A Retrospectiva 2021 de O Estado do Piauí é diferente. Aqui, elencamos acontecimentos que marcaram o ano – seja no Piauí, no Brasil ou no mundo – dentro das nossas áreas de interesses – os “trilhos”, que guiam nosso trabalho jornalístico e que são editorias que você sempre encontrará em destaque por aqui.
O poder público falhou
O Brasil foi um vexame mundial no combate à pandemia. O presidente Jair Bolsonaro foi acusado de nove crimes pelo relatório final da CPI da Covid que, com o depoimento de Luiz Paulo Dominguetti Pereira (representante da empresa Davati Medical Supply), juntou a peça que faltava no quebra-cabeça: o chefe de estado brasileiro não só protelou a compra de vacinas como tentou lucrar nas negociações, pedindo propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde.
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Em Teresina, a crise do transporte público desencadeou impasses históricos e o problema crônico de mobilidade urbana. A pandemia potencializou um serviço que já era precário – em março de 2021, a cidade completou um ano sem ônibus regular. Com a redução das frotas, que teve início como parte das medidas protetivas em relação a crise sanitária, um problema histórico se desvelou entre dívidas e acordos não cumpridos pelas gestões municipais e as empresas prestadoras de serviço. Vieram à tona uma sucessão de greves, demissões, precarização do trabalho e sucateamento do transporte.
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Em julho, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontou que o Piauí teve o quarto maior crescimento na taxa de Mortes Violentas Intencionais (MVI) do país em 2020. Mesmo em meio a pandemia, o ano foi marcado por episódios de homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais. O aumento foi de 20,1% em relação ao ano anterior. O Anuário diz que o fenômeno se deveu, em parte, a mudanças na dinâmica do crime organizado. A disputa por pontos de narcotráfico, aumento do desemprego, a piora da saúde mental e das condições financeiras da população, em geral, também pode ter influenciado a curva da violência letal.
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Ciência e tecnologia
Em julho de 2021 os principais sistemas federais de dados da pesquisa brasileira, as plataformas Lattes e Carlos Chagas, ficaram indisponíveis por cerca de 10 dias. As duas plataformas são de responsabilidade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entidade voltada para o fomento da pesquisa brasileira, ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. O apagão dificultou processos essenciais para a documentação e pagamento de bolsas para pesquisadores em todo o país.
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Os três principais serviços da empresa de Mark Zuckerberg já haviam enfrentado falhas e instabilidades anteriores, mas nenhuma dessas quedas superou a do dia 4 de outubro de 2021, quando WhatsApp, Instagram e Facebook ficaram fora do ar por cerca de seis horas. A queda dos aplicativos levou a um incontável prejuízo para diversos usuários e empresas. Em nota, a empresa atribuiu o episódio a uma falha de roteadores de backbone.
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O Congresso Nacional aprovou, em outubro de 2021, um projeto do Ministério da Economia que redirecionava R$ 690 milhões destinados à ciência e tecnologia para outras áreas. Com o aval de deputados e senadores, a maior parte dos recursos deixou de ser enviada para o custeio de bolsas de apoio a pesquisas e projetos já previstos pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O corte no orçamento foi de 92%. Assim, do valor total, restaram somente R$ 55 milhões para a ciência. O argumento utilizado pelo Ministério da Economia afronta a comunidade científica e tecnológica, afirmando que os recursos já transferidos para o MCTI não estão sendo utilizados.
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Em dezembro, um aparelho com cerca de 25 centímetros, idealizado pelo médico piauiense Ary Oliveira Pires, ficou em primeiro lugar no 24° Salão do Inventor Brasileiro. O aparelho se chama Detector Ionizográfico, e pode aumentar a agilidade no diagnóstico do câncer de mama. Após a vitória, a criação vai representar o Brasil em eventos internacionais similares.
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Política
Em todo o mundo, a invasão do Congresso dos Estados Unidos por apoiadores de Donald Trump foi destaque. Eleitores do republicano invadiram o Capitólio, sede do Congresso, no dia 6 de janeiro, quando era realizada a certificação de Joe Biden como presidente eleito do país. O ato deixou cinco mortos e quase 600 pessoas foram presas. Após as eleições de novembro de 2020, ao ser derrotado pelo democrata, Trump se pronunciou diversas vezes alegando, falsamente, que havia perdido a votação devido a uma fraude.
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Em abril, teresinenses foram pegos de surpresa com a notícia da morte de Firmino Filho, prefeito de Teresina por quatro mandatos. A última gestão terminou em 2020 com a derrota de sua sigla para o atual prefeito, Dr. Pessoa. Ele tinha 57 anos e seu corpo despencou do prédio do Tribunal de Contas da União (TCU), local onde Firmino era servidor de carreira. O inquérito que investigava as causas da morte foi arquivado por ausência de tipicidade penal, apontando a causa da morte como suicídio.
