“Sempre sorridente, um pai dedicado e um cozinheiro de mão cheia”, foi assim que Larissa Batista, amiga de adolescência do chefe de cozinha João Marcelo, de 37 anos, lembrou do cozinheiro. O profissional tinha recentemente assumido a cozinha do restaurante Urbano Pub – um dos bares mais conhecidos de Teresina – e avançava com sucesso na sua carreira. Infelizmente, na tarde do último sábado (1), por conta das chuvas que caíram na capital, teve seu carro arrastado para um córrego e morreu afogado.
Ele trafegava pela Rua Plutão, no bairro Satélite, com cinco pessoas dentro do veículo. Todos conseguiram deixar o carro, porém, João não saiu a tempo. Ainda no sábado, em Altos – há 30 quilômetros de Teresina – cinco pessoas morreram e uma ficou ferida após um carro ser arrastado para um riacho, pela correnteza, em estrada na zona rural,
As chuvas não se restringem à capital, e em todo o Piauí, desde o dia 27 de dezembro, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) manteve alerta laranja – classificação de perigo por conta das chuvas intensas e tempestades fortes.
De acordo com relatório do Inmet, a região mais atingida pelas chuvas deve ser o Norte do Piauí. Por isso, municípios como Uruçuí, Floriano, Guadalupe, Porto Alegre do Piauí e São Pedro do Piauí devem aguardar chuvas superiores a 100mm/dia e ventos com velocidade superior a 100km/h, além de alto risco de queda de árvores, alagamentos, corte de energia elétrica e raios.
Com isso, a preocupação sobre os rios aumenta. Em cidades como Floriano, o volume dos rios ultrapassou o limite seguro. De acordo com o coordenador da Defesa Civil do município, Pablo Henrique dos Santos, cerca de mil famílias ribeirinhas estão sendo monitoradas.
Segundo o climatologista Werton Costa, as chuvas são causadas pelo fenômeno La Nina, que consiste na diminuição da temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico, enquanto o Oceano Atlântico esquenta. Por conta disso, as nuvens de chuvas que cobrem a região Nordeste vem carregadas, ocasionando fortes chuvas nessa região do país.
Teresina foi a capital brasileira que mais choveu no primeiro dia do ano. Pela primeira vez, em muitos anos, a cidade registrou um alerta vermelho. No final desta segunda-feira (3), no entanto, o órgão informou que o alerta vermelho dissipou-se, mas que novas chuvas virão ainda que em menor volume.
Uma cidade labirinto
“Imagine um espaço de 50 metros que acaba sendo ocupado em torno de 40 metros com edifícios e prédio, restando apenas 10 para a água passar: assim é grande parte de Teresina”, diz o engenheiro civil Hércules Medeiros explicando como o crescimento da cidade sem planejamento resulta em áreas completamente inaptas ao escoamento de água das chuvas. “Um dos maiores problemas da cidade é que não há trajeto na zona urbana que faça o desvio adequado da água”, destaca Hércules.
A pavimentação exacerbada da cidade, sem drenagem efetiva, também provoca uma situação de solo infiltrante. Por conta disso, é necessário que haja a criação de galerias na cidade – porém, a demora da obra e o alto custo não propiciam que o problema seja resolvido de forma rápida. Além disso, a persistência de um mau planejamento da cidade, mesmo com a galeria, não garante que o problema seja resolvido. “Em cinco anos, se o problema estrutural não for resolvido, é capaz de termos o mesmo cenário atual”, destaca o engenheiro.
De acordo com a Defesa Civil Municipal, cerca de 200 famílias ficaram desabrigadas na última semana em Teresina. Apesar dos desgastes estruturais atingirem grande parte da zona Leste, o bairro Mafrense, na zona Norte da cidade, foi o mais atingido. O entorno dessa região fica próximo aos rios Parnaíba e Poti, além das lagoas e regiões alagadiças, onde a água sobe rapidamente com as chuvas.
As salas da Escola Domingos Mafrense, localizada no bairro Mafrense, tiveram que dar espaço para as famílias cujas casas foram inundadas. Ao todo, seis bombas foram instaladas na região Norte, retirando a água das regiões alagadas e despejando de volta nos rios. Porém, de acordo com o gerente de operações da Defesa Civil, Marcus Rolf, o volume de água que as lagoas recebem é maior do que o que as bombas são capazes de drenar.
Na vila Mariana Fortes, zona Sudeste de Teresina, a chuva fez transbordar uma galeria e a água invadiu a casa de centenas de pessoas. Imagens feitas pelos moradores mostram as ruas Panorama e Anchieta alagadas e as casas invadidas pela água.
Entre as vilas Mariana Fortes, na zona Sudeste de Teresina, a chuva transbordou uma galeria. Logo depois, a água invadiu a casa de dezenas de pessoas. De acordo com a Prefeitura de Teresina, a água ficou presa por conta do lixo e entulho da galeria.
O engenheiro da Superintendência de Ações Administrativas Descentralizadas (Saad) Sudeste, Matheus Correia, aponta que é necessário trabalho educativo com os moradores para que haja um descarte correto do lixo. “Constatamos descarte irregular de todo tipo de material, desde troncos de árvores, entulho de construção até geladeiras, sofás”, comenta o engenheiro.
Com os problemas acontecendo em diversos pontos da cidade, o prefeito de Teresina, Dr. Pessoa (MDB), decretou situação de emergência na capital. Com isso, ele espera poder agir de forma mais rápida para reduzir o impacto das chuvas e garantir assistência às famílias que moram em áreas de risco.
Com a medida, o prefeito pode autorizar a realização de contratações sem licitação por 180 dias – desde que seja para atender de forma emergencial os problemas causados pelas chuvas.
Como se proteger – antes e depois
De acordo com a Defesa Civil, os cuidados devem ser tomados antes da chuva. Ações como colher o lixo e levá-lo para áreas não sujeitas à inundações, evitar descarte em ruas, bueiros, córregos e rios são atitudes positivas para evitar a obstrução do escoamento da água.
Medidas em casa, como limpeza de telhados, caneletas de água, caixa de esgoto e drenagem pluvial também impactam positivamente.
Porém, durante a chuva, é adequado que as pessoas não saiam de casa, devendo procurar locais seguros e cobertos. Evitar permanecer em áreas abertas, como campos de futebol, quadras e estacionamentos.
Além disso, evitar ficar no alto de morros – próximos a linhas telefônicas e energia elétrica. Por fim, a Defesa Civil destaca que as pessoas devem evitar estacionar ou se abrigar próximo de árvores isoladas, tendo em vista que os ventos provocam quedas.
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