Em uma Chevrolet D-20, puxando um reboque, Inácio Pereira atravessa o Nordeste trazendo confecções de cama, mesa e banho. Tudo é comprado na cidade de Patos, na Paraíba, onde ele vive quando não está instalado embaixo de uma cabanas ambulantes. Em Teresina, herdou de um vendedor de frutas a palhoça onde está instalado agora: em frente ao Terminal de Petróleo, na BR 343 , entrada do bairro Dirceu, na zona Sudeste de Teresina.
Sua temporada na capital piauiense será rápida – daqui a três meses, no máximo, ele volta para casa. Inácio não sabe explicar ao certo porque decidiu encarar uma viagem de mais de 850 quilômetros – mas acredita ter tomado afeição pelos estados Piauí e Maranhão. Ele chega cedo no ponto de vendas, estende o material e fica na companhia do rádio, que escuta pelo celular, e das carretas que passam pela rodovia margeando a cabana que faz de loja.
O barulho dos transportes é, muitas vezes, cortado por diálogos inusitados de motoristas que passam por ali. Ao longe, um caminhoneiro grita: “É Bolsonaro, rapaz!”. Incomodado, o guia do carro que vem em seguida aciona a buzina e dispara: “Aguenta, que o Lula vem aí de novo!”. Os dois motoristas entram em uma conversa regada a xingamentos até sumirem da vista de Inácio – mas logo ele tem que parar de dar atenção: chegou mais um cliente para comprar as toalhas estampadas com os protagonistas do embate.
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A ideia começou tímida. Inácio colocou uma dúzia de toalhas com o rosto do atual presidente, Bolsonaro, e mais 12 com o do seu – segundo as pesquisas – principal rival nas próximas disputas nas urnas: Lula. No primeiro dia, a tarde mal tinha acabado e não havia mais nenhuma toalha para contar a história. “Posso colocar 30 peças, vendo tudo no mesmo dia”, afirma o homem à reportagem. “As outras coisas vão vendendo bem devagarinho”, diz referindo-se às peças sem imagem dos políticos. “Tenho pra mim que o povo não gosta da toalha não, gosta é dos caras mesmo”, arrisca.
Se o negócio de Inácio fosse usado como termômetro das urnas, os números comprovariam também o que as pesquisas sobre intenção de voto já revelam: a toalha com a estampa do provável candidato do PT tem liderado as vendas por aqui. Antagônicos na política, similares nos preços: para levar para casa uma toalha estampada com o rosto de Lula ou Bolsonaro, ambos adornados com a faixa presidencial, o cliente eleitor deve desembolsar 35 reais.
Sem nenhuma rede social, Inácio soube através da esposa que a foto dos seus produtos tinha virado uma publicação em páginas de humor da capital. Ele, que se diz um sujeito “encabulado” – expressão nordestina para tímido – não tem preferência por nenhum partido e só lembra de votar no dia da eleição – mas acredita que as suas toalhas dão o tom do cenário da polarização política atual.
A clientela não tem exatamente um perfil específico: homens e mulheres, de todas as classes, raça e idade se arriscam às margens da BR para comprar o produto. O que deixa Inácio intrigado são as motivações: gente que vem de bairros distantes apenas para garantir uma peça, caminhoneiro que estaciona a fim de levar para casa, encomendas para presentes – e o mais inusitado: beijos e declarações das pessoas para uma peça de enxugar. “Um dia desses uma mulher veio, comprou uma, no outro dia voltou e comprou mais cinco do Bolsonaro”, contou o vendedor. “E já teve cliente que chorou beijando a foto do Lula”, revela.
No meio do plano de vendas de Inácio estão as eleições presidenciais, previstas para acontecer em outubro deste ano. O vendedor acredita que, até lá, as vendas tendem a ficar ainda mais aquecidas. Em tom despreocupado, enquanto a disputa eleitoral não acontece, Inácio segue torcendo apenas pelo seu próprio lucro. Diz já ter um nome preferido e sabe em quem vai votar – mas não conta para ninguém. “Vai estragar as vendas se eu revelar o meu segredo”, confidencia.
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