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Na primeira quinzena de março, o presidente Jair Bolsonaro anunciou Marcelo Queiroga como novo ministro da Saúde, substituindo Eduardo Pazuello. A troca, no pior momento da pandemia – com o país batendo recordes de mortes – seria só a primeira das sucessões de mudanças ministeriais do governo Bolsonaro: em 29 de março, o presidente realizou seis trocas no primeiro escalão do governo: Relações Exteriores, Defesa, Justiça, Casa Civil, Secretaria de Governo e Advocacia-Geral da União. No dia seguinte, os comandantes das três Forças Armadas também anunciaram suas saídas.
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Direitos humanos
A crise sanitária da Covid-19 aprofundou a subalimentação do povo brasileiro em 2021. Em apenas dois anos (2020-2021), o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões. O aumento do desemprego, a falta de políticas públicas e a inflação são alguns dos motivos que agravam as desigualdades do país e o acesso a alimentos. Em meio a pandemia, cerca de 27,4 milhões de pessoas atingiram a pobreza extrema no Brasil, de acordo com levantamento da Fundação Getúlio Vargas.
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A pandemia foi mais um duro golpe contra os povos indígenas e quilombolas. Já são 1.241 indígenas e 301 quilombolas mortos pela Covid-19 até o início de dezembro, de acordo com a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e a plataforma Quilombo sem Covid-19, respectivamente. O STF (Supremo Tribunal Federal) deu um prazo de 30 dias para que a União apresentasse um plano nacional de enfrentamento à pandemia voltado para a população quilombola. Foi determinado, ainda, a suspensão de ações sobre direitos territoriais, como reintegrações de posse, que envolvam quilombos.
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Há mais de 120 anos, a comunidade ribeirinha-brejeira Salto, em Bom Jesus (616 km de Teresina), ocupa e preserva suas terras. Em outubro de 2021 o local recebeu o Título Coletivo de propriedade de Terra, que delimita e reconhece o espaço como posse dos moradores. A regularização de terras foi feita em meio a casos de assédio, ameaças e incêndios criminosos na região. No Piauí, de acordo com o Instituto de Terras do Piauí (INTERPI), pelo menos três territórios indígenas estão na fase de estudo para a regularização fundiária. Iniciados em novembro de 2020, o andamento dos processos foi prejudicado por conta das restrições da pandemia. Segundo o órgão, a previsão é de que todos estivessem concluídos até o fim do ano de 2021 – algo que não aconteceu.
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Mulheres, LGBTQIA+, negros
De janeiro a setembro de 2021, foram registrados 4.909 boletins de ocorrência nas Delegacias da Mulher. Ou seja: cerca de 18 mulheres foram vítimas de violência doméstica no Piauí por dia. O número é 27,04% maior que o registrado no mesmo período no ano passado. Janeiro foi o mês com maior número de registros de boletins de ocorrências, totalizando 654 denúncias, seguido do mês de agosto, com 620 registros. Em relação ao crime de feminicídio, entre janeiro e setembro de 2021, o Piauí registrou 22 casos. O número supera o que foi registrado no mesmo período nos anos de 2019 e 2020, quando o estado contabilizou 21 feminicídios.
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Em 2021, foi comemorada um ano de uma importante decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) para a população LGBTQIA +: caia a restrição que impedia homens gays de doarem sangue. O estadodopiaui.com conversou com o artista plástico, León Lima, que foi impedido de doar sangue por uma funcionária do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Piauí (Hemopi), e o estudante Vítor de Oliveira Hermílio, que assim que soube da decisão, realizou sua primeira doação de sangue no Piauí. “É triste que ainda haja pessoas que pensam dessa forma, mas fico feliz que a lei não possa mais ser uma espécie de escudo para reforçar seu preconceito”, finaliza.
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Uma pessoa negra é morta a cada quatro horas em ações policiais na Bahia, Ceará, Piauí, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. No Piauí, o percentual de vítimas da violência letal da polícia, de pessoas negras, alcançou 91%. Os dados fazem parte do estudo “Pele alvo: a cor da violência policial elaborado” pela Rede de Observatórios da Segurança Com 94% de letalidade da população negra por atividade policial, a capital Teresina ficou em terceiro lugar entre as monitoradas.
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A escritora e ativista bell hooks morreu no dia 15 de dezembro. Crítica e feminista, a autora escreveu mais de 40 livros publicados em quinze idiomas diferentes. Os temas tratados por ela eram feminismo, racismo, cultura, política, papéis de gênero, amor e espiritualidade. No Brasil, ganhou destaque por meio da publicação de obras traduzidas como “Olhares negros: raça e representação”, “Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade” e “O feminismo é para todo mundo”.
