”, compara o estudo de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) da PNAD – Pesquisa Nacional de Amostra em Domicílio Contínua, de 2019.
O aumento é positivo: sete a cada dez domicílios possuem internet em casa. A existência e uso é ligado principalmente à condição da renda mensal do domicílio. 72,2% das pessoas que possuem internet em casa possuem algum tipo de renda mensal. Em média, nas casas com internet, a renda mensal por pessoa era de R$923, valor que cai para R$536 nas residências sem utilização do serviço.
A principal finalidade do uso da internet, conforme a pesquisa, foi para enviar ou receber mensagens de texto, voz ou imagens – em torno de 95,7% daqueles que usam o serviço no Piauí. Cerca de 89% utilizaram para fazer chamadas de voz ou vídeo e 87,9% aproveitaram para assistir a vídeos, inclusive programas, séries e filmes. Apenas 41,3% dos usuários utilizaram a internet para enviar ou receber e-mails.
A pesquisa também aponta diferenças pontuais no uso da internet por grupos de idade. No Piauí, enquanto 89,6% das pessoas com idades entre 20 a 24 anos utilizaram o serviço em 2019, entre as pessoas com 60 anos ou mais de idade, a proporção cai para apenas 21,6%. Todos os grupos etários de 10 até os 49 anos de idade tiveram proporção de uso da rede superior a 50% – somente a partir dos 50 anos de idade a taxa cai para menos da metade.
O uso de computadores também apresentou queda. Enquanto em 2016 cerca de 25% das residências possuíam o aparelho, em 2019, o número caiu para 24%. A pesquisa atribui a diminuição do aparelho dentro das casas ao rendimento médio mensal por pessoa. Mais de 80% das casas em que há presença do aparelho possuem quase o dobro do rendimento médio domiciliar per capita do estado – a média é de R$ 1.561 mensais por pessoa, enquanto o rendimento médio no estado ficou em R$ 816 por pessoa.
O futuro é logo ali – para quem?
O uso de internet gratuita aumentou no Piauí. Ao todo, existem 1.275 pontos de acesso, em 101 municípios, cobrindo 85% da população do estado – como escolas, repartições e hospitais para realização de serviços de telemedicina, educação e segurança. A conectividade é propiciada pelo projeto Piauí Conectado, uma Parceria Público Privada (PPP) entre o Governo do Estado e a empresa Piauí Conectado.
Em um mundo cada vez mais digital, a falta de conexão pode se tornar um termômetro da exclusão digital. Com a chegada da internet móvel 5G, um novo espaço para a conexão promete dar um passo positivo para as barreiras digitais. Os benefícios variam entre: velocidade na transferência de informações, mais usuários podendo se conectar através da mesma rede e maior qualidade de sinal.
Atualmente, pouco menos de 50 países possuem a cobertura do sinal. O Brasil, por exemplo, pode demorar até oito anos para ter a tecnologia de forma ampla. Apenas Boa Vista, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Palmas, Porto Alegre e Porto Velho estão preparadas para receber o 5G, segundo levantamento da Conexis Brasil Digital. “O serviço que promete democratizar a conectividade ainda não é para todos”, frisa o pesquisador em Tecnologia da Informação, Airton Carvalho.
As dificuldades para se inserir no Brasil pairam em realizar a substituição de equipamentos, antenas e aparelhos de celular compatíveis com a rede 5G. “A tecnologia chegou, mas ainda não vai ser possível usar a curto prazo”, destaca Airton. Até lá, é importante que haja uma capacitação de pessoas para poder operar os novos dispositivos e barateamento dos próprios aparelhos para a população, complementa o pesquisador.
Apesar do salto positivo que a chegada da 5G traz, é preciso pensar nos desafios sociais e regionais. Para tanto, o pesquisador ressalta que é importante haver cada vez mais estudos detalhados para compreender as dificuldades de acesso de cada região, além das limitações para obtenção de aparelhos. “Diferente de muitos países, acesso à internet não é um direito fundamental no Brasil”, enfatiza, pontuando que, por esta razão, há poucas políticas públicas eficazes para rever o panorama de desigualdade tecnológica.
“Quando ela chegar, não apenas haverá um salto na conexão, mas também será possível implementar dispositivos na segurança da cidade, como semáforos e câmeras inteligentes com melhor captação de imagens”, destaca Airton. Isso porque, a tecnologia poderá facilitar o encontro de veículos roubados, identificação de crimes e auxiliar no próprio trabalho ostensivo da polícia”, conclui.
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