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Economia
Em 2021, 14 milhões de brasileiros se despediram do Bolsa Família, programa fruto dos governos petistas há quase duas décadas. O benefício que girava em torno de R$ 130 deu espaço para o novo programa do Governo Federal: Auxílio Brasil. O benefício que promete dobrar o valor, ao mesmo tempo mergulha milhões de brasileiros na incerteza. A estratégia, para o cientista político Rodrigo Maxwel, é vista como puramente eleitoreira, uma vez que, em quase três décadas como deputado federal, Bolsonaro pontuava que as políticas assistencialistas eram utilizadas pela máquina pública para obter votos. Ao transformar um programa em outro, o presidente se contradiz.
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Novas alíquotas do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro (IOF) passaram a valer a partir de setembro no Brasil, devido decreto do Governo Federal assinado pelo presidente Jair Bolsonaro. A medida é válida até dezembro deste ano e tem como objetivo aumentar a arrecadação para ser direcionada ao Auxílio Brasil, programa de assistência social que deve substituir o Bolsa Família. Segundo a nova medida, para as pessoas físicas, a alíquota passa de 3% (diária de 0,0082%) para 4,08% ao ano (diária de 0,01118); para as pessoas jurídicas, a alíquota anual passa de 1,5% (atual alíquota diária de 0,0041%) para 2,04% (diária de 0,00559%). Para o economista Fritz Moura, a justificativa apresentada pelo governo para aumentar os impostos nas operações financeiras é eleitoreira, uma vez que os programas sociais já existem.
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O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil teve queda de 0,1% no terceiro trimestre deste ano na comparação com os três meses anteriores. Os dados divulgados em dezembro de 2021, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram uma economia que ainda patinava para se recuperar naquele período com covid-19 em alta e vacinação engrenando. O IBGE divulgou também a revisão de dados do trimestre anterior com ajuste sazonal, o que mudou o resultado do PIB de abril a junho em comparação com o primeiro trimestre deste ano: de 0,1% positivo para -0,4%. Com esses números, o Brasil se encontra em recessão técnica, o que mostra uma tarefa mais difícil de recuperar a atividade no último trimestre.
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Empreendedorismo
O setor de profissionais ligados à tecnologia e serviços digitais foi um dos poucos que tiveram um bom desempenho no último ano. Uma tendência que veio para ficar, como aponta a revista Você S/A ao listar cinco profissões para o pós-pandemia: dentre elas, quatro envolvem tecnologia. De acordo com o relatório do Banco Mundial, o Brasil só irá se recuperar em nove anos. Apesar disso, o mercado pontualmente tem sinalizado movimentos para se adequar ao momento. Mesmo com o retorno das atividades presenciais, o processo virtual não perderá espaço, portanto, o movimento agora necessita da “percepção do humano atrás da tecnologia”.
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Com as dificuldades impostas pela Covid-19, as marisqueiras de Ilha Grande, a 352km de Teresina, no litoral piauiense, as redes sociais ajudaram mulheres a criar feirinhas virtuais para dar continuidade ao comércio. O feito fez com que o grupo descobrisse uma nova forma de venda dos seus produtos. Os problemas na região das mulheres que vivem da cata de marisco são anteriores à pandemia. Desde 2019, com o aparecimento de petróleo na região litorânea do Piauí, a procura pelo fruto do mar apresentou queda e os animais começaram a desaparecer.
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A cerveja é a bebida considerada indispensável para 2/3 dos brasileiros – segundo pesquisa da Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil). Porém, para além da diversão, a bebida ajudou esse comércio a crescer 250% em cinco estados brasileiros – Maranhão, Ceará, Pernambuco, Piauí e Goiás – na agricultura familiar em 2021. Neste ano, aconteceu o I Festival Cachaça e Beer Daqui, realizado pela Manhana Cervejaria, para apoiar empreendedores locais. Entre as variedades que estarão no evento, está o lançamento da Cerveja Florada. Derivada da faveira, a bebida conta a história das flores nativas do Piauí e contém um ingrediente especial: o mel. O estado, por exemplo, se destacou neste ano como o maior exportador do mel do país, chegando a comercializar mais de 2 mil toneladas em seis meses.
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Matheus Cardoso, morador do Jardim Pantanal, na zona leste de SP, fundou o Moradigna. Empresa que reforma casas em condições insalubres na região em que vive. Os serviços são planejados desde o orçamento até a entrega final. Estão incluídos todos os materiais de construção, a mão de obra e a gestão de uma “reforma express”, já que as obras geralmente duram apenas cinco dias úteis. Todo esse planejamento e rapidez são um dos pilares para que o serviço seja mais acessível aos clientes que não têm muito para gastar. Ele mesmo coloca a mão na massa, algo que aprendeu ainda criança, quando já participava de trabalhos voluntários e mutirões para ajudar as famílias que eram vítimas das enchentes.
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